terça-feira, 30 de abril de 2019

"A Luz". Poesia espiritual, de Pedro Teixeira da Mota. Noite de 30-IV-2019.

A luz que procuramos
A luz que desejamos
A luz a que aspiramos,
Tem de ser acesa por nós
Tem de ser amada por nós
Tem de ser cultivada por nós.

Esta luz misteriosa e volátil
Esta luz interior e tão subtil
Esta luz interior de faces mil,
Chama-nos para a escutarmos
Banha-nos para a invocarmos
Fala-nos para a poetizarmos.

O mistério desta luz que é amor
A sabedoria desta luz que é ardor
A magia desta luz que é resplendor,
Mostra-nos a pobreza nossa
Oculta-se da distração nossa
Envergonha-se da alienação nossa.

Meu Deus, meu Deus clama a luz em mim
Minha amada, clama o amor em mim
Meu Mestre, clama o ser em mim
Meu Anjo, clamo eu em mim.

E assim ergo o Graal para ti
Ofereço a minha luz a ti
Escuto o som divino por ti.
E todo o universo está em ti.

Correm as correntes e as brisas,
Unimos o consciente e o inconsciente,
Anelamos à liberdade espiritual,
Ao diálogo e comunhão consciencial.
Possam a verdade e a paz aumentar,
Possa a estrela divina mais brilhar.

Escrita entre as 22:00 e as 22:22, do dia 30-IV-2019, pelo Pedro.

domingo, 28 de abril de 2019

"Wagner". Breve biografia por Higino Costa Paulino, em 1884, na Gazeta Musical.

                                   
Transcrição da breve biografia de Wagner realizada pelo meu bisavô materno Higino Augusto Mascarenhas Costa Paulino, para a Gazeta Musical, ano 1, nº1, da qual foi o director literário:
«Leipzig, essa formosa cidade onde a ciência, a arte e o comércio disputam as primazias, esse berço perfumado que se ufana de haver possuído Leibnitz, o mais notável matemático do século XVII, Johann Albert Fabricius [1668-1736], o extraordinário exemplo de valor e interesse, Christian Thomasius [1655-1728], o filósofo por excelência, que educou o sublime Schiller [1759-1805] e o imortal Goethe, foi também a pátria de Ricardo Wagner, o afamado compositor que a Alemanha acaba de perder [13/2/1883].
A existência do autor da chamada música do futuro, foi, desde os primeiros passos, um inexplicável misto de dissabores e de triunfos, de prazeres e inquietações! Aqueles a quem o porvir reserva algum grau de celebridade têm, inevitavelmente, de aguardar com resignação dos pacientes, a suprema glória; está aí, na serenidade com que afrontam o suplício, a prova convincente do seu excepcional talento, da sua ilesa consciência!
                                                     
Ricardo Wagner nasceu aos 22 de Maio de 1813, e, perdendo os seu pai, quando apenas completava cinco meses de idade, cedo se viu entregue às exigências de um padrasto, Luís Geyer. cenógrafo em um teatro da corte, que à viva força pretendeu coagi-lo a seguir o curso de pintura. Não logrou, porém, Geyser, realizar o seu intentos; a morte prematura arrebatou-o à vida, deixando o pequeno órfão, na idade de sete anos, quando a adolescência se lhe entreabria, a braços com as hesitações naturais em uma criança pobre, cuja vocação não tem uma estabilidade definitiva, nem sequer um alvo determinado.
Pode, livre de engano, afirmar-se que foi o Freischütz de [Carl Maria von ]Weber, que evidenciou as tendências de Wagner para a música. As impressões extraordinárias que esse sublime spartito [partitura] lhe produziu, descreve-as ele mais tarde, com um estilo e uma paixão pouco vulgares, em alguns curiosos apontamentos da sua mocidade. Beethoven, com a sua formosa Egmont, chamou-o definitivamente à carreira musical.
Data desde então a iniciadora série dos seus infortúnios na senda escolhida. parentes, amigos e conhecidos, todos em apostada resolução, pretendiam dissuadir o desventurado moço, demonstrando-lhe em premeditado exagero, a carência de elementos que pudessem torná-lo um músico razoável, quanto mais um artista prodigioso. Contrario a esse parecer foi Thomas Weinling, que desde logo observou no seu novel discípulo um talento precoce, uma esperança prometedora. Uma vez desvendados os segredos musicais, e então já mestre em contraponto, Wagner fez ouvir em 1833 algumas sonatas e polonaises de sua composição que foram acolhidas com geral aplauso.
Mas, o infortúnio lograva suplantar quaisquer momentos de alegria que no espírito do jovem artista se abrigassem, e por tal forma em 1834 as circunstâncias se lhe tornaram precárias, que resolveu partir para Würzburg a hospedar-se em casa de seu irmão Alberto, director de palco em um teatro, escrevendo nessa época a sua primeira ópera Die Feen, As Fadas.
Em 1836 passou a Magdeburgo, tendo então a felicidade, não sem acintosa acrimónia de grande parte dos seus colegas, de ver a representação da sua segunda obra, Amor proibido, que com bastante agrado mais tarde foi ouvida no Teatro Nacional de Riga.
Em Paris, não obstante as magníficas recomendações que Meyerbeer lhe concedeu, Wagner experimentou as maiores dores que a natureza humana é permitido suportar! A miséria atingindo as mais elevadas proporções, desapiedada caía sobre o desventurado compositor, obstruindo-lhe todos os atalhos que pudessem oferecer-lhe próspera guarida. O Rienzi permanecia imóvel no fundo de uma caixa, sem que alma protectora e compassiva se resolvesse a escutá-la. Quantas vezes o desditoso Wagner, entregue à solidão do seu modesto quarto, às torturas do seu prolongado abatimento, aos golpes da sua persistente miséria, deixaria o pender uma lágrima dolorida sobre essa partitura que, se não era já a afirmação de um grande génio, era, inquestionavelmente, o vaticínio a um astro brilhante que se despontava!
[Do regresso de Paris, em 1842, na sua auto-biografia confessará: «pela primeira vez vi o rio Reno - com lágrimas quentes nos meus olhos, e eu, artista pobre, jurei fidelidade eterna a minha pátria Alemã»]
A sagração que os franceses regatearam ao spartito do pobre maestro requisitou-a para si a cidade de Dresde, que possuíra na sua universidade como discípulo laureado o jovem autor da música do futuro. A entusiástica recepção ao Rienzi, foi enorme, e desde esse momento, Wagner, que suportara até então no mais cruciante silêncio, os golpes traiçoeiros e emboscados de uma inveja inqualificável, podia agora afirmar a grandeza do seu talento, nesse horizonte glorioso que se lhe entreabria, os vastos elementos, agora favoráveis às arrojadas concepções que germinavam do seu cérebro empreendedor!
Nomeado mestre da capela do rei da Saxónia, ao lado do célebre Reissiger, Wagner, dia a dia, experimentava novas e vantajosas metamorfoses na sua vida artística. O Holandês Voador, ópera cuja conclusão se dera havia anos, foi a segunda que o autor do Rienzi apresentou aos habitantes de Dresde, em um teatro confiado à sua disposição. Aí, Wagner fez escutar as composições da época, as mais difíceis e celebradas, sobressaindo as de Gluck [1714-1787], esse imortal autor do Alceste [https://www.youtube.com/watch?v=yF3cQkZkR2Y], que por tanto tempo divagou pelas regiões do sublime, espargindo por todo o mundo as preciosas centelhas da sua prodigiosa inspiração!
                           
