quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Bede Griffiths, um dos mestres da aproximação do Hinduísmo e Cristianismo e da metafísica do Ocidente e Oriente. Com um filme da sua vida, " A Human Search".

Bede Griffiths, nasceu em 1906, no Surrey, Inglaterra e, após algumas dificuldades familiares mas já com alguma abertura ao divino na Natureza, impulsionado até pela leitura dos poetas românticos, tal William Wordsworth e a religião cósmica, conseguiu entrar na universidade de Oxford em Literatura e Filosofia, tenho estabelecido uma boa relação com o importante filósofo católico C. S. Lewis. Saiu licenciado em jornalismo, mas na época da grande recessão entrou antes numa experiência de um ano de regresso à natureza em comunidade com dois amigos, com vacas leiteiras e a leitura da Bíblia e literatura cristã, sentindo forte o chamamento à vida religiosa. Enviaram-no para uma missão de trabalho nos bairros mais pobres, que se tornou tão difícil  que o levou a ter uma experiência de conversão forte ao Amor divino.       Nascido numa família protestante e algo anti-católica, encontrou apoio na obra do cardeal Newman, que se convertera de protestante em católico, para vencer a oposição da mãe e e as suas dúvidas e entrar em 1931 na Ordem Beneditina, atraído também pelos seus suaves cânticos gregronianos e os ritmos das sete vezes de oração diária, sendo ordenado como sacerdote  beneditino em 1940.                        De 1947 a 1955 orientou alguns mosteiros e foi o mestre hospedeiro de um deles onde conheceu um psicoterapeuta discípulo de Jung que conhecia bem a literatura espiritual indiana e a meditação, introduzindo-o nesse mundo. Mas foi através de um padre  europeu Appalat, mas descendente de família de Kerala, que queria abrir um mosteiro na Indía, que decidiu entrar na aventura indiana. 

                 Jules Monchanin e o "jovem" Bede Griffith ladeando um bispo

              Três dos pioneiros do diálogo e síntese vivencial e interior hindu-cristã.

Após as tentativas em três lugares diferentes do sul da Índia, em zonas antigamente evangelizadas pelos portugueses, e já tendo assumido o estatuto de sannyasi, de monge renunciante a todas as identificações, e vestido à indiana de ocre, tal como os da época dos Descobrimentos Roberto da Nobili e  S. João de Brito, entra em 1968 no ashram Sat Chit Ananda (Ser Consciência Felicidade), fundado em 1950 por dois monges beneditinos, os franceses Dom Henri Le Saux, que tomou o nome de Abhshiktananda (Ungido na Felicidade), e o abade Jules Monchanin (swami Parama Arubi Anandam),  e manterá vivo esse ashram cristão, também denominado como local Shantivanam (Abóbada de paz), perto de Tiruchirapalli, que se tornará um ponto de peregrinação e vivência comunitária para muita gente, e assim quando lá passei o Natal, estava também a secretária do cardeal D. Helder da Câmara, bem como alguns peregrinos ou yogis ocidentais. Anote-se contudo que já em 1941 havia mais de uma dúzia de ashrams cristãos importantes, a partir da acção de Sadu Sundhar Sing, Rev. C. F. Andrews e do "Rethinking Group of Madras".                          Escreveu mais de uma dúzia de livros sobre as semelhanças e a unidade entre o Cristianismo e Hinduísmo (em especial a Vedanta), e destacarei os que li quando estava no seu ashram, Return to the Centre, de 1976, e New Vision of Reality. Western Science, Eastern Mysticism and Christian Faith, de 1992 (em cujo prefácio agradece a influência maior de Fritjof Capra, e ainda de Ken Wilber, Rupert Sheldrake e Michael von Brück). Foi bastante longe (na linha dos seus dois predecessores) na realização e compreensão da unidade espiritual e científica subjacente às religiões e à realidade, colaborando no crescente diálogo inter-religioso mundial na sua longa vida de 86 anos, estando bastante gravado e preservado em vídeos, e poderá vê-lo no final deste texto no filme que lhe foi dedicado e que é uma autobiografia e testamento espiritual. 

