sexta-feira, 28 de abril de 2023

Livros antigos e marginália espiritual, em gravuras, florões e empresas tipográficas...

Sê, sob as bênçãos da Tradição
 Descobre e trilha o caminho do meio, unindo as polaridades nesse caminho ascendente

Descobre a música das esferas e tenta ressoá-la nos teus cantos e orações..

Que haja em ti alguma imutabilidade, alguma gnose do permanente espírito...

  Foca bem a tua visão espiritual e aspira ao sagrado e à verdade...

                                                            


Divina é a fonte de Amor, mas poucos bebem e dão a beber dela...

Que o nosso coração, floresça, desabroche, ilumine, flameje...

                                         

 
Não enfraqueças nem te desvies demasiado do teu caminho e suas etapas

Na tradição espiritual portuguesa, o veio da demanda ardente...

Insiste na invocação, sintonização, comunhão com o Anjo na aspiração à Divindade...
Ergue a tua energia de desejo aspiração ao Alto, em ti, e irradia...
                                                       

quarta-feira, 26 de abril de 2023

Um poema espiritual nestes tempos que correm e por eles. Com pintura de Nicholas Roerich e de Bô Yin Râ.

Nestes tempos de transição mundial

Quando a guerra queima tanta alma,

Que poderemos nós desejar

senão que o discernimento da verdade

raie no horizonte e dissipe as ilusões,

arrede os criminosos do poder

e fortifique a justiça e a fraternidade?

 

É certo que corpos e almas entregam-se

ao Amor e à Unidade, melhor ou pior,

ou conferenciam, oram e meditam pela paz,

mas serão suficientes tais emanações

para mudar o curso dos acontecimentos

e converter os mais egoístas e opressivos?

 

Talvez tenhamos que refluir mais sobre nós

e, na comunhão interior procurada,

alcançar aquela paz e ligação espiritual

que acalma as tempestades e ódios

e permite a Luz divina nos banhar

e sobre os seres e o mundo se derramar.

 

A Primavera entrou e o Verão já espreita,

e o que semeamos  colheremos

Saibamos amar o que deve ser amado

e sobretudo quem mais deve ser amado,

não por dever ou obrigação

mas por livre aspiração de comunhão,

por intuição das afinidades electivas

que nos impulsionam para a iluminação.


Talvez assim se vão entrelaçando

almas, famílias, grupos e povos

em actividades criadoras e libertadoras

que realizarão e viverão mais 

a Unidade divina e espiritual,

para além das tensões e conflitos,

no ritmo do coração dado à compreensão.

                                                          Lisboa, 26.4.23, às vinte e uma e pouco.

terça-feira, 25 de abril de 2023

Ramanuja jayanti de 2023, a 25 de Abril. Ensinamentos breves deste mestre no seu 1006º aniversário.

                               Ramanuja, Aum Sri Gurabe Namah

 Sri Ramanuja (1017-1137) foi um dos mestres da espiritualidade indiana mais importantes nascido nos tempos medievais pois abordou, a partir dos textos tradicionais, mas com originalidade e profundidade os mistérios da ligação ao espírito e à Divindade. E estando a trabalhar nele para o divulgar hoje, dei-me conta, ao procurar a sua data de nascimento, que era exactamente hoje 25 de Abril  o seu dia de anos, jayanti, conforme o calendário lunar de 2023.
Vivendo no Sul da Índia, r
eligioso em Kanchipuran, na linha Vaishnava,   isto é, seguindo um linha devocional (bhakti) e com adoração especial a Vishnu Narayana, era também um filósofo Vedanta, mas não tanto só Advaita, pois foi o fundador duma das quatro escolas, a que vê diferenças entre Atman e Brahman, espírito individual e a Divindade.

Comentou, em Bhashya, as obras principais da espiritualidade indiana, nomeadamente os Vedas, os Brahma Sutras, as Upanishads, a Bhagavad Gita, tal como compete a qualquer novo acharya ou professor mestre dum novo ensinamento.

Perante a linha dominante do Advaita Vedanta, ainda hoje muito seguida, só há um Espírito, uma Divindade, uma Consciência, sendo os diversos seres apenas manifestações transitórias ou temporais dessa Consciência, Brahman,  que perpassa por elas, de tal modo que a iluminação ou libertação está em reconhecermos que não existimos, que a ideia de eu (ahamtva) é uma fantasia de ignorantes, um egoísmo primário, uma ilusão, tal como a ideia de que há espíritos individuais imortais, e que devemos é reconhecer esse Um Espírito Consciência omnipresente, omnipenetrante.

Sri Ramanuja vai então afirmar que embora a Divindade seja essa entidade única de consciência ela é também um ser individual e que acolhe em si os seres individuais, que são eus conscientes ou conhecedores de si mesmo, do mundo e da Divindade suprema, Parabrahman.

No Vedartha-Sangraha, no qual expõe sua cosmovisão baseando-se ou interpretando as Upanishads, escreve no s. 99:  «Os eus individuais (atman) são essencialmente de natureza de puro conhecimento, sem restrições e limitações. Eles cobrem-se de ignorância ou nesciência sob a forma de karma. A consequência é que a abrangência do seu conhecimento é cortada de acordo com o karma. E assim revestem-se de formas  desde as divinas até às das espécies mais baixas. O conhecimento é então limitado pelas especificidades corporais, e de acordo com elas ficam sujeitos a prazeres e dores, que na sua essência constituem o samsara, o rio da existência transmigratória. Para tais individualizações, tão perdidas no samsara, não há outro meio de emancipação, do que se entregarem à suprema Divindade (...) A natureza essencial do eu individual é tal que ele é [ou deveria ser] completamente servidor e instrumento de Deus e portanto Deus é o seu eu interior (...).  Esta entrega é trabalhada ou fortificada pela devoção amorosa à Divindade...