Foi por esse tempo em 1844 e 1845 que Ricardo Wagner terminou o Tannhäuser [cavaleiro-poeta medieval, que sentiu os encantos de Vénus e que sofrerá por isso],  ópera esta que a maioria dos portugueses só conhece pela audição que de alguns trechos teve nos concertos de S. Carlos, Trindade e Circo sob a direcção de Madame Amann [proprietária da Gazeta Musical, e que será biografada num dos números da gazeta], Colonne, Barbieri e Brenner.
O Lohengrin, vasado sobre a lenda de Siegfried, foi a última produção do nosso biografado, antes das complicações políticas de 1848, que o obrigaram a emigrar para Zurique. De novo em Paris enviou a partitura do Lohengrin a Francisco Litzt, seu futuro sogro, achando este primores de tal ordem na composição do seu patriota, que foi para ele, desde então, um amigo sincero e devotado, sacrificando-se até ao excesso, afim de prestar a inteira justiça ao mérito do futuro maestro.
                                     
Foi nessa época que Wagner concluiu além do importante livro A Opera e o Drama, o poema do Anel de Nibelungo, cuja música terminou em 1870, não deixando nesse interregno, de dedicar-se a outros trabalhos de suma valia, como foram Tristão e Isolda e os Mestres Cantores de Nürnberg.
Estava fixada para essa época a prosperidade nas tentativas do sábio compositor. O jovem rei Luís da Baviera entusiasmado com a música do Holandês voando, chamou Wagner a Munique [em 1864] declarando-se-lhe o seu mais acérrimo defensor e amigo. O teatro desta cidade começou desde então a ser mencionado no mundo das artes como um modelo de magnificência no cenário, e de remuneração dos artistas, inevitável consequência da elevada engenho do maestro e da usual liberalidade do monarca. Em 1872 uma associação particular, à frente da qual se achava o opulento protector de Wagner, fez construir em Bayreuth um teatro [a pedra da fundação foi posta em 22 de Maio, e Wagner bateu  três vezes nela com o simbólico martelo, clamando:«sê abençoada, ó minha pedra, ficarás firme e por muito tempo»], em condições excepcionais, onde pudesse ser executada debaixo de todos os requisitos, essa obra colossal que se intitula Der Ring des Nibelungen, e que encerra em si monumentos de arte, que o mundo inteiro mais tarde, há-de revestir da imortalidade que lhe compete. A abertura realizou-se a 13 de Agosto de 1876 [os arquitectos tinham sido Semper, Runckwitz e Bruckwäld], a concorrência e as ovações tornavam-se extraordinárias; Wagner via enfim desanuviar-se o horizonte glorioso que tantas vezes fantasiara na sua mente de artista.
                           
Impressionado pelas obras de Spontini [Luigi Gaspare, 1774-1851], sobretudo no Fernando Cortez, cujo assunto fora fornecido pelo próprio Napoleão, Wagner deixou-se possuir um pouco, na sua carreira musical, da escola romântica, mas, compreendeu depois que esse trilho não lhe convinha, e tanto assim que adorando imenso o seu Rienzi o repudiou totalmente.
Sejam quais forem os defeitos que alguns críticos pretendem atribuir às produções do celebrado compositor, o que se torna para todos incontestável, é que Ricardo Wagner foi homem de enorme capacidade; a sua inspiração e o seu talento excepcionais, a sua eloquência elevada e concisa, o conhecimento profundo da sua arte, a íntima familiaridade com os detalhes técnicos, são acessórios avantajados para atestarem a verdade do que espendemos.
A sua escola, com quanto muito discutida nos principais centros de música, tem por toda a parte encontrado adeptos que, à força de um trabalho vigoroso, hercúleo, pretendem seguir as peugadas do grande mestre. Oxalá, possuídos do entusiasmo artístico que os domina, eles possam um dia, gloriando-se a si próprios, prestar as homenagens imorredoiras ao vulto que lhes apontou o verdadeiro caminho do belo, sacrificando dignidade, saúde, e vida no descobrimento de preceitos que arrancassem à monotonia dos processos antiquados, a sua arte que prometia, senão abater, pelo menos estacionar por longas eras.
A morte arrebatou em Veneza aos 13 de Fevereiro de 1883 esse génio que ainda não tinha atingido a meta das suas visões e dos seus triunfos. Um padecimento do coração prostrou para sempre esse homem que, beneficiando imensamente o mundo musical, ainda mais prometia, porque, não obstante, próximo aos setenta anos, Wagner dispunha do valor e do animo peculiares a um rapaz robusto, da clareza e sossego do homem moderado; olhava para o futuro com a persistência e a serenidade de quem possui diante de si um enorme espaço a percorrer.
                                     