Foi após um ataque cardíaco forte em Janeiro de 1990, e uma cura-recuperação algo miraculosa num mês (entregando-se à Mãe Divina, como ele narra após ter ouvido interiormente...), que fez a sua última viajem pela Europa e pela USA. Quando regressou em Outubro de 1992 tinha a equipa de realização do filme, que pode ver no fim, à sua espera. Uns dias depois de findarem as filmagens teve outro ataque de coração e pouco depois, significativamente a 13 de Maio de 1993, deixava a Terra. E digo significativamente porque ele se abriu e entregou bastante ao princípio Feminino Divino, que tem em Maria uma das suas manifestações mais veneradas, e que em Portugal e no mundo é celebrado fortemente a 13 de Maio, acrescentando por curiosidade, que num  anoitecer no ashram cabendo-me partilhar alguma canção portuguesa, lá consegui entoar a parte inicial do "a 13 de Maio na cova de Iria..."                                                                                        Baseado no precededente do neo-platonismo de Plotino adaptado pelos cristão S. Gregório de Niza e Dionísio Aeropagita, Bede Griffith considerava que seria bom desenvolver-se uma espiritualidade cristã-indiana, recorrendo à imensa sabedoria indiana, que considerava de uma profundidade superior à grega, tendo a estudado bastante e citando-a constantemente em todas as suas obras, em especial extractos dos Upanishads e da Bhagavad Gita. Valorizava, como dissemos, o aspecto feminino de Deus, que considerava faltar na religião católica e tentando ultrapassar a oposição da vida activa e vida contemplativa, simbolizada nos Evangelhos nas duas irmãs e discípulas próximas de Jesus, Marta e Maria, dir-nos-á: «A contemplação é um hábito da mente que permite à alma manter-se num estado de recolhimento na presença de Deus qualquer que seja o trabalho em que está ocupado». E assim havia todos os dias, além das meditações, orações e cantos em comum, o Karma Yoga para os visitantes do ashram. Entre os trabalhos que me couberam, um deles foi pôr sal em covas junto às palmeiras que se tinham plantado junto a um frondoso e invulgar eucaliptal, nas margens do  belo e inspirador rio Kavery...                                                                         Com ele dialoguei algumas vezes, quando passei esse mês no seu ashram, em que tanto as actividades do dia a dia, como as leituras religiosas na missa e as celebrações  e canções diárias combinavam bem o cristianismo e os contributos indianos, que ele com grande sinceridade estudava e demandava na sua busca ou já mesmo apenas partilha da sua síntese e realização filosófica, religiosa e espiritual... 

Já em Portugal recebi um postal dele, no belo portal do ashram, no qual dá valiosas respostas a algumas perguntas minhas: «Querido Pedro. Obrigado pelo seu postal. Estamos mantendo-nos aqui todos bem, e muitos visitantes, como o Pedro, tanto chegam como vão. Sim, eu veria em Jesus a suprema manifestação de Deus no ser humano, mas reconheço outras manifestações em Budha, Rama e Krishna e noutros homens santos. De facto, há na manifestação - uma imagem- de Deus em cada ser humano e Cristo é a perfeita imagem de Deus nos seres humanos na qual todos encontram satisfação ou realização (fulfilment). Com os melhores votos para os anos que vêm, seu sinceramente em Cristo, P. Bede...» 

O filme, embora em inglês para quem não o saiba, tem imagens muito belas da vida rural e religiosa ainda típica, e da fusão do hinduísmo e cristianismo, no sul da Índia...            Aum Amen Hum!

                   

3 comentários:

Maria Melo disse...

Muito grata pela interessante partilha.

Maria Melo disse...

Muito grata pela interessante partilha. Obrigada.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Muitas graças também, Maria, pela sua sensibilidade afim. Boas realizações. Aum...