sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 2ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota por António Paiva.

                                          

António Paiva deu à luz, na editora  Espiral, o livro O Rosto e a Obra, com doze entrevistas a pessoas ligadas à new age, astrologia, ocultismo, esoterismo, espiritualidade. Realizadas oralmente em 2014, com limitações, os entrevistados foram convidados em 2019 a ampliá-las e eis um livro com  contributos valiosos. E como ele constatou uma venda confinada lenta, eis-me a partilhar mais algumas páginas d' O Rosto e a Obra, um bom presente de Natal...

«António Paiva – Mas tens reconhecido algumas memórias, energias ou partículas que te cumpra salientar? Uma herança ou um desafio que esteja presente nos teus dias de hoje?

Pedro Teixeira da Mota – Nós recebemos vários tipos de heranças, uma genética, familiar, mas não só de cromosomas e biológica mas também das tais forças anímicas ou psíquicas, com muitas nuances, desde tendências a aspirações e que se manifestam nos campos das actividades, gostos, cultura, religião e espiritualidade, além de uma herança ou contribuição dos campos psicomórficos, geográficos, ambientais e temporais que nos envolvem local, nacional e planetariamente.                                                                                 Embora a minha abrangência e sensibilidade tenda ao universal, e por isso (e também como resultante) peregrinei bastante, a base nacional é portuguesa, do Entre Douro e Minho e lisboeta, e religiosamente cristã. Mas familiarmente, pelos meus pais, e mais pelo lado Noronha da minha mãe, existiam ligações à Índia, pois desde a 1ª viagem de Vasco da Gama que houve antepassados a realizar tal união e a partir do começo do século XVIII houve um ramo que estabilizou na Índia, tendo a minha avó ainda nascido em Panjim. 

Portanto, é natural haver algo profundo no inconsciente, fruto de memórias genéticas e das tais forças anímicas, e que presente no meu ser terá contribuído para sentir um apelo do Oriente, o qual me levou a aprender judo, karate e depois Yoga, com o pioneiro prof. António Pedro, e a interessar-me pela sabedoria indiana. Quando terminei o curso de Direito, face a um súbito convite no centro da Europa, após umas conferências espirituais, parti para a Índia à boleia e vivi, da primeira vez, três meses, regressando por terra e, depois, fazendo o mesmo, para um novo ano. Bastante mais tarde voltei a viver outro ano na aura indiana, metade em Calcutá.              Esta afinidade com a Índia pode portanto ser genética, e também o resultado de transmissões de subtis forças anímicas e ainda das leituras (tal como em jovem a da vida ou Evangelho de Sri Ramakrishna e a Autobiografia de um Yogi, de Paramahansa Yoganananda), afinidades e ressonâncias sem que tenha de ir para o determinismo de vidas anteriores e de reencarnações pessoais.

Penso que podemos ter características provindas de passagens por outros níveis de vida no Cosmos e do tipo do nosso afastamento da ligação Divina, não sendo pois obrigatório explicar as nossas características, o nosso karma, pela reencarnação ou metempsicose na Terra.                                                                                               O Cosmos é tão multidimensional que podemos passar para outras dimensões e não termos de fazer um percurso tão prolongado como geralmente se entende no processo de reincarnações, por vezes imensas e tão mirabolantes, tal como clarividentes, ou melhor pseudo-clarividentes, têm descrito, nisso se distinguindo o teósofo Charles Leadbeatter, que arrastou atrás de si a presidente da Sociedade Teosófica Annie Besant, distinguindo-se nas fantasiadas vidas anteriores de Alcyone ou Krisnamurti, e tendo ainda hoje muitos seguidores ou imitadores mistificantes, sempre a verem reincarnações de altas personalidades, ou a canalizarem mensagens de nível fraco e contudo de autorias pomposas.                             Penso que, com humildade e aspiração, será melhor não nos deslumbrarmos com reincarnações nem nos limitarmos com o sobreviver animal mas sobretudo realizarmos o que sentimos poder fazer de melhor e de mais valioso - a nossa missão - e simultaneamente tentar atingir o máximo de evolução espiritual possível, pela vida abnegada e justa e pela abertura e comunhão com a nossa identidade real e os mestres e anjos e a Divindade.             Deste modo não nos iludiremos com as patranhas hipnotizantes dos outros que estão, ou se dizem estar no Caminho, ou dos meios de informação, e não nos agarraremos às coisas que gostamos mais na Terra, que nos interessam mais ou que gerámos, e estaremos assim mais despreendidos e livres quando chegar a altura de partir.               A procura da verdade em relação à alma e espírito mostra-nos ainda que o espírito, a centelha divina, é o observador, e está acima dos prazeres e dores, da atracção e repulsão, sendo a alternância destes pares de opostos o que caracteriza mais a vida da alma, com os seus conflitos e sucessos, e o que leva a personalidade e o corpo atrás de si.                                                                                                        Nos momentos de meditação e de desprendimento, os opostos em nós, tal como medos e desejos, serenam, acalmam e deixam vir ao de cima a tão necessária visão interior. Assim fortalecemos a nossa identidade espiritual, desidentificamo-nos das aparências e dos contrários e vamo-nos alinhando e fortalecendo para entrar mais luminosos no mundo espiritual.                                                     Embora estejamos quase todos envolvidos no que se passa mundialmente, nacionalmente, familiarmente e nas nossas vidas individuais, devemos contudo desprender-nos de tais laços e cultivar na consciência estados mais silenciosos e puros e até mais cósmicos. Isto foi chamado pela tradição perene, desde o tempo dos órficos e pitagóricos, “saber morrer em vida”, donde derivava também o dito “morrer é ser iniciado”, que entre nós Antero de Quental, Joaquim de Araújo e Fernando Pessoa glosaram, poetizaram, como tenho destacado em alguns artigos no blogue. A Arte de bem morrer, foi outra linha de trabalho interno desenvolvida a exemplo das outras religiões no Cristianismo  e que por exemplo Erasmo de Roterdão ensinou com qualidade numa ou outra obra, tal como eu refiro na tradução que fiz, com Álvaro Pereira Mendes, do Modo de Orar a Deus, acrescentando-lhe extensos comentários e uma biografia deste notável humanista, tão moderno e exemplar na sua lucidez crítica, piedade douta e independência... 

                                    
Somos todos peregrinos de um cosmos divino, do qual sabemos pela ciência dos níveis infinitesimais de partículas, ondas e anti-matéria, ou pela astrofísica das suas dimensões galácticas, mas que  graças às meditações, às intuições e ao que os grandes seres nos dizem ou transmitem poderemos sentir, intuir e contemplar nos níveis psico-espirituais, interiores e subtis.»

                                         Pintura de Bô Yin Râ

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