Muito embora lhe fosse grandiosa [e no seu livro No Fado, de 1911, Paulo Osório, consagra um capítulo a Wagner e a Luís de Baviera:«Quem era tal moço rei, nostalgico e perdulário, e quem era Wagner quando, como num conto de fadas, lhe apereceu esseque le próprio havia de chamar - o seu "anjo da guarda"? E acrescenta mais adiante o júbilo de Wagner:"Eis aí um rei! Com esse homem poder-se-ia transfigurar o mundo!»] a protecção do rei da Baviera,  de Wagner pode afoitamente assegurar-se que tudo deveu à fortaleza do seu ânimo, criando uma individualidade tão proeminente, que abalou, sem contestação, as plácidas e sonolentas regiões da arte musical. Não se esquivando à luta, a sua fértil imaginação, longe de esmorecer ante os insidiosos farpões de que era alvo permanente, mais se engrandecia no emprego das modernas tentativas, gloriosas ao seu país. gloriosas à arte.
Wagner foi o reformador do drama musical, e para conscientemente se descrever as impressões, o trabalho e o estudo empregados nessa monstruosa epopeia, seriam necessários volumes de extraordinárias dimensões, e a que o nosso jornal não pode atingir. Incansável na sua actividade, como poeta e compositor, até aos últimos momentos, nunca o abandonou a pena, e, dedicando-se desde a infância ao estudo da história antiga e mitologia pagã, a isso se deve que os poemas das suas operas fossem também produtos do seu talento superior. Dotado de génio e temperamento inquebrantável, abominava a atmosfera serena e monótona. O remanso e a trivialidade apenas lhe forneciam trechos banais e vulgares; na contínua luta de espírito, no renhido embate dos elementos e que a sua grandiosa inspiração encontrava os ecos apetecíveis.
Casado em segundas núpcias [em 1870, e desde 1862 separado da 1ª mulher Mime] com Cosima, filha [ilegítima] de Francisco Lizt , o célebre pianista que em Roma recebeu as ordens eclesiásticas vitima de desgostos familiares, e da Condessa d'Agout, notável escritora que tanto que deu que falar às crónicas mundanas, íntima amiga de Georges Sand, Ricardo Wagner apenas deixou [de Cosima, 24 anos mais nova que ele, e que já tivera uma filha Isolda dela] dois filhos, duas crianças ainda, Eva e Sigismundo. Hoje, a Alemanha lamenta com a mais acerba dor a perda desta criatura genial, que bem cedo desdenhou, para mais tarde circundar com a auréola da imortalidade.
                                 
Eis a nota exacta das óperas de Ricardo Wagner, e a época em que apareceram no mundo musical:
Die Feen e Des Liebesverbot, inutilizadas, Rienzi, em 1842, Fliegenden Holländer, em 1843; Tannhauser, em 1845; Lohengrin, em 1850, [sob a direcção de Franz Lizt]; Tristen und Isolde [a sua obra mais pioneira, escrita entre 1857 e 1859, aquando da sua paixão com Mathilde Wesendonck, e estreado em 1865]; Die Meistersinger von Nürnberg, [concebido desde 1845 e estreado em 1868]; Der Ring des Nibelungen, que se compõe do Rheingold, em 1869, do Die Walküre, em 1870, de Siegfried e de Gotterdammerung (O Crepúsculo dos Deuses], em 1877. [Entre nós, em 1909, Alfredo Pinto (Sacavém), deu à luz A Tetralogia de Ricardo Wagner. Notas-Análise dos Poemas]. O Parsifal, cantado em 1882, foi a sua última composição visto que se supõe não haver concluído o Die Buserin (A Penitente), ópera religiosa. 
Mathilde Wesendonck
A memória de Ricardo Wagner tem, sem dúvida, de ser respeitada em toda a parte; como artista de um talento extraordinário e criador de uma escola puramente sua, não consagrou apenas à sua pátria estremecida, à Alemanha artística, as portentosas maravilhas do seu talento, doou-as mundo inteiro. que deve considerar esse vulto prodigioso que o túmulo nos encobre, como o profeta revolucionário que reagiu contra o poder esmagador dessas melopeias inesgotáveis, que prometiam a cada instante confundir em grotescos motivos de ópera, os preceitos sublimes que o inspirado Beethoven nos legou».
Gino.
******
Segue-se uma versão do Parsifal, tal como o Anel do Nibelungo e os Mestres cantores de Nuremberg, das óperas que mais contém a sua sabedoria espiritual de um caminho iniciático universal, através e para a plenitude do Amor corajoso, sábio e fraterno:
                           

terça-feira, 23 de abril de 2019

Exposição de Leonor Beltrán na Sociedade Nacional de Belas Artes. 4-IV a 4-V- 2019.

                                 
Leonor Beltrán é uma artista bastante completa pois ao domínio artístico do corpo, já que foi bailarina, coreógrafa e professora de dança e teatro no ensino superior politécnico particular e nos Cursos Livres da Escola de Dança no Conservatório Nacional de Lisboa, alia o desenvolvimento harmonioso das faculdades sensitivas, psíquicas e espirituais, visíveis tanto nos seus textos e diálogos, como nos seus desenhos, os últimos agora então em exposição na Sociedade Nacional de Belas Artes, à Barata Salgueiro, na Galeria de Arte Moderna, n0 1º andar, sob o título Movimento, olhares interiores a preto e branco.Os desenhos realizados a tinta-da-china reflectem tanto uma prática artística como espiritual, e por isso serão chamados "olhares interiores", transmitindo e podendo gerar "movimentos" psíquicos e potencialmente espirituais, pois tratam-se de mandalas, embora muito suas já que têm pouco a ver com as clássicas que conhecemos da Índia e do Tibete, comungando ambas todavia da mesma ordenação e irradiação centralizada...
Ainda que completamente abstractos, os desenhos são bastante orgânicos, dispondo-se em meticulosas e pacientes irradiações onduladas a partir de um centro, que também o é da pintura e do quadro e apela ao nosso, e nas suas formas, texturas e  movimentos têm algo de fogo do sol e seus raios e chamas, de água e suas gotas e remoinhos, de folhas de árvores e  suas virações e murmúrios às brisas. Assim, ao sentirmos e sintonizarmos com as formas naturais e rítmicas  gerados pelos desenhos mandálicos respiramos e oramos com a Natureza perene e divina...
Naturalmente, podem deduzirem-se  efeitos terapêuticos apreciáveis seja meramente pela contemplação seja pela realização das mandalas, e modernamente  arteterapia tem-se desenvolvido muito em vários países, graças aos seus efeitos harmonizadores e centralizadores nas psiques humanas ou mesmo nos ambientes. 
A Celeste Carneiro, amiga do Brasil, que publicou  mais de um livro sobre arteterapia e as mandalas e tem uma revista online, onde colaboro, é, para dar um exemplo, uma outra continuadora moderna da teoria e prática da mandala, tão desenvolvida por alguns artistas religiosos e espirituais, e no século XX em especial pelo orientalista Giuseppe Tucci e pelo psicólogo Carl Gustav Jung.
 A apreciação e os efeitos de qualquer obra de arte são  sempre subjectivos,  pois a apropriação e realização individual depende da interacção de muitos factores. E se algumas obras são mais simples e imediatas aos olhares, outras, para transmitirem as suas mensagens e impulsos interiores, nomeadamente quando os artistas utilizaram ou incorporaram referentes religiosos e espirituais específicos, que as pessoas podem ou não conhecer e logo responder, assimilar, ou invocar-evocar, exigem uma certa contemplação mais demorada ou mesmo iniciação em tal tradição...
Mas mesmo numa pintura abstracta e muito uniforme e concêntrica na sua estruturação e repetição, mandálica diremos,  para além do ver e sentir  imediato, não é fácil discernirem-se quantitativa e qualitativamente os efeitos nos níveis da realidade objectiva (orgânica e neuronal) e subjectiva (estado psíquico e consciencial) e portanto o que pode ser tocado e estimulado em cada observador, ou o que cada um sente reflectido e transmitido.
E para além da imensa subjectividade da relação humana com o fenómeno artístico, sabe-se ainda pouco de outro factor importante nesta interacção, aquela unidade substante que se denomina inconsciente colectivo, alma do mundo, campo unificado de energia consciência, emaranhamento das mentes, plano causal, espírito omnipresente, mundo dos arquétipos, conceitos que não sendo completamente sinónimos têm muitos pontos de coincidência ou sobreposição, variando sobretudo pelo centro ou foco da nossa atenção a tal substracto subtil pluridimensional.
Assim, cada um de nós experimenta ou vivencia os desenhos, esculturas ou pinturas nas suas inter-relações ou participações em tais níveis e designações da multidimensional Realidade à sua maneira, sob o seu olhar ou ângulos de vista, conforme o cálice do seu coração ou sensibilidade, de acordo com a transparência ou abertura do seu olho espiritual, e, certamente, conforme a sua cosmo-estética, a sua cultura artística e  a sua predisposição à apreciação ou vivência mandálica, por Carl Gustav Jung, por exemplo, muito valorizada como instrumento de harmonização do inconsciente e individuação do verdadeiro eu.
Feita esta breve introdução aos movimentos possíveis face aos nossos olhares, fica o convite, até ao dia 4 de Maio, a visitarem e contemplarem, com que efeitos não sabemos, as belas mandalas, centrípetas e centrifugas, em exposição da Leonor Beltrán, sob o título, Movimento, Olhares interiores a preto e branco, fotografadas nos ângulos que evitassem ao máximo reflexos de luz artificial, tanto mais que um dos objectivos destes desenhos-mandalas será certamente vermos e sentirmos, atrairmos e sermos mais a Luz espiritual e amorosa...
 