Chamar-se-à visistadvaita ao seu sistema ou cosmovisão, pois há a unidade não dual divina, advaita, mas que inclui as diferenças em si, visista.  Face às três visões de relacionamento do mundo, eu e Deus vistas pelos rishis védicos e expostas nas Upanishads, a 1ª como havendo diferença de natureza entre eles, 2ª Brahman é o eu interior de todas as entidades, da terra ao ser humano, e que constituem o seu corpo, 3ª unidade de Brahman com o mundo tanto no aspecto causal como factual, Ramanuja afirmará,  no Vedartha Sangraha s 117: «Nós sustentamos a Unidade porque só Deus existe sendo todas as outras entidades seus modos. Nós sustentamos ou afirmamos ambos, a Unidade e a Pluralidade, já que o Brahman um tem todas as entidades físicas e espirituais como seus modos e portanto existe qualificado pela pluralidade. E defendemos ou afirmamos a pluralidade já que as três entidades - os eu individuais, o mundo e a Divindade suprema - são mutuamente distintas na sua natureza substantiva e atributos e não há transposição mútua das suas características.»

Este comentário às Upanishads, o Vedartha Sangraha tem muitas passagens valiosas. Uma delas, por exemplo, é aquela em que explica que o éter ou akasa interno, referido na Chandogya VIII, i, 3 como o éter contido no lótus do coração, é infinito como o do exterior e é a própria Divindade. Algumas vezes Ramanuja recorre a outros textos, tal no Mahabharata, Moksa CLXXIX,4: em que Brahma diz a Rudra: «O teu eu interior, o meu eu interior, e o eu interior de todos os seres em corpos é o senhor supremo Narayana».
Também no seu comentário
à Bhagavad Gita encontramos detalhadas compreensões destes mistérios primordiais. Oiçamo-lo quanto à Divindade, Brahman:
A suprema Pessoa ou I
ndividualidade (parama Purusa) cujo jogo (lila) é a criação, preservação e dissolução de todo o Universo, e cuja natureza essencial está livre de qualquer traço de imperfeição e que é auspiciosa, e que é o imenso Oceano de todas as qualidades auspiciosas começando com o ilimitado e pre-eminente conhecimento (jnana balaisvarya), força (virya sakti), glória, energia, poder e brilho, que são naturais em si, é chamada a suprema Divindade (Parabrahma)» Gītābhāṣya 18, 73.

Ou ainda:« O atman é emitido ou manifestado por Brahman, é regido por Ele, constitui o Seu corpo, serve-O, habita Nele, é mantido por Ele, e [por fim] Ele retira-se dele.» Śrībhāṣya, 2.3. 42

Quanto ao caminho da realização, como era um Vaishnava, um devocional e não tanto um yogi da linha do Raja Yoga de Patanjali, ele vai desvalorizar as capacidades de percepção extra-sensorial do yogi, da meditação e do samadhi, para valorizar a meditação (dhyana ou upasana) apenas como um relembrar (smriti) firme de um texto ou frase sagrada, que gera pela imaginação um tipo de visão semelhante ao da percepção directa, mas que só ganha a capacidade de conhecer atman ou Brahamn quando alcançar o estado de amor ou devoção, bhakti prema.

Mas este estado de amor e do mais elevado conhecimento vem ou acontece por graça e por isso cita no Vedartha-Sangraha, a famosa frase da Katha Upanishad, 2. 23: «Este Atman  não pode ser ganho pelo estudo dos Vedas, nem pelo pensamento, nem por muito ouvir; só aquele que Este Um escolhe, por ele, Ele é obtido; a ele este Atman revela a sua própria forma.»

Realçará  muita a meditação devocional amorosa pelo Atman, já que pela sua indiferença ao mundo e o forte amor concentrado para com a  Divindade que gera, a pessoa consegue ser escolhida ou recipiente da Graça Divina.
A meditação ou a visão yoguica não leva, para Ramanuja, à auto-r
ealização, ou à realização de Brahman, mas apenas serve para gerar a devoção ou amor à Divindade.
E assim o camin
ho religioso ou espiritual para Sri Ramanuja  consiste em estudar os textos sagrados para obter um conhecimento correcto, em desenvolver as virtudes da equanimidade e generosidade, em realizar as acções desinteressadamente e como adoração a Deus, o que gera desprendimento e calma e, finalmente, a meditação ou visão do atman interno individual (atman darshana) que gera gratidão e devoção à Divindade, a qual deve ser aprofundada ainda pela consideração ou meditação dos Seus atributos, levando a que  Ela se manifeste ou desvende mais, nomeadamente como a regente interna  (antaryamin), a voz da Consciência de Antero de Quental, o reino dos Céus que está dentro de nós.

Saudemos e invoquemos as bênçãos de Sri Ramanuja e que a nossa devoção ou amor à Divindade aumente.

Bibliografia utilizada, da tradição tão  valiosa deste mestre  e que foi abordada brevemente mas que esperamos aprofundar ainda:          Sri  RAMANUJACARYA. Vedartha-Sangraha. English translation by S. S Raghavachar, with foreword by Swami Adidevananda. Mysore, Sri Ramakrshna Ashrama, 1978.
LESTER,
Dr. Robert C. Ramanuja on Yoga. Madras, Adyar Library and Research Center, 1976.

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Dia do Livro: Tucker Carlson clama face à opressiva censura da Amazon sobre os livros de Dugin.

Tucker Carlson (n.16.05.69) é uma das pouquíssimas vozes que clamam no desertificante meio  mediático e jornalístico norte-americano, com um programa televisivo visto diariamente por milhões de almas menos manipuladas e alienadas e que ainda aspiram à verdade e justiça, sob a opressão tremenda de tantas instituições e organizações que não recuam perante nada para atingir os seus fins de domínio das psiques e da Humanidade.

