segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Hipnose e espiritismo, fraudes e perigos. "Forças Psíquicas", por João Reis Gomes. E a concordância com Bô Yin Râ.

Desde que no final do século XVIII, a hipnose, com o mesmerismo ou magnetismo e a sugestão, se tornou tema de investigação ocultista e da experimentação e teorização científica nunca mais deixou de suscitar questões, com um pico na época do espiritismo dos finais do séc. XIX princípios do XX, e que no século XXI ainda mais se acentuaram pois graças em grande parte ao movimento da Nova Era, que veio a sobrepor-se ou quase a substituir o ocultista e o esoterista, e a certo tipo de psicologia, a hipnose divulgou-se ainda mais e por doenças, mera curiosidade e desejo de conhecer vidas passadas ou fazer regressões há muitos candidatos à sua utilização.
E contudo desde sempre algumas vozes se ergueram contra a facilidade com que se permitia a alguém entrar no foro íntimo de outra pessoa e tomar conta da sua psique e corpo, fazendo-a sujeitar-se a cenas divertidas ou ridículas e a influências das quais não se sabiam as consequências, eventualmente daninhas ou nocivas.
Com efeito, o facto de deixarmos alguém adormecer o nosso eu consciente e substituí-lo pelo do hipnotizador ou pô-lo de lado e deixar alguém sugestionar-nos e dirigir-nos à vontade, cria vários perigos:
1º enfraquecimento do eu de uma pessoa, já que aceitou que outro eu o substituísse no seu foro íntimo.
2º enfraquecimento das defesas de uma pessoa contra todo o tipo de influências que cada vez mais na sociedade moderna tentam manipular as pessoas, em especial para consumir ou pensar de determinados modos.
3º possibilidade do hipnotizador influenciar a pessoa, posteriormente à sessão hipnótica, voluntária ou involuntariamente, já que algum tipo de impressão e de ligação facilitadora de tal se criou entre os dois.
4º possibilidade de a tessitura energética subtil da alma ser modificada e ferida, ou rompida, ao ser penetrada e alterada, permitindo doravante a entrada mais fácil de forças exteriores, tanto positivas como negativas.
Certamente que face a uma fobia doentia e muito perturbadora que não se consegue curar de outros modos até poderá equacionar-se alguma sessão de hipnose, embora se deva realçar que o ideal será sempre a pessoa conseguir resolver por si mesma e a partir da utilização do seu próprio eu e das suas forças psíquicas, certamente em geral ajudada por outras pessoas ou terapeutas.
Entre nós, e entre outros, abordou estas questões em artigos sucessivos do Jornal da Madeira, João Reis Gomes, da Academia das Ciências de Lisboa, e em 1925, deu-os à luz no ensaio filosófico Forças Psíquicas, impresso no Funchal mas sob a chancela da lisboeta Livraria Clássica Editora de A. M. Teixeira, editora na época de várias colecções de obras acerca das ciências ocultas, sob a direcção de João Antunes, algumas das quais traduzidas por Fernando Pessoa.
A obra, completamente ignorada nos nossos dias, bem merecia ser lida e debatida, pois dividida em três partes faz um balanço das várias investigações psíquicas em curso e suas hipóteses explicativas, baseando-se e citando sobretudo Flammarion, Richet, Gabriel Delanne, Geley, William James, Hodgson, Branly, barão de Richenbach, Carl du Prel e finalmente Maurice Materlink, a este para o rebater em vários aspectos.
Na segunda parte, intitulada No Subconsciente, (e a palavra tem a ampla significação de um ser e corpo psíquico que somos e temos), dividida em três capítulos: "o psiquismo oculto, forças inteligentes e os eflúvios ódicos", aborda a hipnose e equaciona a sua inserção na multidimensionalidade humana: «E se pensarmos que na hipnose o magnetizador pode ainda, por uma simples sugestão, alcançar do paciente quanto queira, moldando-se à vontade o seu subconsciente, mais nos persuadiremos de que este não constitui, ao menos de per si só, a alma humana, essa divina centelha, posta assim ao alcance è a disposição de qualquer mortal».
Embora confundindo realidades diferentes, tais como a alma humana e a "divina centelha", esta sendo mais propriamente o espírito, João Reis Gomes vê bem: o subconsciente é apenas uma parte da alma humana e se de facto é manipulado pelo hipnotizador o mesmo não se passará com o espírito, crendo numa providência (divina) que não permitiria tal facilidade atentória da integridade e inviolabilidade do cerne da consciência e do ser humano.
