sábado, 5 de dezembro de 2020

A espiritualidade da Índia. Páginas de um diário, com entradas de 1996 e 1997, em vídeo lidas e ampliadas...

Dentro de uma agenda diária indiana Bhagavan Ramana dairy for 1990, dedicada ao sábio da montanha de Arunachala, que estava na secção indiana da minha biblioteca, encontrei inesperadamente algumas páginas escritas em Portugal, após ter estado em 1995-1996 um ano a viver na Índia, e quando escrevia o livro dos Descobrimentos do Oriente e do Ocidente, que viria a sair à luz em 1998, para comemorar os 500 anos da viagem de Vasco da Gama e a união de Portugal com a Índia. Resolvi então ler à noite (2-XII-2020) o que escrevi, ampliando ou comentando por vezes, do que resultou o vídeo (e um outro, anterior, de apenas 3:00, pois a máquina parou) no final deste artigo. Mas hoje (5-XII)  resolvendo partilhar a gravação para o Youtube e o Blogue encontrei duas páginas escritas, na Índia, em 1996, nesse mesma agenda diário que comprara com desconto (pois era já de 1990) na livraria do ashram de Ramana Mahrishi. E assim, em vez de transcrever para este texto o que já está partilhado oralmente no vídeo, vou antes fazê-lo com essas impressões do peregrino, quando já tinha uns nove meses de Índia, os últimos três de peregrinações e viagens.

Página do dia 15 Janeiro. Verso impresso ao alto, de Ramana Maharishi: «Expressão do AUM, inigualável, insuperável, quem te pode compreender, O Arunachala?                                                                                                                           
«De manhã medito na sala do ashram, em frente à fotografia grande emoldurada que o substitui e o invoca e evoca posta na parede acima do divã por ele ocupado fisicamente durante alguns anos e agora vazio ou talvez aberto subtilmente às suas emanações.
                                                
É a despedida, calma, profunda. Algo da realização espiritual da unidade e de
Ramana Maharishi respira-se, sente-se. Depois vem o dia activo, após escrever nas costas de duas fotografias postais dele, mensagens para Jorge Falcão, um amigo adepto do caminho advaitico ou da não dualidade, e para o Pedrinho Teixeira da Mota.                                                                                                                                             Vou buscar fotocópias de alguns livros do ashram a Tiruvanamalai, e visito em 35 minutos o templo principal. Um brâmane leva-me a dois santuários onde acende uma réstea de canfora  perante o Shiva lingam e faz uma oração em meu nome. O ambiente não é aqui doentio, embora as estátuas sejam pretas, dum granito ou basalto milenário. E revestidas de fumo, pastas coloridas e vestes, agitam-se quase numa ânsia de serem vivas fisicamente. Quem saberá discernir os resultados da adoração de estátuas, algumas das quais em certos povos e tradições eram verdadeiramente animadas?

Percorro as estátuas com rapidez  até que ao longe  uma fila grande de pequeninos lingams fazem-se relembrar os Budhas, também pequeninos e  vestidos de cores garridas, dos mosteiros do Tibete.                                                                                     Uma deusa Saraswati em estáta dourada, mesmo por detrás do santuário principal faz-me deter e saudá-la por uns momentos. É uma senhora ou deusa da sabedoria e da música, dourada, fina, mas quem lhe liga e a leva consigo?                                     Depois de me ter posto cinzas na testa e no cimo da cabeça, recebo ainda banana, flores e um pacotinho de açucares, o prasad. Dou-lhe 20 rupias. Agradece. Não posso tirar fotografias dentro do recinto sagrado. Apenas fora, as torres altas, os elefantes, a vaca sagrada  imponente e escura a ser adorada, e os sadhus que passam algumas horas sentados em posição de pedintes dos fieis que peregrinam este famoso templo shivaísta.                          

                                               
Regresso ao ashram de Ramana Maharishi para entregar os livros de volta ao
simpático encarregado da livraria que me  os emprestou para fotocopiar. E depois é a viajem para Madras, passando por Kanchipuram, que está fechado em restauros. Visito ainda assim mas rapidamente o ashram de Sankaracharya . O guarda do portão do templo de Kanchipuram ainda disse que se pagasse 5 dólares, poderia entrar e espreitar. Como não tenho já muita paciência para estar a discutir preços, bato antes com a mão na testa e digo-lhe: - Está louco? Estou ou não na Índia, não devo pagar em rupias?                                                                                                        Mas ter de bater na testa, e encher os olhos da confusão ou grande agitação que caracteriza muitas partes da vida indiana citadina ou dos transportes, desgasta o cérebro,  que vai desejando cada vez mais paz, shanti, shanti...                                   Tanto desgaste o viajar na Índia. Bem fez Ramana (1879-1950) que instalou-se e viveu quarenta anos à sombra da montanha sagrada de Arunachala, que tanto poetizou como manifestação divina, traduzindo e comentando textos sagrados antigos, e transmitindo a metodologia de auto-inquérito, "Quem sou eu, Quem sou eu",  e partilhando a sua realização da unidade supra-mental dos seres e das consciências, no que se chama na Índia, a tradição advaita, ou seja, não dual: na essência só é ou existe a consciência divina, única, Brahman. É ela que é o fundo e essência na nossa consciência e individualidade. Por isso um dos grandes mantras, as mahavakyas, diz: Aham Brahmasmi, Eu sou um com Brahman, a Divindade. Eu sou parte de Brahman, Eu sou  da mesma geração eterna divina.

Hotéis, ashrams, riquexós, táxis, comboios, aviões e tantas lutas, injustiças, roubos, cansaços que nos envolvem, desgastam e desafiam a sabermos manter-nos num estado de consciência não conflituoso, paciente e elevado, yoguico ou unitivo diremos em alguns momentos mais meditativos ou de harmonia e fusão com as pessoas e a natureza, sem dúvida tantas vezes maravilhosas...                                       Pensei que o templo de Tiruvanamalai estivesse pesado, carregado de energias menos positivas, mas embora se vejam alguns brahmanes com ares semi-degenerados por centenas e centenas de anos de ambientes algo sombrios e açucarados, a vibração deles e do sítio era em geral boa.                                             Claro que há muita prática devocional algo supersticiosa ou pelo menos demasiado crente no miraculoso, visível nas raparigas que fazem certos gestos e votos em alguns pontos do vasto templo com muitos santuário, nas dádivas mais impressionantes de pessoas e nas exigências dos brâmanes ou sacerdotes. Talvez por ser um templo muito peregrinado e logo rico, os brâmanes aqui não são aves de presa, de rapina ou ameaçadoras como acontece por vezes em alguns locais, e uma certa comunicação de reconhecimento de seres espirituais e no caminho circula. Talvez também a proximidade da montanha sagrada de Arunachala, que reflectirá e reverberá as elevadas vibrações dos Himalaias, mais as irradiações de Ramana Maharishi e do seu ashram, sejam factores importantes na consciência mais luminosa realizável nesta zona...

                                                         
Segue-se o vídeo de 15 minutos em que leio os textos do começo do diário de Janeiro de 1997 (fotografia em cima, estando a mesma imagem de Arunachala em cada página, mas com um poema ou frase diferente de Ramana), cujo teor foi mais espiritual, filosófico e histórico do que pessoal, admitindo que possa transmitir certa luz a algumas pessoas:

             

2 comentários:

rui disse...

namaskar, Fantástico viajar contigo Pedro.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças muitas, Rui. Agora que estou a finalizar a peregrinação pelos textos do blogue,encontro-te na curva da estrada. A ver se partilho mais algumas páginas orientais valiosas. Abraço luminoso.Aum...