                                          Estarmos mais centrados, ou concentrados...
Discernirmos purusha, o íntimo ser nosso, que é consciência e energia, shiva e shakti...


  Estarmos mais centrados, concentrados, alinhados, sintonizados...
Discernirmos purusha, o íntimo ser nosso, ou espírito, que é consciência e energia, shiva e shakti, e irradiarmos ou interagirmos bem, despertantemente, unificadoramente...

terça-feira, 16 de abril de 2019

Vinte e dois Aforismos da Verdade, no rescaldo do incêndio da Notre Dame, de Paris. 2019.

                                   
1 - Quem gosta de investigar a Verdade tem muito por onde a procurar, tanto no exterior como no interior, até a ir sentindo, vendo ou realizando.
2 - A Verdade tem muitas faces, encontramo-la constantemente semi-oculta, desvalorizada, mascarada, e habituamo-nos a não estarmos plenamente em sintonia de busca nela, tal a desinformação e manipulação que reina em muitas das suas facetas.
3 - Uma das grandes tragédias dos nossos dias é vivermos semi-hipnotizados numa mediania de visão e de tensão de busca da verdade e de autenticidade.
4 - Também contribui para este esfarelar do bolo-rei biológico e nutritivo da Verdade a muita oferta de qualidade duvidosa, a muita propaganda falsa ou inconsequente, que fazem com que as pessoas aceitem semi-derrotadas várias distracções e alienações, patranhas e semi-verdades que os meios de informação e as relações sociais lhes servem diariamente.
5 - Vivemos assim rodeados de muita informação duvidosa e inútil, seja pela net, seja pelos meios de comunicação social, seja pelos livros que vamos lendo.
6 - Sabermos reconhecer uma oportunidade de busca mais intensa da verdade, que é também amor e unidade é então um objectivo a termos presente e a não desperdiçarmos.
7 - O povo japonês criou esse provérbio ichi-go ichi-e, referindo-se a algo de extraordinário e único, que subitamente está diante de nós.
8 - O povo tibetano criou divindades com mil olhos, pois que habituado às montanhas e seus perigos e demónios, precisava de ver bem.
9 - Peregrinos das montanhas e veredas milenárias afirmaram esse caminhar com mil olhos nos pés, ou então descobriram o balancear das pernas em ritmos mântricos num peregrinare iluminante, por vezes mesmo de braços abertos, per-agri, pelos campos, ou mesmo pelas ruas nocturnas desertas das cidades, então por nós cruzadas e dardejadas.
10 - A procura da verdade é um rasgar do peito para que a nossa essência se exprima e não esteja a ser sempre abafada pelos outros, ou pelas más notícias e as maldades e violências políticas.
11 - A intensidade de nascimentos e mortes a cada segundo que passa interroga-nos fortemente: E tu, que fazes? Crias ou matas-te?
12 - A procura da verdade exige todo o nosso ser: corpo, alma e espírito, pelo que não podemos ser preguiçosos nem desanimar e se caímos ou nos cansamos muitas vezes, de novo devemos retomar a verticalidade, a atenção penetrante e a aspiração amorosa da verdade.
13- O que é verdade, a tua verdade? É sermos plenamente, totalmente, sinceramente, das raízes dos pés até às mil pétalas da cabeça, centrados num sistema energético de espiral adaptativa e responsiva justa.
14 - A verdade em ti é a tua essência, que habita no teu peito e que tu só raramente sentes, sondas, meditas.
15 - As vias para a verdade foram sempre o amor e a dor, a sabedoria e a ignorância, a dádiva e o egoísmo, a inspiração e a expiração, a acção e a contemplação e neste equilibrar ou mesmo unificar dos opostos está a arte criativa verdadeira, conducente à verdade, ou manifestar a verdade.
16 - Sabermos harmonizar a nossa verdade com as verdades dos outros exige tanto sabermos atrair e repelir, dar e recusar, admirar e criticar, unindo o sentimento e o pensamento, a acção e a intenção à luz da Unidade do melhor bem, da maior verdade, do mais verdadeiro amor.
17 - Perante as infinitas e tantas vezes conflituosas visões da verdade das pessoas e do mundo, segue sempre a que te parece mais justa, a que sentes mais amorosa, a que intuis ser mais verdadeira, mas dialoga com os outros, consulta o travesseiro dos sonhos, invoca e medita com os inspiradores e musas, mestres e os Anjos.
18 - Aspira a que verdade mais completa e divina esteja cada vez mais na tua percepção e vivência da Verdade.
19 - A comunhão com a Verdade é a essência da meditação, simples, directa, no coração.
20 - Satsanga se chamou na Índia à companhia ou grupo (sanga) da verdade (sat), ou seja, aos momentos em que uma pessoa se consorcia mais plenamente com a busca da verdade pelo diálogo, a fala, a escrita.
21 - A Verdade pede-nos tanto humildade como coragem, submissão como rebelião, adoração como unificação, e muita paciência, silêncio e meditação.
22- Possa a Verdade ser mais discernida, acolhida, vivida, cosntruída, descoberta, partilhada, realizada, contemplada por nós.