A mártir Darya Dugina. Muita luz, amor e paz nela!
Há pouco tempo Tucker Carlson lançou um grito de alarme, pois as obras de um dos grandes filósofos políticos actuais, o russo Aleksander Dugin (n. 7.1.1962), pai da mártir Darya Dugina (15.12.1992 a 20-08-22, e cujas obras também devem estar banidas), não se encontram nem se podem comprar no que ele chama a maior livraria do mundo, o Amazon, mas que de facto é apenas o maior armazém e organização de venda e distribuição de mercadoria livreira mas não de verdadeiros livros, pois de livraria, templo de sabedoria e de cura nada tem, nem os livros que por lá passam são acrescentados de  qualquer energia anímica, como os aconselhados ou manuseados por quem os conhece e ama.

Creio que é sabido como a sua política agressiva e de hegemonia tenta secar e acabar com a eventual concorrência que outras distribuidoras, editoras ou livrarias lhe façam. Basta vermos quando se abre o Google em busca de qualquer livro:  as primeiras sugestões pertencem à Amazon, que quer tenha o livro à venda, quer não o tenha, e sobretudo neste caso, ocupa a sua atenção e o seu tempo apresentando os títulos procurados mas estando indisponíveis. 

Nunca comprei um livro no Amazon, e sempre os procurarei em alfarrabistas, livrarias locais ou alternativas, ou em motores de busca que me levem directamente aos livreiros que os possuem.

Aleksandr Dugin é um valioso filósofo da civilização eurasiática, um lídimo discípulo ou fiel da tradição de Dostoievsky, Berdiaev, Soloviev, Florensky, tradicionalista, religioso, amante da terra e da mátria-pátria e opositor da opressão do globalismo oligárquico euro-atlântico e de todas as aberrações do transhumanismo de Klaus Schwab e Yuval Harari, George Soros e Ursula ou Macron, daí que não admire que seja tão atacado pelas correias de tração do pensamento manipulado ocidental, de que os media ocidentais ou o Amazon são os animais da carga mais forte alienante.

Tucker Carlson é um dos poucas vozes corajosas que critica a administração fora da lei e mentirosa de Joseph Biden e  dos Democratas e oligarcas que os sustentam, expondo dezenas e dezenas de casos de corrupção e mentira, nomeadamente à volta das vacinas. Como é que ainda está vivo no país do assassinatos até é de admirar. Oiçamo-lo ao vivo, com o seu estilo e voz tão peculiar, e recomendo que espreite volta e meia, no Youtube, o canal Fox News pois não ouvirá nele as banalidades avençadas que as nossos canais televisivos oferecem ao estilo de Milhazes e Rogeiros, tão bem zurzidos em vídeo por Herman José.

Que as censuras absurdas do Amazon, do Facebook e de outras redes ou as políticas de alguns regimes mais extremistas, ou vendidos-escravizados, de cancelar-se a cultura russa terminem e a livre circulação de livros e a proveitosa discussão de ideias possa acontecer para que a verdade e a justiça se afirmem numa Humanidade una e fraterna.....

No dia 24.4.23, um dia posterior ao Dia do Livro e um dia antes do 25 de Abril libertador mas já tão abafado e atraiçoado ou explorado. Que as flores possam florescer de novo ou bastante mais....

Ps. Anote-se que poucos minutos depois de ter escrito este artigo vou à web e leio que Tucker Carlson foi banido do seu programa diário nocturno, Talk Show, que fizera de 2016 a 2023... Parece que adivinhei... Disse muito da verdade a milhões de americanos, nomeadamente acerca da corrupção e criminalidade das vacinas, do conflito na Ucrânia, nomeadamente dos laboratórios biológicos, e do valor de Robert Kennedy face ao semi-demente Joe Biden...

             

domingo, 23 de abril de 2023

Ensinamentos espirituais de Rishi Atri e do seu Atma Bodha Satsanga. 1ª lição do seu curso.


Já foi há uns bons anos, quando tinha 20 anos,   que conheci o instrutor ou mestre francês Rishi Atri e que estive com ele e sua mulher Anusuya em duas maravilhosas estadias de alguns dias no seu centro Atma Bodha Satsanga, na quintinha intitulado La Fleur d'Or, em Neuvy-en-Champagne, França. Ensinava ele o caminho ou realização espiritual através de duas linhas de tradição: a indiana, e mais particularmente a do Kriya Yoga, na linha indo-crística de Swami Yukteswar, Bhupendra Nath Sanyal e Paramahamsa Yogananda, na qual iniciava as pessoas, e a do mestre e pintor alemão Bô Yin Râ, pois era discípulo de um discípulo dele. Bô Yin Râ de quem traduzi recentemente em tiragem privada o livro A Oração, e antes O Livro do Deus Vivo.  Ora Rishi Atri e Anusuya, além de receberem as pessoas individualmente ou em retiros no seu sereno ashram, publicavam trimestralmente ainda Atma Bodha, la Revue du Kriya Yoga,  com bons textos e reflexões e ensinavam por correspondência dois cursos.

Não me lembro ao certo como cheguei a saber da sua existência mas creio que foi ao comprar a obra sua Aperçus sur le Kriya Yoga (voie d'évolution rapide), na Procure, uma das livrarias francesas com mais livros de espiritualidade no cais de S. Michael em Paris, escrevendo-lhe então e ficando a saber da existência de dois cursos por correspondência em 12 lições mensais cada a que aderi, lendo, aprendendo, dialogando, praticando. 

E tendo conservado até hoje tais preciosas "relíquias" (já que eram policopiadas) quase desconhecidas, resolvi resumir, contextualizar e partilhar para o homenagear e para frutificar um pouco o seu ensino e alma nas dez ou vinte pessoas que lerão esta publicação, ou as eventuais seguintes, no blogue.

Entrando directamente na 1ª lição do curso,  de introdução à espiritualidade indiana e à iniciação no Kriya Yoga,  Rishi Atri, depois de citar na epígrafe inicial  Swami Vivekananda numa das suas valiosas passagens, e logo duas páginas depois o seu mestre Sri Ramakrishna Paramahamsa, esclarece que os ensinamentos transmitidos não são dogmáticos mas apenas princípios e indicações a serem confirmados pela experiência de cada um e que visam conduzir-nos à experiência da Realidade última, ou reino de Deus, que está em nós.

