Jules Monchanin e o "jovem" Bede Griffith ladeando um bispo
Três dos pioneiros do diálogo e síntese vivencial e interior hindu-cristã.
Após as tentativas em três lugares diferentes do sul da Índia, em zonas antigamente evangelizadas pelos portugueses, e já tendo assumido o estatuto de sannyasi, de monge renunciante a todas as identificações, e vestido à indiana de ocre, tal como os da época dos Descobrimentos Roberto da Nobili e S. João de Brito, entra em 1968 no ashram Sat Chit Ananda (Ser Consciência Felicidade), fundado em 1950 por dois monges beneditinos, os franceses Dom Henri Le Saux, que tomou o nome de Abhshiktananda (Ungido na Felicidade), e o abade Jules Monchanin (swami Parama Arubi Anandam), e manterá vivo esse ashram cristão, também denominado como local Shantivanam (Abóbada de paz), perto de Tiruchirapalli, que se tornará um ponto de peregrinação e vivência comunitária para muita gente, e assim quando lá passei o Natal, estava também a secretária do cardeal D. Helder da Câmara, bem como alguns peregrinos ou yogis ocidentais. Anote-se contudo que já em 1941 havia mais de uma dúzia de ashrams cristãos importantes, a partir da acção de Sadu Sundhar Sing, Rev. C. F. Andrews e do "Rethinking Group of Madras". Escreveu mais de uma dúzia de livros sobre as semelhanças e a unidade entre o Cristianismo e Hinduísmo (em especial a Vedanta), e destacarei os que li quando estava no seu ashram, Return to the Centre, de 1976, e New Vision of Reality. Western Science, Eastern Mysticism and Christian Faith, de 1992 (em cujo prefácio agradece a influência maior de Fritjof Capra, e ainda de Ken Wilber, Rupert Sheldrake e Michael von Brück). Foi bastante longe (na linha dos seus dois predecessores) na realização e compreensão da unidade espiritual e científica subjacente às religiões e à realidade, colaborando no crescente diálogo inter-religioso mundial na sua longa vida de 86 anos, estando bastante gravado e preservado em vídeos, e poderá vê-lo no final deste texto no filme que lhe foi dedicado e que é uma autobiografia e testamento espiritual.
Foi após um ataque cardíaco forte em Janeiro de 1990, e uma cura-recuperação algo miraculosa num mês (entregando-se à Mãe Divina, como ele narra após ter ouvido interiormente...), que fez a sua última viajem pela Europa e pela USA. Quando regressou em Outubro de 1992 tinha a equipa de realização do filme, que pode ver no fim, à sua espera. Uns dias depois de findarem as filmagens teve outro ataque de coração e pouco depois, significativamente a 13 de Maio de 1993, deixava a Terra. E digo significativamente porque ele se abriu e entregou bastante ao princípio Feminino Divino, que tem em Maria uma das suas manifestações mais veneradas, e que em Portugal e no mundo é celebrado fortemente a 13 de Maio, acrescentando por curiosidade, que num anoitecer no ashram cabendo-me partilhar alguma canção portuguesa, lá consegui entoar a parte inicial do "a 13 de Maio na cova de Iria..." Baseado no precededente do neo-platonismo de Plotino adaptado pelos cristão S. Gregório de Niza e Dionísio Aeropagita, Bede Griffith considerava que seria bom desenvolver-se uma espiritualidade cristã-indiana, recorrendo à imensa sabedoria indiana, que considerava de uma profundidade superior à grega, tendo a estudado bastante e citando-a constantemente em todas as suas obras, em especial extractos dos Upanishads e da Bhagavad Gita. Valorizava, como dissemos, o aspecto feminino de Deus, que considerava faltar na religião católica e tentando ultrapassar a oposição da vida activa e vida contemplativa, simbolizada nos Evangelhos nas duas irmãs e discípulas próximas de Jesus, Marta e Maria, dir-nos-á: «A contemplação é um hábito da mente que permite à alma manter-se num estado de recolhimento na presença de Deus qualquer que seja o trabalho em que está ocupado». E assim havia todos os dias, além das meditações, orações e cantos em comum, o Karma Yoga para os visitantes do ashram. Entre os trabalhos que me couberam, um deles foi pôr sal em covas junto às palmeiras que se tinham plantado junto a um frondoso e invulgar eucaliptal, nas margens do belo e inspirador rio Kavery... Com ele dialoguei algumas vezes, quando passei esse mês no seu ashram, em que tanto as actividades do dia a dia, como as leituras religiosas na missa e as celebrações e canções diárias combinavam bem o cristianismo e os contributos indianos, que ele com grande sinceridade estudava e demandava na sua busca ou já mesmo apenas partilha da sua síntese e realização filosófica, religiosa e espiritual...
Já em Portugal recebi um postal dele, no belo portal do ashram, no qual dá valiosas respostas a algumas perguntas minhas: «Querido Pedro. Obrigado pelo seu postal. Estamos mantendo-nos aqui todos bem, e muitos visitantes, como o Pedro, tanto chegam como vão. Sim, eu veria em Jesus a suprema manifestação de Deus no ser humano, mas reconheço outras manifestações em Budha, Rama e Krishna e noutros homens santos. De facto, há na manifestação - uma imagem- de Deus em cada ser humano e Cristo é a perfeita imagem de Deus nos seres humanos na qual todos encontram satisfação ou realização (fulfilment). Com os melhores votos para os anos que vêm, seu sinceramente em Cristo, P. Bede...»
O filme, embora em inglês para quem não o saiba, tem imagens muito belas da vida rural e religiosa ainda típica, e da fusão do hinduísmo e cristianismo, no sul da Índia... Aum Amen Hum!
3 comentários:
Muito grata pela interessante partilha.
Muito grata pela interessante partilha. Obrigada.
Muitas graças também, Maria, pela sua sensibilidade afim. Boas realizações. Aum...
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