Nessa mesma obra, abordando o espiritismo, colige bastantes provas de que os principais médiuns foram embusteiros ou fraudulentos, e afirma que se deve atribuir ao subconsciente e à transmissão de energias psíquicas (que considera «uma forma de energia eléctrica», a que corresponderiam ondas electromagnéticas do cérebro) entre os seres humanos o que se atribuía a espíritos desencarnados, tanto mais que «analisando as revelações de cada hora atribuídas aos "espíritos"» verificamos que estes, nas sua longas e fastidiosas palestras, ficam sempre muito aquém da mentalidade que demonstraram na vida», dando até como prova a comparação de duas mensagens dadas na mesma sessão pelo famoso médium lisboeta Fernando Lacerda e atribuídas a Hintze Ribeiro e a Gomes Coelho, publicadas na Ilustração Portuguesa de Setembro de 1908 e que analisadas mostram ser praticamente o mesmo pensamento, com as mesmas palavras, provindas do subconsciente de Lacerda. Também eu, lendo o que Fernando Lacerda atribuiu a Antero de Quental ponho muito em causa tal autoria.
Cita mesmo Camilo Flammarion, afirmando nas suas Forces Naturelles Inconnues, que dos médiuns que conhecera "a quase todos surpreendera aldrabando", e «eu fui médium, e Allan Kardec publicou num seu livro as dissertações que eu escrevia assinadas Galileu. Essas dissertações são, bem evidentemente, o reflexo do que eu sabia, do que nós pensavamos nessa época sobre os planetas, sobre as estrelas, sobre a cosmogonia. Nada aprendi com elas». ou ainda Charles Richet: «Não, eu não creio em nenhum fenómeno espírita. E, pelo contrário, acredito na maior parte dos fenómenos psíquicos».
João Reis Gomes, que estava muito bem actualizado, citando mesmo Tesla, Lazareff, Kilner e o Padre Mainage (e a sua aceitação de uma memória cósmica), refere ainda o «Coronel de Rochas sobre o fenómeno de vidas anteriores, por ele observado e estudado: - "Estas revelações, quando as podemos verificar, não correspondem geralmente à realidade" ... "o médium criou, portanto, um Belzunce imaginário, segundo uma biografia sumária de que teve conhecimento"».
O mesmo se passa hoje com tanta regressão, por sugestão, meditação guiada e hipnose que desemboca em vidas passadas mais ou menos mirabolantes, cuja origem se deve atribuir a conhecimentos, desejos e intencionalidades do terapeuta e do paciente, embora também se deva considerar a possibilidade de haver algumas energias anímicas numa pessoa que já estiveram em acção noutros tempos e vidas, neste caso tomando-se a parte pelo todo ao acreditar-se, por exemplo, que já se foi um romano ou um grego.
João Reis Gomes apontará outra característica perturbadora ou mesmo perigosa na hipnose e no espiritismo, segundo ele já estabelecida pela ciência: as mudanças de personalidade nos hipnotizados e nos médiuns em transe.
Em sintonia com Georges de Dubor, autor dos Mystéres de l' Hypnose, e que escrevera numa carta para a obra Les Morts vivent-ils: «a maior parte dos fenómenos espíritas pertencem ao domínio da hipnose e não são mais do que factos físicos de materialização», João Reis Gomes tentará justificar as materializações de ectoplasma que ocorrem algumas sessões espíritas, afastando a acção dos mortos, dizendo: «a carne que, sob o império duma sugestão, só pelo inconsciente do hipnotizado, se infla, incha, entumesce, bolsa serosidades, pús e vem a furo – apenas porque o paciente crê que uma simples estampilha de correio é um verdadeiro caustico farmacêutico – também poderá sofrer outras transformações de ordem física ou biológica, sob a influência do mesmo inconsciente (...) apenas se dá conta dum sensitivo em estado de transe ou de hipnose, com o seu subconsciente livre ou sob o pensamento de experimentadores dispostos para um fenómeno que, intensa e insistentemente, pretendem ver realizado». 
Sensivelmente nesta época, mais precisamente em 1923, um autor e pintor alemão, Bô Yin Râ, publicava uma obra intitulada Okkulte Rätzel, Enigmas Ocultos, onde se debruça sobre as artes mânticas ou adivinhatórias, com um capítulo dedicado à hipnose, no qual adverte dos perigos a que se encontra sujeita quem hipnotiza e quem é hipnotizado, descrevendo alguns aspectos subtis desse estado anormal da consciência e dando outra luz, outro ângulo de visão, bem complementar para a elucidação da questão.
