segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 5ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota por António Paiva.

          Sarada Devi, a mulher de Ramakrishna, como corporização da Shakti, num Sri Yantra

  Eis-nos na quinta parte (das talvez 17) da entrevista, primeiro oral e depois ampliada  livremente para constituir o livro O Rosto e a Obra 12 entrevistas pelo António Paiva, editado pela Espiral. Agora ao partilhar no blogue também modifiquei ou ampliei, um pouco...

António Paiva – Essas pessoas [da nova Era] procuraram viver mais do que apenas saber?

Pedro Teixeira da Mota – Há vários níveis de saber, de conhecer e certamente viver-se o que se sabe, levá-lo à prática, assumi-lo, é fundamental. Podemos dizer que houve tanto os que aprofundaram o saber, como por exemplo nas relações da Física moderna com as antigas Religiões orientais, tais como David Bohm, Jean Charon, Fritjof Capra e outros, como os que valorizaram os aspectos de acção e da experiência interna, esta frequentemente realizada em grupo ou em comunidade, e destacaram-se em tal associações na Califórnia, como o Instituto de Esalem, e as dos gurus indianos e seus ashrams. Simultaneamente, começaram a constituir-se ensinamentos, doutrinas, mensagens e mestres com um saber discutível e frequentemente incomprovável a predominar, nomeadamente as histórias de vidas passadas, onde se destacou, além do famigerado reverendo teosofista Leadbeater, o Edgar Cayace, (visionário de vidas nas civilizações antigas da Lemúria e da Atlântida), as prodigiosas iniciações, as canalizações de extra-terrestres, os mundos intra-terrenos, etc., perdendo-se frequentemente o caminho mais simples e directo do auto-conhecimento, da meditação, da religação espiritual.
O que é verdadeiramente o saber que devemos procurar é uma questão a pôr-se. Até que ponto o S. Tomás de Aquino na sua Summa Theologica, considerada a grande suma, no sentido de concentração do pensamento medieval católico, era mesmo um saber essencial, verdadeiro, perene, ou era antes meramente mental, intelectual, formal, já que ele tem quase no fim da sua vida uma ou duas revelações interiores, no fundo visões meditativas, e diz que tudo o que tinha escrito era como palha face ao que vira e realizara?
São portanto as dimensões internas, subtis, espirituais, universais, que ao longo dos séculos místicos, gnósticos,  mestres espirituais e yoguis conseguiram vislumbrar, alcançar ou viver, que alguns seres e grupos da New Age pretenderam realizar, estudar e continuar, infelizmente em muitos casos com bastante superficialidade e falta de seriedade, e com maior ou menor sucesso.
Podemos dizer ainda que uma das fontes ou raízes históricas das movimentações da nova, Aquariana, pouco conhecida, fora em 1893 o Parlamento das Religiões do Mundo, realizado em Chicago, onde estiveram numerosos especialistas, sacerdotes e líderes religiosos, embora com predominância dos ocidentais também teve bastantes orientais, dos quais o que veio a ser mais conhecido foi sem dúvida Swami Vivekananda, o discípulo do grande místico indiano sri Ramakrishna e de sua mulher Sarada Devi...
Foi um estímulo para as pessoas ocidentais, e particularmente as norte-americanas, saírem duma polarização excessiva no protestantismo e  catolicismo, no materialismo e  mecanicismo. Entretanto, mundialmente, foi brotando uma diversidade grande de propostas de aprofundamento do auto-conhecimento, com múltiplas práticas psico-somática e doutrinas e métodos espirituais, e poderemos nomear (omitindo alguns fatalmente) na primeira metade do séc. XX, e depois já na segunda, Rudolf Steiner, Gurdjieff, Bô Yin Râ, Nicholai Roerich, Carl Gustav Jung, Conde de Keyserling (que chegou a vir a Portugal e Fernando Pessoa a escrever-lhe uma carta-desafio, que eu publiquei pela 1ª vez no livro A Grande Alma Portuguesa), Alice Bailey, Paul Masson Oursel, Jean Herbert, Aldous Huxley, Krishnamurti, Wilhelm Reich, Aleister Crowley (da via esquerda, mas que impressionou muito Fernando Pessoa) Robert Assaglioli, Allan Watts, Erich Fromm, Buckminster Fuller, Carlos Castaneda, Renée Guénon,  Julio Evola, Henry Corbin, Louis de Massignon, Giuseppe Tucci, os búlgaros Peter Deunov e Omraam Aïvanhov, Lanza del Vasto, Bede Griffiths, John Blofeld (dos melhores sobre o Taoísmo), ou ainda orientais como Rabindranath Tagore, Kalil Gilbran, Sri Aurobindo, Paramahamsa Yogananda, Ananda Coomaraswamy, Gurudev Ranade e Gopinath Kaviraj, Swami Yogeshawaranand Saraswati, Dalai Lama e Trungpa Rimpoche (com a sua crítica ao “materialismo espiritual” contemporâneo), ou os mais populares Shivananda e Vishnudevananda, Sri Anandamurti, Sri Chinmoy, Mahesh Yogi, Guru Marahaj e Osho. 
Do Extremo Oriente nipónico, Daisetsu Teitaro Suzuki, iniciando a partilha maior do Zen, e George Oswava, Michio Kushi e Tomio Kikushi, estes abrindo a ligação à macrobiótica, ao Yin e o Yang e aos cinco elementos chineses, e daí a acupunctura e o shiatsu, que se juntaram às bio-energias e outras terapias corporais, para libertarem as pessoas de muita rigidez e condicionamento.
A partir destes catalizadores, uns bem mais sãos, profundos e verdadeiros que outros, foram-se  gerando ondas de despertar individual a vários níveis, com muitas pessoas a melhorarem, a expandirem os seus conhecimentos, a curarem-se e a vivenciarem níveis mais profundos e subtis de si e do universo.
Daí que tenha surgido, como tu dizes, um arco-íris multifacetado, por vezes fascinante mas também com muitos aspectos claramente de superficialização, comercialismo, manipulação e alienação, algo que neste século XXI tem predominado devido à difícil sobrevivência a que as pessoas estão submetidas, ao crescente desassossego e uma certa ausência de discernimento profundo dos melhores valores e caminhos. Disto resulta as pessoas poderem ficar enlaçadas ou presas em pseudo-instrutores ou mesmo pseudo-mestres e iluminados, como hoje em dia tanto formigam, em especial na USA e nos domínios da não-dualidade, do Advaita, mas também no Brasil e na Europa, ou ser-se explorado e iludido com tanta variedade de canalizações, merkabas, reconexões, regressões, coachings, leituras de aura e curas quânticas...