É por uma vida justa, amorosa, criativa, e pela persistência ou longa paciência no caminho do auto-conhecimento e da concentração  que se vai criando o estado de calma que permite tornar-nos conscientes do que não muda e entrarmos em contacto com o permanente, com o que está para além da dualidade, o Divino.

Realça a importância de uma prática ou treino de acalmia mental nas três vias de yoga principais,  pois se não há a paz, devido à agitação das vagas de pensamento e preocupações, não se consegue criar um contacto direto permanente com o mestre ou a divindade cultuada devocionalmente (Bhakti Yoga), ou com a unidade do Todo (Jnana Yoga), ou com o plano supramental que permite o vencer-se o pequeno eu através da acção desinteressada (Karma Yoga).

A explicação que é dada das três etapas finais do Raja Yoga, do Patanjali, é:

Dharana: é uma forma de concentração intermitente na qual os pensamentos parasitas fazem ainda erupção ou entrada. 

Dhyana: é uma concentração contínua sem que irrompam pensamentos parasitas.

Samadhi: é a concentração a mais perfeita, onde a noção de actor e de acção desaparece na Unidade. 

Referindo os suportes internos de meditação mais conhecidos, os cinco elementos e o som e a luz, dirá algo importante e que tendemos a esquecer: ver-se a luz ou ouvir-se o som não é o objectivo da concentração, mas sim atingir-se a calma interior, e logo a ligação ao Espírito em si. 

  Aum:   A, U, M...e a nasalação interior em abelhinha...
 Após explicar os tradicionais conselhos quanto ao horário, local e posição mais propícios à concentração, partilha alguns ensinamentos sobre o mais famoso suporte da concentração, o japa ou repetição do mantra AUM, anotando que «mantra é uma palavra ou conjunto de palavras que tem uma significação esotérica e produz efeitos sobre os planos espirituais, e que a letra A simboliza o aspecto criador da Consciência Cósmica, o U o Preservador e o M o destruidor.  AUM que significa igualmente Ishwara, o ser espiritual (seja transcendentes seja imanente) que está sempre para além dos conflitos da ignorância, do sofrimento, etc.... Pela concentração que brota da repetição ou japa, o fiel [do Amor] impregna-se deste estado superior do seu ser, que é o de Ishwara

Dirá ainda judiciosamente que «o Aum deve ser repetido um certo número de vezes, segundo o tempo disponível» sugerindo algo que muita gente se esquece que «um mínimo de um quarto de hora é contudo necessário para se obter um certo grau de calma, e este tempo pode ser sem perigo prolongado à vontade.» E ainda que «este japa ou repetição deve ser executado com convicção, respirando-se calmamente, se queremos tirar efeitos benéficos», recomendando ainda que se recite antes de se começar tal prática alguma oração ou  em especial o cântico tradicional a Brahman, à Divindade.

Concluirá a 1ª lição com directivas gerais conhecidas, tais como sentirmos que os ambientes nos influenciam, e que até reagem contra nós por pessoas que estão contrárias aos nossos desígnios, e que não devemos insistir ou forçar novos aderentes ou crentes, realçando ainda que a fé não é uma crença mole, mas a potência criadora do espírito, que nos ajuda a evoluir, a renascer, a realizar o Ser espiritual e divino.

E dará ainda a explicação dos símbolos da Atma Bodha Satsanga ou associação por ele fundada e que estão na capa, em que vemos ao alto o Aum num círculo (o Purusha, a Consciência cósmica para além da dualidade ou criação) dentro dum triângulo (das três gunas ou características da matéria, satva, rajas e tamas) dentro de uma cruz (a multiplicidade e em que pelo eixo ou trave central nos elevamos ao Eu espiritual).

E em baixo a bela imagem (e da qual D. João de Castro falou), esculpida numa gruta de Elefanta, junto a Bombaim, da Trimurti ou trindade indiana Brahma, Vishnu e Shiva e que simboliza os três aspectos manifestados de Iswara, a consciência cósmica envolvida por Maya, ou seja a ilusão cósmica [material e subtil]. Brahma, à esquerda o criador, Vishnu ao centro o preservador e à direita Shiva, o destruidor [ou transmutador].

Saibamos orar, meditar e realizar a oração da imagem inicial, extraída do Yajur Veda, I,111, 28:  

Oṁ asato mā sadgamaya
tamasomā jyotir gamaya
mrityormā amritam gamaya
Oṁ śhānti śhānti śhāntiḥ

Oṁ  Do irreal conduz-nos ao Real,
Da obscuridade à Luz
Da morte à imortalidade.
Oṁ paz, paz, paz.

sábado, 22 de abril de 2023

Um poema espiritual. A viagem criativa em Sat Chit Ananda, Ser, Consciência, Felicidade

 

Poema espiritual escrito com vinte e poucos anos e recuperado hoje de um diário: 

Da Viagem.

O momento está dado.

A saúde está em crescimento.

O Ser todo ele ergue-se numa força interior.

A criatividade do Absoluto.

Livre de todos e de tudo.

Sozinho, o ser segue o seu rumo, feliz em si, Sat Cit Ananda.

Um plano para se cumprir,

Criatividade total.

A estrada é como se nevasse e avançamos

nos caminhos das pistas geladas dos Himalaias

aquecidos pelo fogo da gratidão, do amor, do Espírito.

 

Sat Cit (ou Chit) Ananda , em sânscrito e na tradição espiritual indiana significando Ser (ou Verdade), Consciência, Felicidade (ou paz beatífica), as três características do nosso ser mais profundo ou essencial, o Espírito, em nós ou na Realidade última, é um mantra, afirmação ou oração que se utiliza como base inicial da concentração-meditação e da auto-realização, repetindo-se primeiro audivelmente e depois interiormente, podendo gerar bons efeitos psico-somáticos e espirituais. 