Estes vinte e dois Aforismos da Verdade foram sentidos e escritos no rescaldo do incêndio da Notre Dame, de Paris, entre as 21 e as 22 horas do dia 16 de Abril de 2019, num dia passado sem picar as páginas online que costumo consultar da Rt.com, BBC e Press TV,  por Pedro Teixeira da Mota, em Lisboa, e oferecidos à satsanga das amigas e amigos da Verdade...

Tolstoi, "Ao Clero", 1902. Resumo deste vigoroso e perene contributo para o esclarecimento da Bíblia, da Religião, do Caminho...

Tolstoi (1828-1910), na sua obra Ao Clero, 1902, traduzida e publicada em português (conjuntamente com a Destruição do Inferno e a sua restauração), em 1903 pelo jornalista Francisco Mayer Garção (1872-1930),  deixou-nos um testamento importante e um contributo valioso não só para o conhecimento do fenómeno religioso, como para a reforma do Cristianismo e sobretudo para a libertação e esclarecimento das almas.
Para todas as almas que demandam a verdade, que são cavaleiros ou cavaleiras do Amor, há muitos aspectos ainda hoje pouco claros nos domínios religiosos e espirituais e inegavelmente Tolstoi tentou abordá-los com vigor, em alguns casos discernindo muito bem, com claridade e perenidade... 
Após lermos Ao Clero, escrito e concluído em Isnaia Poliana, 1 de Novembro 1902, já perto do fim da sua vida, e depois de muita investigação, escritos e polémicas religiosas, nomeadamente face à sua excomunhão pelo Sínodo de 22-II-1901 («cego pelo seu orgulho (...) prega com ardor de fanático a abolição de todos os dogmas da Igreja Ortodoxa»), e sendo a segunda réplica a tal arbitrária condenação (a primeira fora a publicação do seu Credo, bastante cordata ou em amor, em 4-IV-1901),  ao observarmos quão valiosos e 
actuais  são certos parágrafos ou mesmo capítulos, resolvemos resumir a obra num texto inicial, para não o alongar, e num segundo publicarmos os melhores extractos, embora algo deles partilhemos desde já.
                                        
No 1º capítulo, resume a doutrina Católica, ou os doze artigos do Símbolo da Fé, transcrevendo-os,  considerando-os que constituiriam a dádiva de Deus ao ser humano para o seu bem e que os sacerdotes em teoria respeitariam e pregariam.
 
No 2º, admira-se e indigna-se que tal formulação do que é tido como revelação da Verdade tenha sido transmitida pela violência, pela persuasão da oratória ou então impondo-se-a aos mais analfabetos ou simples.
No 3º, resumindo bem a Bíblia em cinquenta linhas e, tendo em conta a quantidade de disparates, das quais transcreve algumas, tais como «Deus, receando que o homem e a mulher comessem o pomo que continha a força mágica de dar a omnipotência, lhes proibiu que comessem esse fruto», ou ainda «as ladroeiras de Jacob, favorito de Deus, as crueldades de Samsão, as astúcias de José; toda essa história, começando pelos flagelos enviados por Moisés aos egípcios e a exterminação pelo Anjo de todos os recém-nascidos até ao fogo, que devorou 250 conspiradores, até Coré, Dathan e Abiron, engolidos pela terra, até ao aniquilamento, em poucos minutos de 14.700 homens, até aos inimigos serrados ao meio e aos pontífices pagãos que, não estando de acordo com Elias, foram supliciados por ele, que subiu depois ao céu, até Eliseu amaldiçoando rapazes que troçavam dele e que por isso foram devorados por duas ursas, - toda essa história não é senão uma série de acontecimentos miraculosos e de crimes terríveis cometidos pelo povo hebraico, pelos seus chefes e pelo próprio Deus»», pergunta com uma sinceridade tremenda: «no mundo cristão há por acaso livro que tenha feito mais mal aos seres humanos de que esse livro terrível? Como pode ele tornar-se a primeira base das concepções do mundo, do bem e do mal e de Deus?»
No 4º capítulo, critica fortemente as proposições insensatas e contraditórias, de expiação e de violência, transmitidas pela Bíblia e pelo ensino religioso, que diminuem as exigências da razão, do amor recíproco e do desejo de perfeição e paz, desfigurando as ideias e sentimentos dos mais fracos.
No 5º, põe em causa a perda de conhecimento do verdadeiro Cristianismo, presente em lendas, provérbios e costumes bondosos ou solidários, perante o crescimento dos aspectos externos e cerimoniais religiosos, ou das subtis discussões teológicas, da obrigatoriedade dos dias de festa, das procissões, relíquias, sinal da cruz, beijar dos ícones, etc. Contesta também certos aspectos do catolicismo ou do protestantismo, aos quais denomina o mundo pseudo-cristão.
No 6º capítulo, algo pessimista, Tolstoi considera que as pessoas convencem-se que vivem cristãmente quando vivem egoística, ambiciosa, violenta e exploradoramente. De tal modo que as doutrinas acabaram não só por desviar as pessoas do verdadeiro Cristianismo como envenená-las, de tal modo que muitas já não conseguirão regressar ao verdadeiro Cristianismo.
No 7º capítulo, alerta para o perigo provindo dos que libertando-se da crença e influência cristã ainda acabam pior: «Inspirando aos homens que a principal qualidade dos seres dotados de raciocínio, - o estabelecimento da sua relação com a Fonte de tudo - a única donde podem ser extraídas leis morais e sólidas, é um estado já ultrapassado pelos homens, os negadores da religião, mau grado seu, assentam unicamente na base da actividade humana o egoísmo e o desejo carnal que dele deriva.»
No 8º capítulo, critica os sacerdotes ou religiosos que propagam com força doutrinas que não acreditam:«Eu sei que repetindo o célebre credo quia absurdum muitos dentre vós pensam que, apesar de tudo, creem no que ensinam (...) Pensais que deveis dizer que acreditais nisso, mas não acreditais. Não acreditais porque: Deus, uno e trino, Cristo subindo ao céu e descendo de novo de lá, para julgar os homens ressuscitados, são afirmações desprovidas de senso. Podem-se pronunciar palavras que não tenham senso, mas é impossível acreditar no que não tem senso (...) Os antigos que estabeleceram estes dogmas podiam crer neles, mas isso já é impossível para vós (...). E termina assim o capítulo, em conclusão de uma história que narrou: «O padre Didon afirma que crê em Deus, nas ascensão de Cristo, e o aldeão diz que não acredita em Deus, porque não cumpre a sua vontade./ É claro que o padre Didon não sabe mesmo o que é a fé ["relação para com Deus que define o sentido de toda a sua vida e guia todos os seus actos conscientes"] e declara apenas o que crê; e o aldeão sabe o que é a fé, e se bem que diga que não crê em Deus ["proferindo injúrias, não dando aos mendigos, invejando os outros, comendo e bebendo demasiadamente, como é que eu viveria assim. se acreditasse em Deus?"], crê realmente nele, no próprio sentido do que é a verdadeira fé.»
No 9º capítulo, Tolstoi interpela fortemente os sacerdotes ou religiosos cristãos a consciencializarem-se do mal que fazem ao ensinarem a crianças e gente pouco instruída as proposições e crenças irracionais nas quais eles próprios não acreditam senão por hábito cego:«Não acreditais na divindade dessas escrituras que dizeis sagradas. Não acreditais em todos os horrores, em todos os milagres do Antigo Testamento. Não acreditais no Inferno, na Imaculada Conceição, na Ressurreição, na Ascensão de Cristo; não acreditais na ressurreição dos mortos, na Trindade de Deus...». E ainda por cima «inspirando-lhes a vossa fé particular, fazeis precisamente o que não quereis fazer; privais homens da união com toda a humanidade, acabais por encerrá-los no quadro estreito da vossa exclusiva confissão e assim os colocais numa situação, senão hostil, pelo menos estranha aos outros homens»... E assim em vez de libertarem-se e ajudarem os outros a libertarem-se, envolvem-nos em enganos, confusões, interpondo-se entre a verdade divina e os seres humanos.
No 10º e último capítulo, Tolstoi pergunta o que sucederia se as pessoas deixassem de acreditar na doutrina da Igreja, e responde:«sucederia que a lenda hebraica, bem como o saber religioso do mundo inteiro se lhes tornaria acessível. Sucederia que as pessoas se desenvolveriam com ideias e sentimentos não pervertidos.» 
E como é grande a responsabilidade de se querer determinar com mentiras o alimento espiritual dos outros, Tolstoi convida os religiosos a saírem corajosamente da Igreja, e confessa que é evidente que a deserção dos melhores homens da classe eclesiástica trará consigo a depreciação da Igreja que, ficando entregue a mãos grosseiras e imorais, se decomporá cada vez mais e deixará ver a sua mentira e a sua acção nefasta. Mas não será pior, porque a depreciação da Igreja, que mesmo agora se produz, é para o povo um meio de se libertar da mentira em que se encontra».
E termina o seu tão vigoroso e desafiante apelo aos membros do Clero, alentando-os a libertarem-se das alienações religiosas e a ligarem-se mais ao coração e ao Amor e  Verdade, para Tolstoi a essência da vera Religião a ser vivida fraterna e não violentamente: «Que Deus vos auxilie; Ele é que vê os vossos corações»...
Que mereçamos então por uma vida não-violenta, sábia e de aspiração à religação espiritual e divina, merecer que Deus se manifeste mais nos nossos corações e mentes, com os seus raios benignos que todos os  que oram e meditam se abrindo a Ele-Ela recebem...