AP – Há pois, no teu entender, a necessidade de termos bastante cuidado nas abordagens nova Era e espiritualistas?

PTM – Sim, cuidado, discernimento e coragem, pois em muitos dos grupos os participantes estão iludidos ou mesmo vigarizados por instrutores pouco harmonizados e realizados humana e espiritualmente,   meramente papagueando o que os fundadores deixaram por escrito (e que frequentemente é incomprovável, ou os autores de que mais gostam ou lhes dá mais jeito, muitas vezes achando que detém a verdade e que não podem ser questionados. E sair de tais grupos, onde em geral se fazem muitas amizades, é difícil, pois há vários medos...
Temos de nos manter atentos e discernir bem o que é que cada pessoa realizou dentro de si, tem em si. Quais são as energias predominantes, quais as ligações que ela tem mesmo aos mundos espirituais e subtis, ou a que entidades, e quais serão consequentemente os efeitos que vai ter dentro de nós um ensinamento qualquer, uma associação a uma pessoa, instrutor ou mestre. Discernirmos se tal instrutor está mesmo a impulsionar-nos na harmonização psico-somática, na realização espiritual e na ligação divina, ou se está a encher-nos a mente de fantasias, ou de grandes esquemas mentais e a prender-nos, desviar-nos da nossa verdadeira realização...
"Nem tudo o que luz é ouro", diz o nosso provérbio popular, e onde se fala muito de amor, de grandes iniciações, canalizações, mestres ascensos, pleidianos, frequentemente são apenas miragens, ilusões, manipulações colectivas a que as pessoas se entregam ou se deixam enredar e quase hipnotizar, em vez de se unificar, libertar, harmonizar, plenificar...
 

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