sábado, 30 de setembro de 2023

Erasmo e a comunhão na missa, nas reuniões espirituais e nos grupos de resistência. Narrativas oficiais antigas e modernas, políticas, sanitárias e religiosas.

Erasmo num altar lisboeta...

O questionar as narrativas oficiais sempre foi apanágio dos que estudavam, investigavam, discerniam e apreendiam mais a Verdade que os seus contemporâneos, que se deixavam enrolar pelas aparências e manipulações, ou mesmo pressões, dos que queriam determinar e fixar o que era verdadeiro ou não, seja na religião seja na ciência, saúde, política, historiografia longa ou do quotidiano.

Se no séc. XXI as duas narrativas mais impostas (com sanções, censuras e bloqueios)  pela aliança de grupos de pressão (sobretudo indústrias farmacêuticas e dos armamentos, Fórum Económico Mundial e elite política financeira anglo-americana)  e órgãos de comunicação são as dos vírus e vacinas, e as do relato, caracterização e apoio ao conflito entre a Ucrânia-USA-NATO-UE e a Rússia, há muitas outras que subsistem, algumas com séculos, pois a História humana não deve existir sem as narrativas oficiais e, discordando delas, as heterodoxas, alternativas ou contra-oficiais (hoje frequentemente denominadas pelas primeiras como conspiracionistas), pois só com diferentes compreensões dos factos ou diferentes olhares interpretativos e críticos, é que ela (história e suas almas historiadoras) pode ser digna de si mesma, isto é, livre e dialogante na demanda da verdade.

Um dos terrenos mais fértil em narrativas oficiais foi o religioso, em alguns séculos fecundíssimo, nomeadamente no Cristianismo primordial e na altura do Renascimento e da Reforma, quando diferentes religiosos se digladiaram na compreensão da dogmática antiga e moderna graças a uma consciência psíquica menos limitada e aos novos conhecimentos críticos dos textos sagrados e da evolução dos dogmas e costumes na Igreja. O embate foi tão grande, ainda que também justificado por razões políticas, nacionais e económicas, que aconteceu mesmo a Reforma Protestante, cindindo-se a Igreja Católica e as várias igrejas protestantes.

Erasmo numa gravura que José V. de Pina Martins, seu estudioso e amigo, me ofereceu.
Um dos mais sábios seres da época, que participou em alguns debates e controvérsias, foi Erasmo de Roterdão (1466-1536) que paulatinamente foi-se afirmando como o grande conhecedor da sabedoria greco-romana ou pagã (condensada nas edições constantemente ampliadas dos Adágios), dos padres antigos da Igreja, das versões antigas do Novo Testamento e do que seria a mensagem de Jesus, que ele denominava philosophia christi, tendo escrito dezenas de obras e traduções, entre as quais uma pioneiríssima do Novo Testamento e que teve a ousadia de chamar-lhe Novo Instrumento (e que foi elogiada e patrocinada pelo Papa Leão X e muito atacada pelos teólogos mais sofistas e escolásticos), além de centenas de cartas em que ia expondo como via os acontecimentos, os problemas e os seres, derramando nelas  seu grande amor, sabedoria, lucidez e ironia, algo que epistolarmente entre nós, à nossa escala, Antero de Quental realizou...

Um sofista, ou escolástico caturra, num desenho de Holbein para o Elogio da Loucura,
Se foi sobretudo o Elogio da Loucura o que mais o imortalizou,  algumas das suas obras, porém, para além do sucesso da época, ainda hoje se leem com utilidade e gosto tais os Colóquios, os Adágios, o Modo de Orar a Deus (do qual publiquei uma tradução), as Paráfrases aos Evangelhos, ou os textos da sua polémica em defesa do livre arbítrio contra o determinismo ou fatalismo de Lutero. 
Frontispício gráalico de uma edição de Aldo Manuzio dos Adágios.
 Ora uma das polémicas que na época se ergueu e na qual Erasmo participou dizia respeito à Eucaristia, ou como se devia entender tal acto fulcral da missa. E resumidamente: na Eucaristia haveria simplesmente uma presença divina para quem a merecia ou, como se decretou a partir de 1531, havia uma transubstanciação, uma mudança miraculosa do pão e do vinho em corpo e sangue de Jesus Cristo, que se realizava automaticamente, independentemente do estado da alma do celebrante e dos participantes?

Para Erasmo nada disso era automático, pois dependia de cada pessoa a possibilidade de ela se elevar do mero fenómeno físico à comunhão na sua alma e coração com Jesus e a Divindade. Por isso foi acusado por alguns de negar a transubstanciação, acusação de que ele se defendeu sem contudo aderir ao termo e ao conceito plenamente.

Erasmo chamara à missa synaxis (e nisto foi criticado, segundo o slogan dos mais reacionários: Erasmo, amigo de novidades)  uma palavra vindo do grego e que significava concentração, assembleia ou reunião, festa religiosa, união, e que foi utilizada por autores cristãos dos primeiros tempo para designar ora as reuniões de orações e acções de graças, ora aquelas em que se celebrava a eucaristia e que se vieram a tornar a missa.

Ao realçar tal palavra Erasmo valorizava o aspecto interior de concentração da alma piedosa ou devota em relação da Deus, e seria esse aspirar moral e interior de revestir-se de Cristo, de realizar a philosophia christi, a filosofia de Cristo, tal como ele designava o ensinamento de Jesus, que permitiria a comunhão com o Espírito.

O valor da Eucaristia era espiritual e consistia num morrer, tal como sucedera a Jesus, para o ego e seus defeito e paixões, e um renascer moral, ético, de piedade e de religação harmoniosa com os outros, com o mestre e a Divindade, e que se gerava através da conversão das potências da alma, e da aspiração e arrebatamento para o invisível, o espiritual, o eterno.