A maior originalidade do contributo de Bô Yin Râ é considerar que não é sobretudo uma vontade a influenciar outra vontade e consciência mas o facto de ocorrer um corte ou diminuição entre a vontade cerebral do hipnotizado e o seu corpo, havendo como que uma anestesia dos impulsos da vontade do cérebro para o corpo, tornando-se o hipnotizado como um médium e logo sendo influenciável por subtis entidades eterico-astrais de todo o tipo.
E como os desejos conscientes ou inconscientes dos dois interventores se tornam centros energetizáveis por tais entidades, tudo pode acontecer de mensagens, visões e fantasiosas vidas passadas, tão bem imaginadas que acabam por serem creditadas como provindas de um nível transpessoal ou espiritual.
Mas o problema maior será que tais entidades subtis passam a explorar as energias tanto do hipnotizado como do hipnotizador, sobretudo quanto mais é praticada a hipnose e quanto mais se acentua o laço que liga ou prende o hipnotizador e o hipnotizado e afecta ambos reciprocamente.
Algo disto se passa em certos grupos ocultistas, de yoga ou de nova Era, em que os mestres ou professores «instruem as suas vítimas em sessões que na realidade não são mais do que uma série de mais ou menos disfarçadas anestesias hipnóticas, gradualmente enlaçando as vítimas de tal modo que ficam praticamente sem o poder da sua própria vontade».
Contudo para Bô Yin Râ o pior está no facto que com cada sessão de anestesia hipnótica mais separação há entre a vontade e o cérebro da pessoa hipnotizada, pelo que esta vai ficando cada vez mais permeável a todo o tipo de influências e perdendo o controlo do seu cérebro.
Também terapeuticamente os eventuais defeitos de personalidade, que se tentam tratar pela hipnose e que deveriam ser trabalhados pelo esforço da pessoa, e assim fazê-la desenvolver a sua alma, acabam por não ser alterados pela acção do substracto interior voluntarioso e antes diminui-se o poder da vontade própria e do eu no controle do cérebro e do corpo.
Concluamos este texto, já algo longo para a média de leitura actual, alertando para se ter muito cuidado com a hipnose, não se recomendando praticamente a ninguém e muito menos por curiosidade e pelas miragens das regressões e das fantasiosas vidas passadas.
E cuidado redobrado com os vários gurus e pastores de seitas que manipulam ou tentam hipnotizar os devotos e fiéis explorando-os por vários modos e acabando por ficarem todos sob influências invisíveis de egrégoras e entidades bem mais negativas do que as aparentes palavras, sermões e "satsangas" de amor deixariam suspeitar...
Saibamos aspirar à verdade, e discernir e trilhar bem os caminhos de luz, e não abdiquemos da nossa individualidade e livre arbítrio...
                                        Pintura de Bô Yin Râ, no livro Welten, Mundos.

domingo, 1 de setembro de 2019

Alcobaça sagrada. O Amor em Inês e D. Pedro e nos Anjos. 2ª parte.

Quando um grande amor é cortado  precocemente na terra é oportuna a intervenção angélica para apaziguar as almas feridas e separadas e muitos  ritos religiosos inserem-se nessa tentativa de serenarem-nas e orientarem-nas para estados conscienciais menos emotivos e mais lúcidos e universais, caracteristicamente vividos pelos Anjos e grandes Seres...
Os escultores de Alcobaça dos túmulos de Inês e de Pedro conseguiram cumprir essa tarefa exemplarmente e poderemos crer que com a sua materialização no calcário moldável do amor imutável, Inês (1355) e Pedro (1367) avançaram nos mundo espirituais mais harmonizados, menos revoltados  e calmos e clarividentes com os Anjos,  celebrados e esculpidos como os que os acompanharam mais de perto  para além do mundo físico e da morte trágica e traiçoeira, guiando-os  para a reunião e rumo à Fonte de Luz e Amor divinos.
Pedro testemunha o seu amor intenso, Inês responde que viverão em amor perenemente e os anjos abrem as pregas do seu manto azul celestial de rainha para que a sua alma espiritual divina brilhe assim na terra como no céu...
