Embora a tradição Rosa Cruz tenha nascido nos
princípios do século XVII, na Alemanha, com as publicações de Johann
Valentin Andreae e o círculo de espirituais de Tübingen, atrás de si tanto
houve grupos secretos e iniciáticos como os seus símbolos já tinham
atraído religiosos, pensadores e artistas, e fermentações reformistas do mundo e das consciências e ciências cruzavam o vasto campo unificado da energia consciência europeia...
A partir desse início do séc. XVI a impulsão rosicruciana, com alguns mistérios (existira ou não o mítico fundador no séc. XV Christian Rosenkreutz, havia ou não essa Fraternidade Oculta), não mais deixará de habitar a espiritualidade e sucessivos seres serão atraídos a tal veio ocidental dedicando-se a certas práticas e estudos, formando grupos, e ora especulando e ensinando com seriedade ora mistificando iniciações, filiações e saberes, ou ainda pretendendo estarem em relação directa com os superiores incógnitos ou os misteriosos Irmãos Rosa Cruz que ocultos do mundo o influenciariam.
Entre nós Fernando Pessoa foi um leitor de obras de escritores participantes nas sagas ocultistas e rosicrucianas (tais Hargrave Jennings, George R. S. Meads, Franz Wittemans e Arthur Edward Waite), e embora reconhecendo que pouco se poderia dizer sobre as origens e a existência desses mestres ou irmão ocultos, escreveu vários
textos e belos poemas acerca de tal tradição e simbologia, que aliás já
em jovem muito o impressionara, como confessou em carta de 1915 ao seu dilecto amigo Mário de Sá Carneiro, tradição que ele veio a preferir, e em especial nas suas
ligações à gnose, aos templários, à alquimia e à maçonaria, em relação ao que os fundadores da
Sociedade Teosófica e seus directos discípulos ofereciam de ensinamentos, e que ele teve de traduzir por encomenda de João Antunes, para a Livraria Clássica A. M. Teixeira.
Em 1989 publiquei no livro Rosea Cruz
o que no espólio de Fernando Pessoa, sito na Biblioteca Nacional,
encontrara com ligação à tradição rosicruciana. Na parte final da obra
juntei em seis páginas, sob o título Inspirações da Rosea Cruz trinta citações, sete das quais de sete autores que podemos chamar
os primeiros rosicrucianos, anteriores e posteriores aos Manifestos Rosacruzes,
tais como Paracelso, Jacob Böehme, Johanes Frizius, Robert Fludd,
Thomas Vaughan e Heinrich Khunrat e vinte e três minhas, sem indicação
de autor, provenientes das meditações realizadas na época da gestação do
livro. Logo na altura uma investigadora pessoana criticou-me numa revista importante por não ter
assinalado nessas frases as cotas dos documentos de Fernando Pessoa, e já neste Outono de 2020 também um rosicruciano as leu e citou, pensando que eram de Fernando
Pessoa. Como são belas resolvi reler as primeiras, gravando e
comentando brevemente, o que pode ouvir no vídeo no final deste texto. Vou todavia
transcrevê-las, com pequenos aperfeiçoamentos em relação ao
original, ficando as restantes para a próxima incursão rosicruciana...
A Rosa do Coração para estar bem viva deve ser protegida de influências negativas, ou então irradiar muito fortemente pelos braços teus ou da Cruz.
Cultivar o desabrochar botões no tronco da nossa coluna vertebral, é a arte alquímica. De modo a transformar-se a árvore do bem e do mal numa árvore-cruz onde brilha a rosa do Espírito.
A Rosa Cruz, o duplo Dorje Tibetano ou a Cruz Templária, são em diferentes tradições símbolos do
ser humano no caminho iniciático, seja quando no centro do seu ser o
fogo do espírito se epifaniza como a bela rosa imortal, seja nas cruzes com terminações ígneas que fendem magicamente as trevas que nos possam rodear.
A cruz é um símbolo da existência dum eixo no mundo e dum caminho que leva para além dos conflitos, agonias e horizontes limitados, de consciência desperta rumo tanto ao centro dos seres como aos mundos espirituais...
A cruz marca o encontro num centro de todas as direcções do espaço, de múltiplos raios do Cosmos, de muitos seres e energias do Universo. Quem conseguir retirar-se da dispersão e concentrar-se nesse ponto silenciosa verá, na caverna obscura da alma, começar a despontar, qual Rosa, a Luz.
Para que nos lembremos que por detrás de Jesus Cristo está um estado de ser onde o Coração e o Amor universal podem ser vivenciados, se ergueu a bandeira reformadora Rosa Cruz. Mas só nos corações humanos é que ele pode voltar...
As
rosas, as flores de lótus das almas, crescem frescas porque os vasos,
as auras e desejos, estão abertos ao alto, ao Divino...
Na Cruz da Vida a Rosa do Amor... Isto é, nas dificuldades do nosso dia a dia saibamos erguer a aspiração amorosa à fraternidade, à Unidade e à Divindade...
Na cor rosa ou vermelha da rosa está o sangue de Jesus Cristo e dos mártires do Bem e da Verdade, tal como a energia ígnea do Espírito clarificador ou santificador, inspirando-nos e purificando-nos de erros, fortalecendo-nos nos embates da vida. E se damos de nós próprios, ela cresce e torna-se uma grande floração, nosso corpo-aura de braços abertos como as cinco pétalas no traje das núpcias alquímicas.
No meio do
traçar do sinal da cruz realiza a rosa da consciência ígnea. Isto é,
seja enquanto traças, seja no meio ou centro do teu ser, aí onde o
mestre Jesus disse que "onde dois ou três se reunissem no seu nome ele
estaria"; ou seja, na vibração de luz e amor, tal, Luz e Amor ou Rosa
desabrochada estaria, no meio de nós, como aqui entre nós...»
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