Havia uma consciência do corpo místico da Igreja forte em Erasmo nomeadamente na oração e na Missa, pois nela os laços de amor fraterno com os participantes e do amor devocional para com Deus eram intensificados. E era por isso que embora usando também o termo eucaristia preferiu várias vezes usar o de synaxis, já que através deste termo ela realçava a tradição grega que via na celebração religiosa uma conciliatio e communio entre os membros do corpo místico de Cristo, ou da Igreja. 

Erasmo era algo crítico quanto a inovações que não lhe pareciam verdadeiramente conformes a  tradição e assim considerava que era mais na adoração em silencio que nos podíamos avizinhar da Divindade do que por grandes cantos exteriorizantes, em vozes estridentes ou melificas, e musicas ou danças. E considerava mesmo a sucessão ritual da missa como sem grande importância, e valorizava mais cinco palavras ditas do coração e para edificação que dez mil superficiais.

Esta profundidade do sentido da missa de Erasmo continua a ser pouco seguida pelos responsáveis das celebrações religiosas que optam por condescender com a barulholatria que reina hoje em quase toda a parte, enquanto as pessoas ficam mais presas à exterioridade do rito do que à ressurreição de Cristo, do Logos, do Amor Sabedoria  em nós, que esta a ser representada e evocada. E é pena pois perde-sem assim os momentos em que a a renovação dos fiéis podia ser intensificada numa religação ao mundo espiritual e divino.

Com efeito para os autores ou primeiros padres gregos, tal Gregório de Niza, e na linha deles, Erasmo, o que caracterizava a comunhão era a conciliação ou intensificação da amizade entre os participantes e a comunhão com a Divindade ou com o seu Logos, Cristo, Palavra de Amor Sabedoria e que gerava efeitos beatíficos, ou mesmo extáticos ou "instáticos" em alguns mais místicos, no fundo sentir mais o amor, alegria e fraternidade emanados da fonte Divina.

Estes ensinamentos se na época se dirigiam especificamente para as reuniões de cristãos, nada os interdita de serem estendidos a outros  grupos ou assembleias de seres unidos na busca da verdade e do bem (e na resistência mais coesa ao mal das manipulações e opressões),  podendo por isso concluir-se que muitas reuniões de outras redes, associações, religiões e espiritualidades lucrariam com os conceitos tradicionais gregos desenvolvidos por Erasmo, de que as reuniões ou ritos dependem ou brilham pela intensificação de laços de amizade entre os seus participantes e pelos laços de aspiração, adoração e comunhão das bênçãos espirituais e divinas, quaisquer que sejam as designações e localizações que sentimos ou lhes atribuímos, desde o Bem e a Verdade, ao Logos, aos mestres fundadores das religiões, à Divindade, ao Absoluto... 

Possamos pois nós na esteira de Erasmo, a quem saudamos com muito amor, constantemente conciliar-nos fraternalmente e persistentemente comungar mais do espírito, do Logos Amor-Sabedoria, e da Divindade, no que merecermos...

Que a lucidez e a sabedoria, a independência e a coragem de Erasmo estejam connosco!

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Os Filósofos Russos: Nicolas Berdiaev. " O Mal do tempo". Notas de leitura e hermenêutica.

                                                    En lisant “Les sources et le sens du communisme russe” de Nicolas Berdiaev  – 1/2 – Zakhor Online

Nicolas Berdiaev, O Mal do Tempo

Transcrição das anotações, num diário de já há uns anos, da leitura dessa sua obra (traduzida do francês por João Rui de Sousa, para a editora Delfos nos anos 60), e agora um pouco parafraseadas ou comentadas.

 Nicolas Berdiaev (1874-1948), é um dos mais importantes filósofos russos, com uma vasta obra bastante inspiradora e fortificadora das almas que o leem e admiram. De família aristocrata e de militares, de mãe russo-francesa, estudou na Universidade de Moscovo e aderiu à filosofia do materialismo histórico e ao marxismo, sendo por isso exilado três anos para o norte. Mas cedo se afastou do materialismo histórico e já em 1909 era um valioso filósofo cristão ortodoxo, destacando-se pela  valorização da criatividade, liberdade, amor,  persona e do Logos, ser, sentido e mundo Divino, apesar de que pela sua religiosidade independente e libertadora chegou a ser condenado como herético e com destino à Sibéria. A revolução bolchevique libertou-o e permitiu-lhe escrever livremente, dar aulas na Academia Livre Cultura Espiritual que fundara, ou mesmo em 1920 ser convidado para professor na Universidade de Moscovo. Todavia, o crescente ateísmo do programa do governo comunista teria de confrontar a sua independência e religiosidade, resultando disso um encontro interrogatório e a previdente decisão de o deixarem partir com outros intelectuais (tais Fyodor Stepun, Bulgakov, Ivan Ilyin), para o Ocidente, em Setembro de 1922, num barco a vapor de Petrogrado para a Alemanha, onde ainda funda a Academia de Filosofia e Religião que transferirá para a França, quando em 1924 se mud para Paris com a sua família.

 O barco a vapor alemão que exportou por ordem de Lenine e de Trotsky por mais de uma vez os intelectuais russos anti-bolcheviques, o Oberbürgermeister Haken,
Em França a estabilizará de 1924 até ao fim da vida terrena em 1948 e alcançará grande sucesso com o seu carisma e mensagem, em palavra e escrita, sobretudo nos meios cristãos, católicos e ortodoxos, existencialistas e dos emigrados russos, sendo traduzido para várias línguas e estudado por vários escritores e filósofos, entre nós, por exemplo, Leonardo Coimbra, que a ele, a Soloviev e sobretudo a Bulgakoff dedicou algumas reflexões, na sua última obra, A Rússia de hoje e o Homem de Sempre, em vários aspectos profética ou actual.