 É como numa barca, de Ísis ou da Senhora da Boa morte, que Inês navega da terra e se interna nesse além oceano misterioso e ao princípio tenebroso mas que a breve trecho dá lugar à Luz e à Paz que a companhia dos Anjos mais intensifica.
 As duas vias principais nas quais nos internamos quando mal ou bem procedemos foram alegorizadas neste painel facial como o caminho para o inferno e o caminho para o paraíso, aquele considerado como o local sem luz e sem ligação com Deus, este último como o da beatitude e da comunhão amorosa e luminosa entre os seres humanos e na sensação, presença ou contemplação de algo de Deus.
 Para os portugueses e ocidentais dos séculos XIV e XV certamente que as principais referências de vidas exemplares eram a vida de Jesus e as dos santos e santas, e assim se representavam nos frontais (laterais) do túmulo ou bombordo da embarcação mágica do final da vida tais exempla.
O cerne da viajem era contudo individual e interior e com que suavidade, amor e poder os Anjos afeiçoam a cabeça de Inês e lhe transmitem a vibração justa, orientando-a para a Luz Divina, de modo a que a sua alma espiritual consiga passar através dos remoinhos astrais e elevar-se nos planos subtis e espirituais, em perdão e em amor-paixão-adoração-união.
 No chakra da cabeça, o mais subtil e difícil de ser trabalhado, vemos traçado uma cruz templária, ou uma cruz e flor octogonal, de forma perfeita, assinalando até que ela foi um mártir, uma crucificada pelas razões do Estado e pelas forças e seres do anti-Amor...
 O ponto central do ser, da cabeça e do espírito irradia e comunga com o Cosmos pelos oito raios que fluem em oito míticas direcções do espaço, gerando bem-aventuranças por tais capacidades e qualidades sentidas e desenvolvidas. Os mestres escultores coroaram  o chakra superior da alma de Inês com todo este potencial e programa psico-mórfico e  certamente tanto na época como ainda hoje tal simbolismo opera, emana...
 A paixão de Jesus e de Madalena, além de Maria e João, está invocada na zona facial do túmulo provavelmente não só como invocação católica mas sobretudo abrindo uma espaço de tradição crística: Inês foi também um ser sacrificado e ungido, este ungimento feito primeiro pelo Amor que os uniu e depois pelo rei D. Pedro  no beija-mão real e coroamento e na encomenda final aos mestres canteiros de Alcobaça desta obra prima. E por todos os que têm vibrado ao longo dos séculos em empatia de amor com ela...
 Coroada pelo rei e a nação e sacralizada pelos espíritos celestiais que a acompanham, Inês é a alma transfigurada pelo Amor pleno...
Diz o Amor à Amada: Desta altura em que nos encontramos vejo que o rio chegou ao Oceano, e os nossos seres ao Ser...
                           
Santa, mil vezes santa é a alma que chegou ao fundo do seu coração e encontrou a fonte do amor borbulhante e nela se deixou arder e do seu Graal deu a beber o fogo do Espírito...
Eis a vera efígie de Inês...
"Dobrei a minha face com as mãos juntas nela e invoquei o Amor e a Divindade, ousando erguer a visão em adoração..."
A visão espiritual e a elevação da vibrações, a entrada no coração e a expansão da consciência são muito necessárias para a preservação do estado de amor e de unidade...
A disposição dos dois túmulos separados nos dois braços do transepto da igreja é discutível, tanto mais que inicialmente foram erigidos juntos, D. Pedro dando a direita a Inês, sua alma-gémea e sua reintegração na Unidade Divina. 
Embora com tal disposição separada se fortifique a polaridade, encarnando-a na própria igreja, podemos pensar que o Rei e o Amor se tinham querido mais juntos, embora certamente o verdadeiro Amor vença todas as distâncias, do espaço e do tempo...
 
A vasta nave que liga a terra e o céu e onde oramos diz-nos que a natureza aborrece o vazio e que no aparentemente nada existe todo um mundo de vibrações e energias, formas, cores e sons que celebram e comunicam o mistério do Amor e de Deus, e dos espíritos que comungam com eles,  como Pedro e Inês....
Gate, gate, paragate, parasamgate, bodhi swa, reza o mantra budista impulsionando no seu avanço para a Luz quem passou para além da ilusória vida e vive já mais no Amor, na Sabedoria e na Paz.
A fotografia mostra-nos como temos de concentrar-nos e de focarmos bem para sentirmos mais e comungarmos o Amor Divino e perene que nos percorre e anima...
Amor...