Por vezes pronuncia-se Aum Sat Chit Ananda, afirmando-se a sua origem divino-espiritual e a sua capacidade de ajudar a ligação entre, ou harmonizar, os três níveis do ser ou planos do universo: físico, psíquico e espiritual, abrindo-nos mais a Unidade e à Divindade.

Boas inspirações e vivências. 

sexta-feira, 21 de abril de 2023

História da Religião na Arte: Cristianismo, a Anunciação, numa gravura quinhentista de João Wierix.

                                     

A história, sempre misteriosa e controversa, da vida de Jesus, ao ser narrada pela arte, gerou muitas obras primas, capazes de tocarem e instruírem os que as contemplavam, e assim entrarem em contacto com Jesus ou com os ensinamentos e forças que ele teria partilhado.

Se grande parte da sua vida está descrita com alguma historicidade nos evangelho, uma parte significativa mais misteriosa e discutível foi representada com bastante naturalidade e espiritualidade, e inclui ela as miraculosas anunciação, nascimento, transfiguração, ressurreição e ascensão, para não falarmos dos milagres.

Vamos então contemplar da vida de Jesus a gravura da ascensão da série de 154 imagens gravadas no séc. XVI pelos irmãos Wierix, e com pequenas legendas do padre Jerónimo Nadal, publicada pela 1ª vez em 1593 em livro intitulado Evangelicae historiae imagines pois para  além do simbolismo religioso e da sua beleza (já que eram bons artistas, tendo trabalhado até com o famoso impressor Cristóvão Plantin e tornando-se depois suas obras modelos de muitas pinturas), é boa ou propícia à compreensão e contemplação do corpo espiritual ou de glória, no caso de Jesus mas que todos nós temos em potencial, podendo até  admitir-se que um objectivo fulcral da vida humana é desenvolverem-se estados de consciência unitivos que façam crescer tal corpo subtil de luz, com o qual, deixado o corpo físico à hora da morte, avançaremos nos mundos subtis e espirituais rumo à Fonte.

                                    

Se isto faz sentido em nós, então no dia a dia estaremos mais atentos aos nossos estados de consciência e actos, ao que eles causam no nosso corpo de luz, e logo corrigi-lo, melhorá-lo, sintonizá-lo. 

O corpo espiritual ou de glória é sobretudo representado na aura ou oval luminosa e irradiante que emana do corpo de Jesus em quatro esferas sucessivas, ena cabeça em seis, podendo observar-se luz, raios de luz e anjos. Seria interessante sabermos se os três irmãos religiosos João, António e sobretudo Jerónimo Wierix, que desenharam o conjunto das 154 gravuras (e Jerónimo, 65 delas), porque escolheram diferentes formas de representar Jesus no seu corpo de glória, esta estando assinada pelo João, por exemplo, diferente da forma na Transfiguração, da autoria de Jerónimo. Contudo parece ser comum um entendimento que na consciência espiritual de Jesus, expandida em corpo espiritual, feito de partículas ondas e raios de luz, cabem ou coexistem espíritos angélicos, vistos como anjinhos, na visão espiritual...
Ou ainda se gostariam de lhes dar certas cores, tal como alguns exemplares das gravuras vieram posteriormente a apresentar e assim emergindo  no mercado da arte devocional ou bibliófila? Dourada, flamejante? E as nossas cores, estão elas claras e ardentes, nem que seja de vez em quando?
O segundo aspecto importante é vermos e logo contemplarmos, se os observarmos mais demoradamente, vários anjos (e os dois da frente, quais os dois querubins à porta do Paraíso), vários seres e coros celestiais, além dos espíritos humanos (o corpo místico da Igreja) que já libertos do seu corpo gozam da possibilidade de contemplarem o mestre Jesus,  os espíritos celestiais, a Divindade e de servirem até de intermediários e ajudantes desta.....

E isto é certamente uma boa ajuda para as nossas mentes ou almas, tão esquecidas do nosso ser espiritual e destas congregações que nos podem inspirar e auxiliar, ou nas quais podemos participar pela oração, a irradiação, o testemunho, as virtudes...

Boas contemplações então para si, a partir de uma cena mitológica assombrosa e que ainda  hoje é acreditada por milhões de cristãos, já que Jesus morreu corporalmente, naturalmente na Gólgota e logo ressuscitou e ascendeu em corpo espiritual. Simples. Os passos evangélicos citados, e que estão dentro do ciclo ressurreição, aparecimento aos discípulos e ascensão final com despedida deles, são já uma adaptação da vida de Jesus homem à de um Deus, a fim de impressionar ou assombrar melhor as massas. E  com que sucesso, nomeadamente artístico...

Saibamos nós também não esperar por uma ressurreição no final dos tempos, em corpo de carne ou outro, mas agindo e contemplando bem, possamos estar despertos e activos no corpo subtil espiritual para quando na morte formos projectados para fora do corpo físico, podermos avançar luminosamente, de preferência com os anjos e corpo místico da Igreja, ou seja, os familiares, amigo e santos-santas que por qualquer motivo de afinidade nos possam guiar no começo da vida no além, da qual esta gravurinha é uma bela imagem introdutória.

                                              
                                                                          Ad astra per aspera....

terça-feira, 18 de abril de 2023

Sant'Anna Dionísio: "A Sinceridade Política de Antero", de 1949. No dia dos 181 anos de Antero, mestre para os nossos tempos.