O  último livro e testamento espiritual, Reino do Espírito e Reino de César, é ainda hoje de grande actualidade face às novas formas de totalitarismo que se pretendem impor, e nele Berdiaev destaca o valor da persona humana e da sua capacidade mística, ou seja, de unir ou ultrapassar as dualidades, nomeadamente sujeito-objecto, eu-outro, mente e espírito, humanidade e divindade, e contrapõe aos colectivismos exteriores e forçados o comunitarismo fraterno, e à religiosidade da descida da graça divina a mística da realização do princípio divino no interior das pessoas, o qual se manifesta pela criatividade livre, para ele a essência do ser em si.  Oiçamo-lo então, por anotações de leitura, levemente comentadas:

Nicolas Berdiaev : que les chrétiens se convertissent ! – PHILITT

«A acção criadora e a actividade realizam [ou geram] inovações e ganhos positivos que contribuem para alargar os sentidos [ou dimensões] do Ser. O tempo possui assim um valor ontológico, dá-nos a revelação do sentido [ou seja, tanto do Logos como do desabrochar ou enriquecer dos sentidos-órgãos, ou seja, dos sentidos-cosmovisões logoicas da vida, e ainda das subtis antenas e níveis do Ser, ou ente em si.]

Em relação ao passado a actividade activa é transfiguradora, quando integra o passado no futuro e no eterno, quando ressuscita as coisas e os seres desaparecidos, vencendo assim o fatum ou destino determinado ou já realizado. [E esta tarefa é realizada em proporção do amor com que ora vivemos cada instante activo ora revivemos tais seres ou coisas, sendo esta relembrar do que já morreram mutuamente benéfica.]

Há seres humanos do passado, seres do futuro, seres do eterno, [conforme a intencionalidade, intensidade e abrangência] do instante comungado.

A actividade inovadora é totalmente dirigida para o eterno. Não há passado nem futuro, mas apenas um presente  incessantemente criado [e por isso se diz que os seres mais evoluídos oram ou rezam incessantemente, ou seja, estão sempre em irradiação perenizante na alma do mundo e em comunhão com ao espírito, a eternidade, a divindade.]

O futuro é a projecção  quer da inquietação causada pela queda [ou descida] do mundo [espiritual] quer do acto criativo cujos frutos tombam (ou são direcionados] para o mundo decaído. Alguns seres, tal como Goethe, desenvolveram a faculdade [ou sentido] de reconhecer  o todo divino na mais ínfima parcela de vida do Universo.

A Tradição é uma luta contra o império do Tempo, uma comunhão com o mistério da História. 

Assim em Platão o conhecimento é reminiscência, e a história só pode conhecer-se enquanto existência interna graças à memória ontológica, graças a uma comunhão com o passado numa activa reminiscência. Por isso é necessário que eu conheça o passado como o meu próprio passado, como a pré-história do meu espírito e assim se integra no presente, como comunhão com o Logos, o saber inicial intemporal ou eterno.

Sendo a mudança evolutiva do mundo algo de secundário no mundo da objectivação, hoje nenhum instante tem valor ou plenitude em si mesmo, ninguém pode deter-se nele, pois é necessário que ele ceda o lugar o mais depressa possível ao instante que se lhe segue. Cada instante é apenas um meio para chegar ao instante seguinte.

Podemos dizer então que a velocidade gerada pela mecanização [ e intensificada pelos meios de informação actuais] é destruidora do eu, da sua unidade e concentração interior.

Este mundo mecanizado é obra do ser humano, mas o homem não se encontra nele. A integridade e a unidade do eu estão ligadas 
a integridade e unidade do presente indecomponível, do instante no seu valor pleno e o que tem como consequência ele deixar de ser um meio para o instante seguinte. [Vive-se plenamente no todo e partes do instante, do presente, e portanto numa consciência não egoísta, nem oportunista.]

São portanto os momentos de contemplação [ou unificação do sujeito e objecto], os que permitem mais a comunhão com a eternidade [ou a comunhão com a essência eterna ou divina dos seres].

 Na sua obra Liberdade e escravidão acentuará o valor do instante vivido criativa e plenamente escrevendo: «A criatividade é a libertação em relação à escravatura. O ser humano é livre quando se encontra num estado de actividade criativa. A criatividade leva ao êxtase do instante. Os resultados ou produtos da criatividade estão dentro do tempo, mas o próprio acto criativo está fora do tempo.»

 Berdiaev refere ainda a ideia expressa por Karl Jaspers que, embora a  existência pertença à eternidade, é o tempo que lhe confere um sentido, ou seja, modela ou conforma a alma, aperfeiçoa-a e, realçando a importante ideia da descontinuidade do tempo [ou seja a não linearidade do devir] alcançada pela física moderna,  afirma que é a infinidade qualitativa que supera a morte ou mal do tempo e que  apocalipse significa a revelação ou desvendação do que vamos descobrindo ou recebendo no decurso da realização da nossa personalidade, do nosso ser dialogante ou comungante [com a eternidade e a divindade].

Berdiaev neste seu pequeno ensaio intitulado O Mal e o Tempo tenta religar-nos à Eternidade, ao mundo indiviso ou não dual, o qual vivenciado integralmente num instante criativo do presente supera o tempo e a fragmentação do eu e da sua liberdade.

 Para tal superação Nicolas Berdiaev acentua ser necessário uma concentração intensa de comunhão com o Logos, com o Amor-Inteligência Divino primordial, nomeadamente pela meditação ou contemplação forte, profunda e pura.

 Possamos nós consegui-la interiormente ou em unificação com outros seres, processos ou coisas.

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Uma poesia espiritual de Amor, arrancada hoje do por vezes fatal naufrágio de textos inéditos...

Escrita não há muito tempo e arrancada hoje do por vezes fatal naufrágio de textos inéditos...