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Os mistérios do Espírito: Manuel Lopes, pioneiro espírita, ocultista, tolstoiano e dos direitos dos animais, nos começos do séc. XX.

Manuel Lopes foi nas primeiras décadas do séc. XX um investigador espiritualista e espírita, autor de livros e revistas onde travou a sua cruzada pelo que sentia ser a luz e o bem, tentando despertar mais seres para caminho do conhecimento e da verdade libertadoras. 
                                    
Provavelmente um auto-didacta, desperto aos 30 anos, quando encontrou num banco de um jardim o livro Verdades eternas, ou a Luz dissipando as trevas, e logo adoptando o lema trabalhar, sofrer e amar, tanto se entregou a muitas leituras, citando as doutrinas elevadas da «teosofia, metafísica e psicologia», e dezenas de autores (tais como Warsen, Paul Hormet, Allan Kardec, Henrique Antão de Vasconcelos e Amílcar de Sousa), como se dedicou a boas acções, reflexões, meditações e práticas de espiritismo.
Colaborou em revistas, tais como o Zoophilo, de 1901 a 1915 (como pioneiro da defesa dos direitos dos animais), nas Leituras Cristãs, de 1915 a 1917. Entre 1905 e 1908 publicou a revista Aurora do Porvir, editada por Cândido Chaves, da qual saíram pelo menos uns 26 números. Em 1912, o livro A Loucura Humana. Em 1917 as Considerações Philosophicas. Em 1918, Como devemos respirar e viver, que não conhecemos.  Em 1921  o Oráculo do século XX, um in-4º de 128 p., onde mescla poesias, notícias (comentadas por vezes conservadoramente) e ensaios (de valor oscilante) sobre o amor, a energia cósmica, os espíritos, a evolução, a Divindade, com uma boa introdução onde recomenda a "respiração meditativa yoghi": «colocai o corpo numa posição inclinada e sem tensão muscular./ Respirai ritmicamente e meditai no eu real, pensando que sois uma entidade independente do corpo, embora o possuais, e que podeis deixá-lo à vontade./ Pensai que sois não um corpo, mas um espírito e que o vosso corpo é apenas um invólucro útil e necessário mas não uma parte do eu real (...) perseverando-se nela, em breve comunica, ao mesmo tempo, uma percepção surpreendente da realidade da alma...». Apresentamos a imagem da contracapa:

No  ano de 1923 deu à luz o Collar de Perolas e depois os Mistérios do Silêncio, onde se desculpa «reputamos uma obra prima pelos ensinamentos que contém; e se a não ofereceramos à Academia das Ciências, foi por julgarmos inferior o papel em que os Editores a publicaram»
Nesse livro (que em 1926, estando esgotado, nos diz que se podia consultar no Largo do Rato), Manuel Lopes atacou com força as doutrinas evolucionistas de Darwin, que há mais de trinta anos considerava incorrectas, recusando-se a aceitar a apologia do ser humano que já fora macacão, conforme alardeara numa palestra o positivista Agostinho Fortes.
                                        