Na sua valiosa e pouco relembrada obra A Sinceridade Política de Antero, num in-8º de 80 páginas, dado à luz no Porto em 1949, Sant'Anna Dionísio, o notável discípulo de Leonardo Coimbra e professor liceal durante muitos anos, e que publicou três livros sobre o poeta-filósofo, e com quem convivi bastante, vem defender a sinceridade ético-política de Antero de Quental que fora posta em causa por Piteira Santos e Manuel Mendes, numa polémica forte, pois  «descobriram recentemente que Antero de Quental, afinal, não foi o grande espírito que estamos habituados a admirar, sincero, transparente, inteiriço, mas uma espécie de bom reitor (para não dizer uma espécie de actor de grande estilo in rebus ideologicis [em assuntos ideológicos) que na intimidade sorria com bastante sem-cerimónia das grandes cenas que por vezes representava com impressionante ênfase. Segundo essas solícitas almas, Antero era isto; perante o público, traçava a toga das grandes dobras e recortava, com gestos solenes as mais belas frases; inter amicos, fazia chacota da sua própria solenidade e advertia os íntimos de que não tomassem a sério as suas atitudes forenses.
Como exemplo flagrante invoca-se a carta dirigida pelo Pensador-poeta a Faria e Maia depois da sua epístola aos eleitores do partido socialista no círculo de Alcântara.
Como se um homem, mesmo quando da grandeza de Antero, não possa ter também as suas horas de fadiga, de desesperança e até de ironia!
 No presente opúsculo tentaremos demonstrar que, na verdade, em Antero, a mais que legítima fadiga e amargura que tantas vezes ficou a boiar no seu íntimo no final de alguns acontecimentos por ele mesmo catalizados (como foi a chamada questão de Coimbra ou a labareda fugaz da Liga Patriótica do Norte) explicam-se perfeitamente pelo desencanto que a malícia e a mediocridade dos seus companheiros de acaso tantas vezes nele suscitaram».