Que poema te posso oferecer,
Sobre que folha e cor o escrever
Se és branca e rosada, azul e dourada
E mesmo pelo arco-íris és admirada?
 
Apenas posso abrir o coração,
trazer do mais íntimo à superfície
todos os anseios, sonhos e ideais,
e dos pés à cabeça deixar o Amor 
clamar por Deus, santo Amor.
 
Somos chamas ardentes,
serenas e calmas mas sorridentes
capazes de traçar e guiar
pelos labirintos da actualidade
as almas que nos demandarem.
 
Sobre a folha rosada, a caneta na mão,
o sangue do coração, o beijo da boca,
o sonho e aspiração da Unidade
derramam-se e esculpem-nos.
Saberemos nós atingir o pleno despertar,
o espírito em nós incarnar
e por fim a Divindade se desvendar?
 
Assim o creio, e quero, assim o escrevo.
Possamos brilhar nas vestes nupciais,
alquimia da sagração da Primavera,
com as aves e flores vibrando connosco
nesta comunhão panpsíquica
que nos leva até ao Arcanjo de Portugal
e se derrama sobre os portugueses
em laivos rosados de Amor,
tonalidades azuis de Sabedoria
e a Luz branca da Divindade.
Assim seja.
Amen. Om.
       Pedro a
De Bô Yin Râ....

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Da alma serena e firme, lúcida e mais realizada espiritualmente, na via da harmonia e da verdade, na Humanidade e ligada à Divindade..

 Escape das narrativas oficiais infrahumanistas e inspire-se e realize-se mais plena e divinamente...
Como se deverá designar o estado consciencial  mais propício à mais exequível abertura à verdade do universo, da vida, da alma e espírito e da Divindade, de modo a que desenvolvamos os conhecimentos e actos necessários, materiais ou subtis, que proporcionarão mais justiça e sabedoria, mais paz e fraternidade, em nós e nos outros, e sobretudo mais realização interior do fogo do amor?

Equanimidade, paciência, aspiração, plena atenção, discernimento, mente iluminada, vontade de ser amor?
Certamente que terá de ser um estado de consciência estabilizado, uma unificação interior firme, que se torne bem presente e não nos deixe cair ou demorar na girândola dos estados anímicos algo automatizados e reactivos que se sucedem ao longo do dia e dos anos. 

Ou seja, não pode ser apenas um pensamento, assumido ou auto-sugestionado, como muita gente usa e abusa nas suas tentativas de bem estar baseadas em técnicas de afirmações positivas ou, bem pior ainda, pela mistificação, de decretos aos anjos, com os seus nomes e dias de tabelas imaginadas...
Mas para além dum estado psíquico firme de base, que não pode pois ser apenas um pensamento mas sim uma realização interior estável, ainda que certamente por vezes menos, face a tanta notícia e acontecimento negativo, um estar em amor, em paz, desprendimento ou lucidez, deverá ainda haver uma cosmovisão correcta, do género "donde vimos, quem somos, para onde vamos" e, finalmente, uma arte de bem viver criativa,  já que constantemente a mente e alma se deverá alinhar harmoniosamente tanto com o todo como  com a parte ou as partes em que está mais em contacto ou envolvida.
É pois uma síntese ética, psico-somática e até profissional, trabalhadora, que terá de ser labutada e assumida, uma obra em aberto, em rede global, em sincronia com outras pessoas e grupos (nomeadamente tão exponenciadas com as redes sociais em que porém se perde muito tempo em desafinidades e superficialidades), atenta às energias e lutas mais oportunas, nos vários planos visíveis e invisíveis, constantemente apelando a que aprendamos ou ensinamos, recebamos, lutemos e partilhemos criativamente, conscientes de que estamos num Cosmos, num todo ordenado e belo (ainda que tão desfigurado pelos políticos e outros), com os seus propósitos, princípios, normas e inspiradores, conhecidos e desconhecidos. 

Pelo que tanto devemos ser amor como estarmos sintonizados com o espírito e o divino, como ainda abertos ao melhor do passado e  presente (e não petrificados em dogmáticas sociais, científicas ou religiosas), e ao futuro que possa desabrochar ou ser trabalhado, ainda que  este esteja hoje a ser tão sujeito a manipuladoras agendas económicas mundiais por grupos, poderes e instituições nada ou pouco harmoniosos, pacíficos, ecológicos e espirituais, agendas estas, que "graças a Deus" e à Luz do Oriente, estão a ser postas em causa pela multipolaridade emergente e necessariamente vitoriosa pois corresponde à melhor natureza humana e aberto ao Divino...
Para este estado calmo e aberto de visão multifacetada e consciência integradora é importante trabalharmos, estudarmos ou praticarmos tanto com os aspectos analíticos como com os intuitivos, ou seja, tanto com o hemisfério esquerdo como com o direito, o que de certo modo se pode ainda distinguir como a ciência-conhecimento-Logos e a sensibilidade-espiritualidade-Eros-Agape.
O equilíbrio entre os dois hemisférios é uma condição importante para se estar com estados psíquicos mais harmoniosos e profundos ou calmos e meditativos, e sabe-se mesmo que a mulher tem mais ligações que o homem entre os dois hemisférios, as quais atravessam o separador corpo caloso. Mas o simples fechar dos olhos, o ouvir o vibrar das partículas interiormente, o contemplar a luz (interior ou solar, mormente no nascer ou pôr) são acessíveis a todos, tal como a arte, a cultura, a música, a dança, o abraço e a união amorosa e as práticas religiosas e espirituais que geram certa harmonização dos dois hemisférios e de polaridades nossas, práticas nas quais por vezes recebemos subtis e fugazes intuições de como agirmos, ou nos realizarmos, complementarmos e unificarmos.
Pode-se dizer que muitos dos símbolos cultuais do passado tinham e têm também esta fundamentação ou objectivo de harmonização das dualidades ou opostos, desde a cruz ao yin e yang, do machado de dupla acha aos dois triângulos entrelaçados. 