Em 1 de Outubro de 1925, aos 72 anos, «já no outono da Vida», publicou o seu mais importante livro Mystérios de Além Tumulo, A Evolução do Espírito, «o Livro publicado até hoje, que melhor nos fala das verdades eternas, ao alcance de todas as inteligências», com várias páginas e ideias a merecerem a nossa atenção e que comentaremos brevemente:
pensa que «os espíritos maus, antes que tenham atingido a suprema perfeição  para que tudo caminha, têm que reincarnar muitas vezes durante séculos e séculos, até que, purificados pela dor, pela caridade, pela bondade e pelo amor Eterno possam entrar na bem-aventurança para sempre»
Comentário: Esta expressão seria questionável se  a bem-aventurança fosse um dolce far niente, mas já não se entendermos que a nossa essência espiritual é beatitude, bem-aventurança e que à medida que conseguimos vencer as provações e cumprindo os nossos deveres, vamos religando-nos mais espiritualmente, e sentindo mais na consciência.
E continua: «Os espíritos bons não reincarnam mais. Têm por missão aconselhar os maus e trazê-los ao caminho da verdade, constituindo-se assim uns vigias invisíveis ou Anjos da Guarda. Outros de mais elevada hierarquia são os mensageiros de Deus, transmitindo as suas ordens a todo o Universo. De modo que espírito nenhum está ocioso no seio da eternidade». 
Comentário: Esta visão de transmissão de ordens parece ser um intervencionismo divino demasiado dependente das concepções bíblicas, e pouco de acordo com o prevalente livre-arbítrio que rege a evolução humana.
Numa proximidade com Antero de Quental (e seria interessante se sabermos se ele conheceu Ângelo Sárrea de Sousa Prado, dado às ciências ocultas e  mencionado por Antero) valoriza muito a voz da consciência, o dever, a missão de cada um considerando que à medida que sabemos mais a consciência desenvolve-se e com ela a responsabilidade e que é na realização da vontade do bem ou Divina que sentimos tanto a força para as provações como a alegria, ao estarmos a trabalhar pela lei do Amor.
Manuel Lopes admirava Victor Hugo e cita várias páginas de suas obras, algumas com valor, tal como uma descrição de uma nuvem, ou ainda a ideia «que nós nos vamos depondo a nós próprios nos objectos que nos rodeiam! Nós julgamo-los inanimados e no entanto eles vivem, vivem a vida misteriosa que nós lhes damos» E um dia voltamos a ver tais objectos e «eles restituem-nos o nosso passado». Teremos aqui uma certa explicação do poder mágico, magnético, dos objectos, das relíquias, etc.

Como defensor dos direitos dos animais e pioneiro do PAN criticou a insensibilidade da multidão visitante do Jardim Zoológico «indiferente diante de milhares de pobres seres, ali encerrados por culpa do homem, em antros de tortura, saudosos da pátria e da liberdade perdidas, sem se lembrar que tudo isso representa uma imensa dor perante Deus, talvez esquecido por toda essa multidão de seres humanos»
Já da sua autoria, e fruto «de muitos anos de aturadas experiências» diz bem que «a meditação é a essência de que se alimenta a alma humana, engrandecendo-a, elevando-a até aos paramos ideais da perfeição suprema (...) O Amor é a força dominadora do Universo! A origem da criação infinita (...) O Espírito não é um ponto, uma abstracção, mas um ser limitado e circunscrito, ao qual falta ser visível palpável para se parecer com os seres humanos».
No ano seguinte, 1926, fundou uma revista A Aurora, revista literaria e instrutiva. da qual saíram apenas três números no mesmo ano. No número 1º, Manuel Lopes foi passando em revista e comentando algumas notícias nacionais e internacionais mais relacionadas com o espiritismo ou as pesquisas de conhecimento psico-espiritual preservando algumas valiosas ainda hoje, e expondo as suas concepções sobre os mistérios da existência.
Em alguns aspectos parece evidente que Manuel Lopes errou, tais como quando aí escreve: podemos afirmar que a estrela Marte é um mundo habitado como a terra, bem como todos os mais planetas (conhecidos e desconhecidos) do sistema solar, e que as humanidades que neles vivem, são mais perfeitas do que a que existe no globo terráqueo.
E quando se interroga sobre tais conhecimentos as respostas não são muito clara
s:«Quem nos transmite estas verdades indestrutíveis?...
Quem nos esclarece as dúvidas que as ciências não sabem explicar?
Os mensageiros celestes, encarregados de transmitirem às humanidades que povoam os mundos disseminados pelo infinito, à ordem e ensinamentos da verdade absoluta, princípio fundamental da existência eterna do universo - Deus.»
Também confiou demasiado no Cristianismo, ainda que aqui e acolá critique certos aspectos ou distorções da sua doutrina.
Noutros passos parece escrever a partir de visões acertadas e aquela em que ele mais insiste ainda hoje bruxuleia por entre as doutrinas do Cosmos espiritual:
«Ensinarão as suas doutrinas que as correntes fluídicas que se cruzam em todas as direcções do infinito, existe um princípio Eterno em contacto com todos os movimentos cósmicos, cuja essência, oculta no mistério das coisas, é origem de vida e alimenta, pela absorção de Éter, todos os seres orgânicos da criação?»
E termina o 1º número da revista com parte (oito páginas) de um texto escrito em 1918  - ano no qual noticia as conferências de ocultismo no Instituto Eternista (hoje totalmente ignorado), dos doutores Martins Velho, Carneiro de Moura e João Antunes - em plena 1ª grande Guerra, quando sentindo que a humanidade ignorante e violenta estava tão presa como antigamente nas trevas da estupidez, e onde faz extensa revisitação resumida do Antigo Testamento, com todas as barbaridades e violências criminosas que enchem as suas páginas, desde a mítica criação de Adão e Eva, até aos crimes de Josué quando manda passar a fio de espada milhares de seres sem olhar ao sexo ou à idade, ou ainda Juda e Simeão quando matam 10 mil cananeus, etc., etc.
Terá Manuel Lopes lido Tolstoi e nomeadamente a sua magistral caracterização do Antigo Testamento, publicado entre nós, em 1901, sob o título Apelo ao Clero?
Sim, pois no O Oráculo do Século XX encontramos (já escrito este texto) uma bela e forte apreciação dele: «Leão Tolstoi, esse pensador que mais se aproximara de Cristo nos tempos modernos, quando o filho se apresenta dizendo-lhe: que acabara de ser formado em cinco faculdades, disse-lhe:"agora pega numa vassoura e vai varrer a escada"/ Eis a importância que têem as ciências humanas perante a ciência do céu».
 Bem possível, mas os frutos destes valiosos discernimentos continuam utópicos no século XXI, pois  infelizmente o materialismo e imperialismo predador dos Estados Unidos da América e dos seus coligados tem continuado a dizimar muita gente e a diminuir a evolução cultural e espiritual das pessoas,  forçadas a uma luta pela sobrevivência demasiado absorvente e desgastante.