Em cinco capítulos Sant'Anna Dionísio defende o que para os outros era uma causa perdida: no primeiro, Onde está a insinceridade, mostra a sinceridade de Antero, seja na Rolinada, contra a decisão do ministro Rolim de Moura de não conceder certas dispensas aos estudantes, e que fora a causa de uma greve  e  emigração épica  de 800 estudantes da Academia de Coimbra para o Porto, liderada por ele e Vieira de Castro,  seja na sua estadia curta e dura mas por duas vezes como tipógrafo em Paris, seja ainda na sua adesão sacrificial ao pedido dos estudantes do Porto para a liderar a Liga Patriótica no Norte, contra o imperialismo inglês do Ultimatum, a uns meses de morrer e que, ao não ser apoiada pelos partidos políticos, foi um factores da sua desincarnação precoce.
No segundo capítulo Como e porque se pretende pôr em dúvida a seriedade política de Antero, questiona se, mais do que o amor da verdade nesses dois críticos há,  é «uma intenção política de se eliminar uma força que, apesar de distante, é ainda uma força viva, e que incomoda pela orientação proudoneana e «idealista». E prova como houve uma luta contra o socialismo de Antero, Fontana e Azedo Gneco «pela corrente republicana e positivista dirigida por Teófilo Braga», o seu "infatigável detractor" e que fez tudo para que a figura de Antero não se impusesse na história, nomeadamente com ataques traiçoeiros e a publicação após a sua morte das suas poesias com critérios discutíveis e considerações negativas, no livro Raios de Extincta Luz, algo que seria impossível nos nossos dias com os direitos de autor na posse da família de Antero.
No terceiro capítulo A candidatura de Antero nas eleições de 1879 e 1880, mostra-nos  que Antero fora convidado a candidato a deputado por um partido de operários em 1871, o que recusou, e que trabalhou em 1873 em «constituir grupos autónomos com uma programa comum, independente de todos os partidos políticos». E que  em 1875, quando o Partido Socialista foi fundado, colaborou na elaboração do programa, mas só se filiando em 1877,   e veio  recusar em  1878 a candidatura proposta por um partido republicano, no qual concorreu porém seu amigo, mais ambicioso, Oliveira Martins embora só tenha sido presenteado  com 37 votos.
Ora é em 2 de Agosto de 1879 que Antero escreve do Porto a Faria e Maia a tal carta cujo teor e fim tanto escandalizou os dois socialistas da revista Seara Nova Piteira Santos e Manuel Mendes, e outros, a qual é antecedida por esta contextualização, em geral postergada ou olvidada pelos críticos de Antero: «Isto por aqui parece-me cada vez mais podre. Entre os progressistas alguns há de boas intenções: mas tenho observado na história que quase sempre são precisamente os homens de boas intenções que fazem as maiores asneiras. Tal é a natureza humana e a das humanas sociedades. Entretanto, não quero ser pessimista, e por isso exclamo, ainda que com tíbia convicção: Deus proteja os progressistas.  
Se, por acaso, vires nos jornais, que sou candidato Socialista por Lisboa, não tomes isso a sério. São coisas que podem acontecer a qualquer, independentemente da própria vontade e determinação, exactamente como apanhar chuva ou ouvir um discurso maçador». 
Ora esta última frase que para pessoas medianas na sua materialidade e sem experiência de estados mais expandidos e elevados de consciência e sobretudo de visão filosófica de sentir e encarar o mundo como Antero tinha, e que podemos religar até com a sua afirmação de não sentir saudades de nada, apenas mostra o seu desprendimento, o seu fluir natural nos eventos e intervenções, sem estar petrificado, encaixado ou formatado em posições, doutrinas, disciplinas, oportunismo e carreirismos políticos, que sabemos terem corroído demasiado a via socialista em Portugal sobretudo com o passar dos anos do post 25 de Abril  
Ora precisamente cinquenta dias depois, a 28 de Setembro, Antero escreve uma carta pública à Comissão Eleitoral do Partido Socialista «Aceitando a candidatura, que novamente me oferece a Comissão do Partido Socialista no círculo 98, folgo poder dar uma vez mais aos socialistas portugueses um testemunho da minha inalterável adesão à causa socialista», Não de deve ver pois contradição entre a carta pública na qual Antero diz em 1880 a sua adesão a uma via socializante,  com o que dissera na carta de desprendida naturalidade com que serviria a ideia ou causa socialista sendo candidato a deputado, tal como chove ou faz sol e na qual parece mesmo um digambara, ou asceta do Jainismo indiano, a falar, podendo realçar-se ainda a sua disponibilidade, a sua abertura generosa e desprendida ao que  lhe  pediram para engrossar e valorizar a lista de candidatos.
Que não houve por parte de Antero  menosprezo pela causa do socialismo vemos em várias das suas cartas, e citaremos apenas a de 29 de Junho de 1889, em que Francisco Chaves e Melo lhe pedira um autógrafo para um seu amigo socialista alemão  Josef Zervas: «... Gostosamente acedo ao desejo do seu amigo Zervas, desejo que é por certo extremamente lisonjeiro para mim. A qualificação de socialista que dá ao seu amigo ainda o torna mais estimável aos meus olhos, pois isso bastaria para estabelecer entre nós uma espécie de relação fraternal.»
  E concluiremos este breve contributo para os poucos anterianos que lerão este texto, e os mais que raros que sinalizarão qualquer apreciação ou discordância, com um extracto do excelente posfácio de Sant'Anna Dionísio, com quem convivi bastante na década de 80 e que ressuscito um pouco dado o valor do seu conhecimento e  a  sinceridade, ética exigente na demanda filosófica e de liberdade, além do estilo castiço e  sibilina doçura no diálogo interrogativo e maiêutico.
Oiçamos então alguns dos ensinamentos sempre actuais de Antero de Quental e de Sant'Anna Dionísio, face ao pragmatismo unilateral, ao carreirismo partidário e à falta de cultura e de humanismo de tantos políticos e consequentemente dos cidadãos, tão influenciados pela demagogia e a manipulação mediática, hoje em dia mil vezes maior que outrora:
De Sant'Anna Dionísio, no posfácio da obra:«Na verdade, Antero queria a Justiça - mas acima, se não pudesse ser ao lado da Justiça, punha ele a Liberdade - aquela liberdade ontológica e sincera que todos os democratas verídicos solicitam e desejam para ficar e não para suprimir sob qualquer pretexto falacioso ou circunstancial. A inspiração profundamente ética e proudhoneana do seu pensamento afastava-o radicalmente das soluções puramente economistas. Quer dizer; Antero, se hoje fosse vivo, abominaria o totalitarismo sob qualquer forma que ele se lhe apresentasse, no ar que respirasse ou ainda em indecisa nuvem na linha do horizonte. Tanto assim, que nos legou certas afirmações que não esquecem mais - embora o Sr. M [anuel] M[endes], na sua embófia de político empírico, sabidíssimo, citadinamente ria.» 
Por exemplo, estas por ele citadas em parte no seu Testamento filosófico de Antero de Quental, de 1949, tão valorizadoras da revolução interior, ética e consciencial e que Antero nos transmitiria, por exemplo, numa carta de 1874 a João Lobo de Moura: «A grande revolução só pode ser uma revolução moral e essa não faz de um dia para o outro...»
 O crescimento da flor no lótus da alma universalizada, espiritualizada...
Ou num artigo escrito para o Grémio Alentejano, na Primavera de 1862, quando ele tinha apenas  20 anos, estudante em Coimbra, já então irradiava plenamente a sua genialidade, e valorização da seriedade política e da liberdade muito: «A liberdade é a primeira condição para que alcancem as sociedades o fim para que as destina a Providência. É a condição essencial, porque o fim é a realização do bem, e só pode ser bem para um indivíduo o que ele tiver como tal, e livremente escolher e aceitar.
Quem, em nome do bem social, tenta defraudar um povo do sagrado direito (o direito da liberdade) é hipócrita que com as palavras de vida propina o veneno e a morte a quem dá crédito a suas palavras mentirosas. Essas palavras adoçicadas, são piores que a ameaça, porque sob a refalsada doçura escondem a traição» 
Ainda da sua fortíssima valorização da Verdade, da Liberdade e do Bem em termos até tão actuais face à ditadura ou tirania da oligarquia mundial e a sua nova ordem que controla a maior parte dos políticos euro-atlânticos, fala-nos neste passo escrito em 1868 para o seu opúsculo Portugal perante a Revolução de Espanha. Considerações sobre o futuro da Política Portuguesa no ponto de vista da democracia ibérica: «Que importa que o poder saia dos eio da nação, se é sempre poder? E a tirania, porque somos nós que a criamos, deixa de pesar menos por isso, de ferir, de rebaixar a nossa dignidade de homens livres? Não é na substituição da ditadura de Sila à de Mário, da de Napoleão à de Robespierre, da de Espartero à de Isabel II, que está o segredo das revoluções, mas na extinção total da ditadura, fosse ela de um santo, da tirania, fosse ela a de um deus. Ora a tirania e ditadura é a unidade política, a centralização dos poderes; tirania e ditadura da pior espécie, porque são sistemáticas, legais, organizadas, destruindo a ordem natural com o pretexto da ordem política, esmagando toda a iniciativa, toda a individualidade, toda a nobreza, e reduzindo uma nação ao estado de rebanho paciente e uniforme a que, por única consolação, se deixasse o direito de eleger o pastor , e o cão  que o faz entrar na forma. Será isto um ideal humano?»
Que quadro melhor que este para descrever a  situação em Portugal  e sobretudo em alguns países da União Europeia, tla repressão policial violentíssima de Macron em França, ou a que se faz na Alemanha, Holanda e  Bruxelas?
Que melhor frase que a seguinte de Antero de Quental para caracterizar muitas das instituições políticas ou censuras mediáticas e das redes sociais:  "ferir, e rebaixar a nossa dignidade de homens livres?"
 
Meditemos e resistamos, impulsionados até com estas palavras cheias de verdade e que ainda não estavam transcritas para a Web. Um presente de Antero de Quental no seu 181º aniversário. Muita luz e amor nele, e forças em nós!!!

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Um dito e parábola de Jesus: Realizar interiormente e semear e frutificar generosa e despreendidamente.

 

Do notável pré-rafaelita John Millais: semeia, frutifica..