A contemplação dos símbolos da arte e arquitectura, ou então da natureza, do corpo-alma e do espaço, abre-nos para as dimensões mais elevadas e estimula o hemisfério direito. E, por exemplo, se contemplarmos só com o olho direito uma imagem ela vai repercutir-se mais no hemisfério esquerdo e de certo modo acalmá-lo, algo com interesse já que é este o mais predominante nos nossos dias, ao vivermos em sociedades como pessoas desgastadas e nervosas com tanta informação, ainda por cima manipulada, e em que portanto o estado de paz ou de amor pouco consegue sobrepor-se à girândola de incessantes percepções, sensações, pensamentos e receios, e em que a visão global, estética e sensitiva, ou do eterno, do infinito e do divino é pouco vivenciada. Mas claro, o mais simples, é fecharmos os olhos e sentirmos, não pensarmos tão discursivamente e fluirmos na respiração, na aspiração e na visão interior, abrindo-nos ao alto, ao infinito, ao Amor, à Divindade, à Verdade.
Há pois que perseverar em deixarmos de ter uma mente estrilhada, manipulada e limitada, ou um cérebro desequilibrado, cheio de informação da manipulação dos media, e antes fortalecermos a alma ou mente serena, discriminativa mas confiante e aberta à natureza, ao amor-sabedoria, ao universal e ao Divino, o que torna o cérebro mais coerente e integrado.
Um dos sinais desta harmonização e integração é o silêncio que conseguimos realizar em nós, sobretudo quando nos recolhemos à noite, gerador por vezes duma extensão ou expansão da consciência pela qual conseguimos sentir ou sintonizar seja o silêncio e o seu som crepitante calmante, seja o espírito, seja o campo unificado de energia e de consciência que nos rodeia, envolve e subjaz e do qual somos parte, algo que hoje a invenção tanto dispersiva como agremiadora das redes sociais tanto potencializa ou exponencia.
Muitos dos problemas com que as pessoas se defrontam, seja de rigidez e dogmatismo, seja de carência, frustração e depressão, resultam das contradições existentes entre a sociabilidade e a intimidade, entre as injustiças e a nossa busca inata de justiça, entre a dispersão consumista e o apelo da realização espiritual imortal, o qual não é acolhido, reconhecido ou trabalhado por muitos.
Há pois que desatar constantemente os nós e excessos que o meio social nos causa e quebrarmos as barreiras que nos impôem ou sugestionam e que nos separam da verdade e harmonia, seja exterior seja interior, a fim de que possamos ter a concha da alma mais aberta às melhores correntes e vibrações e a pérola do espírito a reluzir.
Para isto, frequentemente, é preciso abster-nos de actividades e dispersões, morrermos para certos desejos ou actos e logo depois renascermos mais sintonizados com a nossa essencialidade e missão na vida, renascimento que nos aligeira ou liberta de efeitos petrificantes e obscurecedores do passado, com suas feridas e karmas (consequências negativas), e portanto desabrocha em nós a sensibilidade anímica para sermos mais criativos profissionalmente e melhores no eterno presente, que tão divino é nas suas potencialidade e ao ver puro não dualizado nem limitado.
Podemos pois considerar que a criatividade e a espiritualidade são valiosos e recomendados caminhos para conseguirmos ou merecermos alcançar os estados de consciência e da sensibilidade mais expandidos e logo as intuições, visões, comunhões ou identificações maiores com os seres visíveis e invisíveis e as suas essências, a Vida Cósmica e Divina  e a sua Ordem, princípios, normas e propósitos, a chamada Rita, na tradição indiana, e que subjazendo o Cosmos, começa hoje pela ciência moderna a ser registado como o Campo Unificado de energia consciência informação.
Ora este campo unificado influencia subtilmente o microcosmo humano que cada um é e com o qual ele interage psicosomaticamente, podendo captar e manifestar as energias e princípios cósmicos, que em parte foram intuídos pelas religiões e sobretudo as suas místicas e artistas, os mestres e poetas,  e os quais devemos cultivar de modo a sentirmos e compreendermos melhor os mistérios da Ordem e Harmonia do Universo não apenas por fé mas por experiência de visão ou unidade interior. 

E quanto ao que os Antigos ou Priscos sábios realizaram, disseram ou nos legaram por escrito, devemos comentar, acrescentar e aprofundar pois de facto anímica e espiritualmente não estamos sós nem parados como pontas de icebergues mas sim numa corrente luminosa, oceânica, denominada Filosofia Perene, Catena Aurea, Corpo Místico da Humanidade ou ainda a Tradição Espiritual de cada país ou povo, sempre em criativa ou degenerativa, em fase evolutiva ou involutiva.
Assim os Portugueses mais despertos e activos na época dos Descobrimentos sentiram-se verdadeiramente naquela posição em que podiam afirmar que "outrora dizia-se mas eles agora viam e sabiam", pelo que hoje em dia,  em relação ao que é tido como certo e sabido pela mediania científica e civilizacional que manipula e rege a Humanidade, e vimos recentemente com a obrigatoriedade de se aceitarem as narrativas oficiais criadas pelos imperialismos farmacêuticos e norte-americanos, devemos ter coragem para resistir a tais opressões e lutar pelo conhecimento, realização e divulgação do que é mais verdadeiro e justo e simultaneamente continuarmos como elos da Tradição Espiritual da Humanidade a investigar e explorar ou aprofundar as dimensões desconhecidas de nós próprios e do Universo divino....
Nesta linha nossa corre a repetida ideia de Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, Fernando Pessoa, Jaime Cortesão, Agostinho da Silva e Dalila Pereira da Costa, entre outros, tais Antero de Quental, Jaime de Magalhães Lima e Sampaio Bruno, que aos Descobrimentos antigos terrestres, marítimos e científicos deviam corresponder hoje os da fraternidade humana na multipolaridade política, o Império do Espírito Santo ou a ilha do Amor, glossavam eles, um desabrochar psico-espiritual que nos religue mais justa e clarividentemente à verdade, à essencialidade, aos planos ou esferas mais elevadas do Cosmos e à Divindade

