Partiu do corpo e da terra física visível, esta madrugada, às 3:00, de 1 de Dezembro de 2020, tal como há sete anos a sua mulher, o notável ensaísta e filósofo Eduardo Lourenço, homem discreto, de coração, muito culto e de apurada capacidade psicológica, crítica e dialéctica. Já com 97 anos, da geração coimbrã de outro grande investigador (sobretudo do Humanismo e da Utopia) e amigo José V. de Pina Martins, tendo sido resistente estrangeirado (França) ao Estado Novo e gerado uma vasta e bem importante obra publicada de crítica e de ensaísmo, em particular sobre a Europa, Portugal, Camões, Antero, Pessoa e outros escritores.
A Gravida desde 1998 tem editado (ou reeditado) muitos dos seus ensaios e artigos, a Fundação Calouste Gulbenkian, que o acolheu nos últimos anos, prepara a sua Obra Completa, pelo que não podemos queixar-nos de não o podermos ler ou não o termos aproveitado mais, pois a sua generosidade e dedicação proverbial, uma sensibilidade socialista, levava-o a aceitar todos os convites para falar, conferenciar, mesmo quando cansado ou já doente.
Libertou-se finalmente, de certo modo, do corpo físico que já pouco o podia servir e encontra-se agora nos planos subtis a vivenciar surpreendido o dito grego tão querido dos seus mestres Antero de Quental e Fernando Pessoa, além de Joaquim de Araújo (com o seu valioso poema Na Morte de Antero), "Morrer é ser iniciado".
Seu leitor desde a adolescência, cruzámo-nos como amantes da Tradição cultural e espiritual portuguesa em alguns eventos e cirscunstâncias, e dialogamos e conversamos um tempo razoável, uma das vezes em sua casa, do que ficou uma parte registada em vídeo que partilho, tanto mais que o tema por onde circulámos era a morte de Antero e assim, na morte e ressurreição, poderemos comungar com eles.
Na dedicatória do meu exemplar do Labirinto da Saudade, bem lido e anotado particularmente em 1987 e 88, quando publiquei A Grande Alma Portuguesa (com textos de Fernando Pessoa), simpática ou generosamente Eduardo Lourenço, durante a nossa animada conversa e lanche, com a sua irmã Maria Alice e a Ana Almeida Martins, sua grande amiga e notável anteriana, escreveu: «Para o seu caro Amigo Pedro Teixeira da Mota, buscador das verdades últimas que muito invejo, com um abraço do coração do seu admirador, Eduardo Lourenço. Lisboa, 30 de Nov. de 2017.»
Brevemente escreverei sobre este valioso e lúcido livre pensador e notável psicólogo dos mitos e da cultura portuguesa, bastante anteriano e pessoano, transcrevendo até algumas das suas ideias e apreciações acerca destes nossos dois vates maiores de Portugal.
Possam os raios de Amor dos nossos corações chegarem até à sua alma, possa ele estar a receber os apoios necessários na transição, possa ele despertar e avançar luminosamente, e possamos continuar a trabalhar pela cultura, a verdade, a justiça, a liberdade e a felicidade dos seres...
2 comentários:
neste colóquio interessantíssimo,Eduardo Lourenço capta, analisa e qualifica Antero e a sua época, sob o prisma lúcido e conhecedor que o caracteriza e lhe permite caracterizar-nos como Povo, mas também a dimensão das individualidades nos seus atributos críticos: Antero é essencialmente um Poeta, fora de tempo, quer pela precocidade e pensamento revolucionário, antecipando questões e correntes, quer pelo seu posicionamento como que antropológico numa Idade anterior, que designa por "medieval" mas entendendo-se como referida a um tempo anterior, deslocado, primordial, mais verdadeiro, genuíno ou puro, ainda não agrilhoado a convenções que entretanto se agigantaram na sociedade Ocidental
curiosa, pertinente e assertiva, porventura imbatível, a visão do Mestre quanto ao decisivo acto individual: ninguém habita a alma de outro ser humano
ainda assim, equaciona sabiamente a desesperança, o amor ausente, a solidão, na origem cumulativa da avocação anteriana do seu próprio destino, em gesto pensante e remissivo a um quadro conceptual da Antiguidade Clássica (a tal genuinidade ou pureza da condição humana ante a fase da Vida que é a morte corporal) legitimadora, não tanto de si próprio ou de responsabilidades morais pessoais, mas da comunidade, do cosmos ou do vazio em redor, sentindo e sabendo-se portador de uma e perfeitamente preparado para o advir - nesta data, poderemos talvez reconhecer em Eduardo Lourenço, além do saber, da imensa generosidade com que tanto nos ofereceu e do seu inquestionável génio, idêntica e admirável preparação para o amanhã desconhecido a que há 85 anos se referiu Fernando Pessoa
paz às Grandes Almas Portuguesas
Graças muitas pelo comentário, António, que só hoje, quase a findar a revisão dos 814 artigos publicados no blogue, leio e a que pouco acrescentarei, senão uma ou outra discordância: a de ser basicamente um poeta e de um tempo imemorial, pois tanto a sua evolução da criatividade poética poesia foi bastante demarcada e caracterizada por ele. E que o considero além de poeta, e muito, um espiritual, um pensador filosófo e até um líder revolucionário... Quanto à preparação para a morte e a consciência espiritual dos três, já que referiste Fernando Pessoa, parecem-me bem diferentes e tal será assim tambéma transição e o estado post-mortem de cada um. Qual estava mais consciente e desperto, e logo preparado para tal, eis uma boa pergunta que se poderá levantar, e para mim foi sem dúvida Fernando Pessoa. Muita luz para as grande almas e delas para nós. Aum..
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