Disse Jesus: «Eis que o semeador saiu, encheu a sua palma [de sementes] e lançou. Caíram algumas no caminho e as aves vieram e picotaram-nas. Outros caíram entre as pedras e não criaram raiz na terra e não produziram espiga para o alto, para o céu. E outras caíram entre os espinhos, que abafaram a semente, e os vermes comeram-as. E outras caíram sobre terra excelente, e ela deu fruto para o alto, para o céu, excelente, e veio sessenta por medida e cento e vinte por medida.»

O mestre invoca a paisagem agrícola do seu país, em grande parte pedregosa e desértica, com algumas terras apenas mais receptivas e fecundas. E explica como a vida humana é também uma semeadura, uma lavoura: nascemos com um terreno de alma onde podem desabrochar qualidades que darão mais ou menos frutos excelentes, para nós e para o todo envolvente, e que conforme o que aprendemos, semeamos e nutrimos, e os ambientes e circunstâncias, assim se colhe e colheremos.

Podemos interpretar no sentido de quem ouve a educação ou o ensinamento moral, ética e espiritual e não liga, continuando no seu egoísmo, distraindo-se, dispersando-se, descuidando-se, esse acabará infértil. Outras pessoas dessensibilizaram e endureceram os seus corações e tornam-se más, apesar de saberem da importância do amor e da solidariedade. Outras ouvem os ensinamentos espirituais e morais, mas as lutas e canseiras da vida (os espinhos) dão-lhes pouco tempo para desenvolverem as sementes da abnegação, do amor e da religação ao espírito, ao mundo espiritual e à Divindade. 

Finalmente há os que, recebendo ensinamentos pedagógicos,  éticos, religiosos e espirituais, os põem em prática e dão frutos, nuns mais e noutros menos, mas o coração deles está vivo, sofre, aspira, ama e a alma floresce e frutifica. É portanto um dito de apelo ao trabalho psíquico de consciencialização e conversão, para tornarmos a terra da nossa alma mais viva e fértil.

Este ensinamento da parábola está bem presente em todas tradições pedagógicas e religiosas mundiais e os três evangelistas Marcos, Mateus e Lucas transcrevem-na:  por exemplo, em Marcos 4, 3-8, onde  se acrescenta a secura que o sol forte também provoca no diminuir do enraizamento e colheita, e em Lucas, 8, 5-8, onde se refere as semeadas no caminho serem pisadas pelas pessoas e comidas pelas aves.  Já Mateus, indiciando talvez ser uma narrativa posterior, não narra e apenas pressupõe a parábola  e é dada a chave da sua interpretação: a semente é a palavra, e os insucessos da frutificação nas semeadas no caminho derivam da má compreensão, da acção do diabo; as nos terrenos pedregosos, dos que não conseguem deixar crescer as raízes por sofrimentos e perseguições; e as nos espinhos são as infertilidades ou infidelidades derivadas dos envolvimentos nas preocupações e prazeres do mundo.

A versão copta de Tomé destaca-se pela simplicidade de não apresentar expressamente uma hermenêutica e pela originalidade da imagem do encher a mão, dando um sinal de sensibilidade e vivência pessoal: - a semeadura é com a mão toda, ou com toda a alma, e essa palma aberta e franca gera a palma da glória, a qual significa luz, donde o corpo glorioso, que deveremos ir formando pelos nossos labores: ad astra, per aspera, às estrelas pelas asperezas.

De facto a parábola e metáfora é simples mas pode ser aprofundada certamente na interpretação dos símbolos componentes e assim quanto aos espinhos, um hermeneuta medieval de tomo, o franciscano Frei Álvaro Pais (1280-1350, bispo de Silves, no seu Espelho de Reis, obra que influenciou a educação na corte portuguesa, interpreta-os como os cuidados prejudiciais às coisas divinas, e sem dúvida, embora talvez se possa descoisificar e diminuir o plural das "coisas divinas" (tal ritos, preceitos, etc.) e antes acentuar mais a unidade da religação espiritual e divina, o peixe grande ou pérola que devemos valorizar mais que tudo.

A partir desta demanda de unificação e vivência do amor, do espírito e da Unidade, age pois bem, harmoniosamente, sem pensares sequer em resultados, pois eles virão por si próprios, naturalmente mais ou menos visivelmente, pois tudo esta entrelaçado no grande Campo de informação, consciência e energia, a Anima mundi antiga. 

As sementes que frutificam muito significam então tanto o desabrochar mais constante da consciência espiritual, como também a frutificação em serviço, o que geramos de causalidade não-egoísta no mundo, ou em afinidades e sincronicidades. Para o que veio Jesus à Terra, senão para ajudar ao desprendimento, ao amor e à realização espiritual  divina das pessoas, pares, famílias, grupos, povos?

A terra é fundacionalmente local e sinal de trabalho, esforço, humildade. E assim pelos nossos actos, sentimentos e pensamentos vamos gerando o amadurecimento e frutificação do nosso coração interior e puro, aquele estado consciencial e até psico-somático onde se opera ou nutre o desabrochamento do Amor e do Espírito.

O que pedia Jesus aos discípulos mais próximos? Vinde viver comigo, ou ouvi-me com regularidade, e aprendei a despertar a vossa energia-consciência espiritual e testemunhai a graça divina no amar, trabalhar, ensinar, orar.

E perguntaria: - O que conseguis fazer pelos outros, face às suas necessidades ou apelos, que saís do vosso egoísmo e descanso?  

Auto-conhecer-se espiritualmente, ligar-se divinamente e logo empatizar, amar,  compartilhar, apoiar, é a mensagem simples e evidente deste dito, parábola e metáfora de Jesus que nos chegou nas diversas formulações ou narrativas oficializadas por S. Jerónimo e ainda na de S. Tomé, na língua copta do Egipto, forte terra mãe da humanidade mediterrânica e dos seus deuses e religiões...

Jesus, com Morya, desenhando na terra seca ou deserto: pelos pés e mãos o ser abre caminho para o Templo divino... Pintura de Nicholas Roerich.