A Vasco da Gama, capitão dos nautas portugueses que uniram o Ocidente ao Oriente para sempre, a Deusa mostra em Amor e de mão dada a Luz Divina

  Trabalhemos pois harmoniosamente em tal demanda de mais luz e amor na Grande Alma Portuguesa, na Europeia (tão a ser destruída e desgraçada pelas más direcções da União Europeia, escravizadas ao excepcionalismo anglo-americano), e na planetária, tão rica na sua diversidade, mas tão estrangulada e oprimida na sua actualidade.
Estudemos, investigamos e descubramos tanto os conhecimentos científicos recentes, como os símbolos subtis mais operativos, ou o melhores meios de nos harmonizarmos e elevarmos, nomeadamente trabalhando com amor, meditando perseverantemente, dedilhando as orações e os mantras que mais nos tocam e alinham e elevam, de modo a auto-consciencializar-nos e sentirmos a expansão da consciência e o acender do fogo espiritual da vontade do Amor, de modo a Sermos e a harmonizarmos mais os ambientes e comungarmos mais com os seres que amamos e nos amam ou guiam e, no cume a Fonte Divina.

De Bô Yin Râ: Encontro com a Luz da Divindade.

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Elza Paxeco, a 1ª doutorada da Faculdade de Letras de Lisboa, notável investigadora e professora. Biografia pela sua filha, Maria Rosa Pacheco Machado.

                                                     

 Tendo recentemente dialogado (numa rede social) na página da Associação Cultural Sebastião da Gama com Maria Rosa Pacheco Machado, a propósito dos alunos e alunas da sua mãe a escritora Elza Paxeco (e neta do abnegado diplomata e escritor Fran Paxeco), infelizmente hoje pouco lembrada e estudada, ofereci-me para divulgá-la no blogue, tendo recebido então a biografia dela, partilhada em 14-X-2010, na Academia Maranhense de Letras, Brasil, no discurso (conforme a fotografia) de tomada de posse da mesma Cadeira Académica nº5 que pertencera a sua mãe e que passamos a transcrever:
                                 

Elza Fernandes Paxeco Machado

2ª ocupante da cadeira nº 5 Académicos Correspondentes, Academia Maranhense de Letras.

«Nasceu em São Luís do Maranhão, a 6 de Janeiro de 1912 na Rua da Palma, nº 38 1 – na casa de seu avô materno Luís Manuel Fernandes, sócio da Firma “Luis Manuel Fernandes & Irmãos, importadores e
exportadores”.
Aí passou sua infância com seus pais, ele Manuel Fran Paxeco (1874-1952) português de Setúbal - jornalista e diplomata, ela maranhense de São Luís que lhe propiciaram um ambiente requintado, culto, de padrão bastante elevado. Para além do ensino normal 2, aprendeu a tocar piano, a dizer poesia, a desenhar etc, com professores das especialidades.
Ainda não consegui saber onde ela terá estudado em criança, embora tenha andado a bater a várias portas; Colégio Santa Teresa, Secretaria da Educação, Inspecção Escolar, mas os arquivos não estão muito disponíveis.
Sua Mãe, minha Avó Isabel Eugénia Cardoso de Almeida Fernandes (1879-1956) natural de São Luís, também era filha de um português, mas de Lamares, Vila Real (o meu bisavô acima referido) e de uma maranhense de São Luís, minha bisavó Rosa Cândida Cardoso de Almeida Fernandes (1845-1912) que por sua vez também era filha de outro português (de Cascais) e de outra maranhense, mas de Santa Maria de Icatú. Ele, Máximo Cardoso de Almeida (1816-1876) foi dono de engenho de açúcar, capitão de longo curso, dono do barco “Rosabella” e ela, Ana Joaquina Jansen da Silva (1827-1872) era, segundo nos contaram, sobrinha de “Donanna” Jansen.
Tudo isto e muito mais nos foi transmitido oralmente, por minha Avó Isabel e por minha Mãe que veneravam São Luís e todos os antepassados que por cá ficaram sepultados.
Quando minha Mãe partiu com seus pais, definitivamente do Brasil para a Europa (em 1925), foi carregada de recordações poéticas, musicais, etnográficas; de histórias, cheiros e cores, sabores e sons... de que falará com saudade, desgosto, ciente que nunca mais voltaria a São Luís. Citava Gonçalves Dias mal chegava a Primavera...
Lembro-me que, ao decorarmos poesia para as visitas,além de Afonso Lopes Vieira e outros, também vinha Gonçalves Dias:

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Inteligente, imaginativa, sonhadora, boa aluna, estudou com sucesso num convento católico jesuíta no Reino Unido, o Upton Hall School a Nordeste 3, até entrar para a Universidade de Gales, onde se formou em Filologia Românica e Filologia Germânica com altas classificações – Honours Summa cum Laudes. Mais tarde, durante dois anos para a Universidade de Londres para fazer outro curso, de especialização, Master of Arts. Tudo para grande contentamento de seu Pai, que muito admirava e venerava; e de sua Mãe que lhe marcou muito a vida pelos objectivos demasiado ambiciosos que lhe traçou e que lhe marcaram toda a vida.
Quando foi para Portugal, frequentou durante dois anos a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a fim de tirar as cadeiras de equivalência que lhe faltavam, as de Literatura e Filologia Portuguesas, História de Portugal e Descobrimentos.