Oiçamos para finalizar alguns ângulos de visão de Manuel Lopes, extraídos dos Mystérios do AlémTumulo, a Evolução do Espírito.
«Os Espíritos apreciam as  coisas do mesmo modo que nós: sendo Espíritos vulgares seguem as nossas pisadas, isto é, vêem como nós; porém os espíritos superiores apreciam tudo no seu justo valor».
«Convém rezar pelos finados; se são bons eles nos agradecem a lembrança, se são maus, alivia-lhes um pouco os seus sofrimentos em ver que alguém se interessa por eles, e os incita ao arrependimento./Quando rezamos aos Espíritos bons, não se deve confundir a adoração Divina com a suplica que muitas vezes dirigimos aos Espíritos bons, para que nos valham em certas ocasiões; porque ele nos estendem a sua influência benéfica, quando dela precisamos e os chamamos.»
«Os sacrifícios que nos exige a Divindade, são os de subjugarmos as nossas paixões.»
«O que dá ao ser humano o sentimento de uma vida futura, é a lembrança vaga do que ele sabia do estado espiritual antes de incarnar. As penas e os gozos depois da morte, são infinitamente mais fortes do que na terra. O Espírito livre da matéria é por isso mesmo mais impressionável. A felicidade dos espíritos consiste no conhecimento de todas as coisas, na falta das paixões que fazem a desgraça da humanidade, no desejo de adiantar-se em perfeição, o que excita neles um doce estímulo.»
No apêndice final, noticia o Congresso Espírita Internacional realizado em Paris, Setembro de 1925, e como o seu presidente o famoso escritor Sir«Conan Doyle, declarou que a palavra "espiritismo" deve ser substituída por "angelismo", visto que quando procuramos os Anjos eles surgem - surgem porque somos dignos de os vermos. A visão, a conquista do "Anjo" é essencial para o nosso culto, diz ele...
E assim terminamos esta breve evocação de um pioneiro do conhecimento subtil, anímico e espiritual, Manuel Lopes, um elo da Tradição Espiritual Portuguesa, que abordou muitos aspectos da Vida que ainda ignoramos substancialmente...
Possam os espíritos luminosos e os Anjos inspirarem-nos...

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Imagens e faces de Anjos: consciencializações, danças, orações e acções com eles. Com uma poesia, de Pedro Teixeira da Mota

Os seres que gostam dos Anjos, e admitem que eles são nossos companheiros bem subtis, devem de quando em quando recarregar-se de imagens, orações e diálogos que facilitem à nossa alma vibrar mais em ressonância ou consonância com eles e com o mundo espiritual e divino.
Ah, se todos os dias pudéssemos contemplá-los algum tempo, certamente que estaríamos bem mais harmoniosos, os nossos centros anímicos mais desabrochados, mais alegres, menos tensos, menos receios, mais confiança.
Contudo, muitos de nós habituaram-se a estar sempre ocupados nos seus projectos e actividades, ou na suas lutas contra o que do exterior os oprime, que pouco tempo conseguem deter-se e terem-se de mãos e corações dados com os seus Anjos da Guarda. Todavia, quanto suavidade e amor eles nos podem transmitir...
                                     
Todos os dias e momentos são bons para nos religarmos a eles, para nos subtilizarmos e alegrarmos, dançarmos ou orarmos  e deixarmos sair de nós medos, cansaços e desânimos, e trazermos mais luz angélica para as nossas vidas, tornando-nos mais dispostos e fortificados para perseverar no caminho do Bem.
A todo momento podemos erguer o cálice do nosso coração e da sua aspiração à Divindade e à nossa harmonização justa com o planeta e a humanidade. E os anjos assistem-nos em tais esforços e actos que contribuem para o erguer do templo que liga a terra e o céu em sabedoria e amor.
Certamente que nem nos vemos como espíritos nem temos em geral a sua clarividência mas podemos estar certos que tal fogo espiritual a arder em nós é purificador e iluminador e que volta e meia em sonhos, intuições ou visões seremos fortalecidos ou assegurados de tal comunhão. 
É verdade que o mistério do nascimento da Divindade em nós pode ser aprofundado mais nos momentos solsticiais e equinociais, natalícios e de fim do ano, mas ainda assim tal pode ser realizado a aqui e agora, neste É a Hora, do agora, nomeadamente meditando com mais intensidade e perseverança e querendo estar fortemente abertos às inspirações e comunhão dos santos e santas, mestres e Anjos e Arcanjos...
                               
Uma das mais belas simbólicas representações do Natal e portanto simbolicamente do nascimento espiritual em nós é sem dúvida a de Sandro Botticelli, actualmente na National Gallery de Londres.
Nela se realça tanto o dinamismo do mundo espiritual, como a existência de grandes seres ou mestres, como Jesus, e de Anjos, mais femininos ou mais masculinos. E ainda como a transmissão da Luz Divina pelo Anjo ao ser humano é fundamental.
Estarmos conscientes desta escada hierárquica, desta dança de espíritos celestiais ou desta descida da Luz Divina, que   chega até mesmo aos animais mais simples, é bem importante, pois ela de certo modo aponta para a presença de algo de divino em tudo, ainda que esta dimensão esteja ainda pouco clarificada.
  Ora cada um de nós pode ser espírito templário, isto é, pode tornar-se templo para  o poder e o amor de Deus entrarem mais em si, e portanto em comunhão com os anjos,  podermos orar assim:
- Pedimo-vos, ó Divindade, ò Mestres,ó Anjos, que a vossa energia mais apropriada penetre neste quarto e  casa e expulse ou transmute todas as vibrações desarmoniosas, obscuras ou inimigas. Que os  Anjos se sintam bem aqui, e nos guardem e iluminem em saúde, paz e sabedoria, para que o influxo criativo da vossa bênção ou subtil presença esteja sempre fecundo em nós e a volta de nós, Ámen!:
                                 
Oh Divindade, oh Faces Divinas
Que estais no mais alto da visão, 
Oh Anjos, nossas subtis companhias,
Que nos sorris nos olhos e corações, 
Ouvi a nossa sede de amor justo, 
E enchei-nos da vossa presença,
Inspirando-nos a bem amar 
Quem nos rodear e necessitar,
Hoje e sempre, convosco, ámen.