Alunos da Faculdade de Letras de Lisboa, bolseiros do Instituto de Alta Cultura, no Centro de Estudos Filológicos, então na Rua Júlio de Andrade, em 1937, rodeando o professor e arabista David Lopes, com a Elza Fernandes Paxeco à sua esquerda e, atrás, José Pedro Machado, de óculos, seu futuro marido e notável linguista. Ao fundo, à direita na porta, Maria de Jesus Pacheco, que viria a ser a mãe do professor de Direito (e fui seu aluno) Sousa Franco. 

É nesta fase da sua nova vida académica que conhece outro aluno, que alguns anos mais tarde se tornaria seu marido; José Pedro Machado, que frequentava o mesmo curso de Filologia Românica.
Foi a primeira senhora doutorada pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Outubro de 1938), tendo obtido aprovação por unanimidade 4. Era, nessa altura, o mais novo dos doutores, com
apenas vinte e seis anos.
Fez um estágio de dois anos no Liceu Pedro Nunes e foi chamada para a Faculdade de Letras da mesma Universidade, onde ensinou como leitora de Francês entre Fevereiro de 1940 e Outubro de 1948, quando foi exonerada a seu pedido; igualmente regera as cadeiras de Literatura Francesa e de Língua e Literatura Inglesa, tendo ainda feito parte de júris de admissão ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Depois de minha Mãe, duas senhoras entraram para a Faculdade, a Dra. Andrée Crabbée Rocha 5 e a Dra. Virgínia Rau.
Casou em 4 de Setembro de 1940 com meu Pai, José Pedro Machado, tendo dessa união nascido três filhos: Maria Helena (1941), João Manuel (1943), Maria Rosa (1946).
Por indicação de Alfredo de Assis 6, representou em Portugal a Associação das Academias Brasileiras de Letras 7. Foi eleita sócia correspondente da Academia Maranhense de Letras, exactamente para a cadeira Número 5.
No ano lectivo de 1960-1961 ensinou Francês na Escola Industrial Afonso Domingues, escola onde o meu Pai era professor efectivo e se bem me lembro, nesta altura tinha o cargo de Director.
Nunca deixou de ter contacto com São Luís, nomeadamente com a família do Dr. Aníbal de Pádua, com quem sempre se correspondeu, através de quem ia tendo notícias da sua terra natal. Desde criança que eu ouvia falar de Dª Cotinha, de Regina, de Regininha....
Com a família Guedes de Azerêdo que também estava em Portugal, compartilhava laços de São Luís e também laços de família, pois Alfredo (filho) foi o padrinho de baptismo de minha irmã.
Doou a esta cidade, mais propriamente à Associação Comercial do Maranhão, dois quadros pintados a óleo que lhe eram muito queridos, um representando o seu Avô, Luis Manuel Fernandes 8, da autoria de Franco de Sá, e o outro seu pai, Fran Paxeco, da autoria de Paula Barros. Eu era criança, mas recordo perfeitamente a entrega das grandes caixas ao Sr. José Tércio de Oliveira Borges que os trouxe para São Luís, isto em 1957 9.  
Se me permitem gostaria de compartilhar convosco alguns episódios da minha vida:
As crianças aprendem línguas com muita facilidade e eu sou a prova disso: estava a minha Mãe doente e acamada, e como eu era a mais pequena (eu teria 2, 3 anos) e muito irrequieta, chamava-me para o pé dela e ensinou-me a falar francês; foi graças a um mau momento da sua saúde que eu sempre tive uma grande facilidade em falar, compreender francês; a ela o devo, porque ensinou-me essa língua praticamente ao mesmo tempo que o português. Com as outras disciplinas sucedeu a mesma coisa, mas não desta maneira, pois aprendemos os três a ler e a escrever em casa, muito cedo. Recordo perfeitamente a minha luta para mudar a data para 50, nas cópias. Porque sou do tempo em que se faziam cópias.
Nos anos 60, quando minha Mãe ia para os Reservados da Biblioteca Nacional (que na altura ainda estava instalada no Convento de S. Francisco, ali ao Chiado) trabalhar no Colocci Brancuti – O Cancioneiro da Biblioteca Nacional, muitas vezes eu ia com ela.
Aqui permitam-me entrelinhar um testemunho: o trabalho de meus Pais não foi nada fácil, pois tiveram que copiar tudo à mão, não havia os recursos que hoje todos temos à nossa disposição.
Como eu ia dizendo, eu ia muitas vezes com minha Mãe para a Biblioteca Nacional; e como morávamos na Graça, costumávamos regressar a pé para casa. Não que eu gostasse muito, mas como ela andava bem, que remédio tinha eu! Ora numa determinada tarde, voltávamos nós para casa e parámos num miradouro que há sobre Alfama e que tem uma vista soberba, mesmo ao lado do miradouro de Santa Luzia, se alguém conhece a zona. Olhei para baixo, e nos telhados vi um gato (sempre gostei destes animais): chamei-o e ele olhou. Uns dias depois tinha uns versos 10 escritos por minha Mãe, a lembrar esse momento. A sua veia poética vinha à tona muitas vezes, sobretudo com as netas.
A ela devo o meu gosto pela investigação, pelo Medievalismo, pela Literatura Francesa. Todos estes gostos foram sendo burilados ao longo dos anos e muitas vezes com a preciosa ajuda de meu Pai.
Também herdei dela o ouvido musical, pois cheguei a aprender a tocar piano enquanto estive no colégio in
terno.

Neste momento encontro-me a envidar esforços para que o seu nome conste nas comemorações do Centenário da Universidade de Lisboa, isto já em 2011; considero ser mais do que justo que o nome da primeira senhora doutorada na Faculdade de Letras daquela Universidade aí possa constar; possuo fotos, o diploma do doutoramento, recortes de jornais da época.
Estou em contacto com a equipa organizadora, para facultar todo o material necessário.
Dizem-me que a Universidade está com problemas financeiros para a publicação do álbum, espero que os consigam superar.»      [Lamentavelmente nada se publicou...]

       Bibliografia:

  • Alguns aspectos da poesia de Bocage (1937). - Acerca da tragicomédia de Dom Duardos (1937). - Essai sur l'oeuvre de Samain (1938) Dissertação de Doutoramento em Filologia Românica, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. - Graça de Júlio Dinis (1939). - O mito do Brasil-Menino (1941). - Camões e Elisabeth Barrett (1942). - Negação dupla em português (1944). - Um dos últimos trabalhos de Hércules (1944). - Aucassin e Nicolette (romance dramático do séc XII, tradução anotada em versão em verso e prosa portugueses do texto medieval picardo), (1946). - Da glottica em Portugal (1948). - Estudos em Três Línguas (1948). - Cancioneiro da Biblioteca Nacional (Leitura, comentários, notas e glossário), em colaboração com seu marido, José Pedro Machado. Esta obra ocupa oito volumes e é acompanhada pela reprodução fotocopiada do manuscrito; edição crítica e integral, realizada por Edições Ocidente que a editou sem quaisquer apoios oficiais ou particulares em folhas mensais apensas à Revista de Portugal (1949-1964). - Galicismos Arcaicos (1949).

Deixou colaboração dispersa por numerosas publicações nacionais e estrangeiras de entre as quais se destacam as revistas da Faculdade de Letras de Lisboa, Brasília, de Coimbra, da Academia Brasileira de Letras, do Rio de Janeiro, Revista de Portugal, Ocidente, etc. Era sócia da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Sociedade de Língua Portuguesa.
Faleceu na madrugada de 28 de Dezembro de 1989 na sua casa em Lisboa, na Rua Leite de Vasconcelos, vítima de uma úlcera no duodeno.

Gato Preto em Telhado de Alfama
 
«Gato preto de Alfama no telhado
Lá em baixo, ao longe.
No terraço nu de ladrilho vermelho
Cá em cima, ao lado
Uns tufos pendentes verde-brancos hoje
Folhas e flores no invernal e velho
da Cerca Moura troço desencantado. 
 
Sorriso curvo de Reims, o do Anjo
(Ou o da Gioconda, porém meio tortelho),
Olhar longo de amêndoa voltado.
Vê a trocista o vulto e lisonja:
“Biche-biche” e já surge um espelho
Verde radiante pró norte alçado

Na cabeça virada tão séria do monge.
Chispa o Raio verde do Sol sobranceiro
Aos antigos Paços do Limoeiro.»

Visto 26-XII-61. Escrito 1-I-62
 
[O Anjo sorridente da catedral de Reims evocado por Elza Paxeco sobre o casario de Alfama. Quanto à Gioconda, com o seu sorriso algo torto ou irónico, era a sua filha Maria Rosa...]

1- Hoje é o nº 360, onde vai ser o Museu do Azulejo.

2- Não consegui saber onde ela estudou em criança; os arquivos de São Luís ainda não me deram esse prazer.

3- Fundado em 1849, ainda existe, transformado em Escola: http://www.uptonhallschool.co.uk

4- Cópia do diploma em anexo.

5- Esposa de Miguel Torga.

6- Desembargador Alfredo de Assis Castro, outro dos fundadores da Academia, casado com Filomena Jansen Pereira, prima de minha Avó, Isabel Eugénia de Almeida Fernandes Paxeco.

7- Em anexo, cópia da acta da sessão de 3 de Julho de 1943.

8- Comerciante português(1828-1881) que viveu em São Luís do Maranhão. Em 1874 consta como vogal da 17ª Directoria da então Comissão da Praça, in Jerónimo de Viveiros – História do Comércio do Maranhão, 1612+1895, p 452.

9- Possuo a carta (na sequência de outras) de Joaquim Pinheiro Gomes de 25.10.1956, onde informa minha Mãe que Arnaldo de Jesus Ferreira vai falar com António da Silva Borges ao tempo Vice-Consul, sobre o transporte dos quadros.

10-Versos em anexo.»

                                  

Fiquemo-nos, para concluir, e para comungarmos no corpo místico da Tradição cultural e espiritual de Portugal, com o que Elza Paxeco, com o seu génio tão sensível e sábio, escreveu no seu principal livro, antológico, Estudo em Três Línguas,  acerca da imortalidade da alma, ou Graça de Júlio Dinis:
«Joaquim Guilherme Gomes
Coelho, se ainda vivesse, faria hoje cem anos. Rol bem mais bonito que o da Moleirinha de Junqueiro. Há perto de 14 lustros, porém amado pelos deuses [que arrebatam os que amam], morreu em plena juventude. Lá foi a enterrar, perto da velha igreja de Cedofeita, perdida entre campos solitários [Alberto Pimental, O Porto há trinta anos, p. 4), o professor da Escola Médica, com grande acompanhamento de lentes, estudantes e antigos condiscípulos. Partiram também as andorinhas, levadas por um outono precoce.

                                            Agrupamento de Escolas Ovar Sul - Júlio Dinis

Mas Joaquim Guilherme, como tantos magos, possuía outro eu, «qui lui ressemblait comme un frère», e esse ficou aqui fora, neste mundo de mentiras, apesar de não ser fantástico, fingido ou mentiroso. Continua cada vez mais vivo e verdadeiro. Tem cem anos e é sempre jovem: prodígio bem simples para ele - Júlio Dinis, poeta da mocidade e da graça

Saibamos viver com juventude e na graça, como Júlio Dinis, Fran Paxeco e Elza Paxeco, e que o Amor e a Sabedoria do Espírito Divino nos interligue e inspire, harmonize e eleve!