quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Sa'adi, e a sabedoria perene do Irão. "Gulistão", 7ª e 8ª histórias. Da palavra e da voz justa.

                            Nour

Entremos em mais algumas das histórias do Jardim das Rosas, de Sa'adi, aqui representado numa iluminura no seu jardim de rosas...

 «Um pregador imaginava que a sua miserável voz era agradável e erguia berros de tal modo desnecessários que tu dirias que o corvo da separação se tinha tornado a tonalidade do seu canto. Até este verso –  "a mais detestável das vozes é certamente a voz dos burros" – parece aplicar-se a ele, tal como também lhe diz respeito este dito:

Quando o pregador Abu –al- Fares zurra
Mesmo ao pedir a Deus dará  saltos.

Devido à posição religiosa que ele ocupava os habitantes da povoação submeteram-se à provação e não pensaram que fosse adequado criticarem-no.   Todavia, com o decorrer do tempo, outro pregador daquela região, e que mantinha uma inimizade secreta contra ele, chegou numa visita e disse-lhe: “Tive um sonho contigo, possa ele terminar bem!” - "O que sonhaste? “ - "Sonhei que a tua voz se tornara muito agradável e que as pessoas se sentiam  bem nos teus sermões”. O pregador reflectiu um pouco  sobre tais palavras e disse-lhe: “Tu sonhaste um sonho abençoador porque me tornaste consciente do meu defeito. Fiquei a saber que tenho uma voz desagradável e que as pessoas sentem desagradável a minha recitação em voz alta. De acordo com isto, determinei de que a partir de hoje não me dirigirei mais a elas sem ser numa voz controlada.”

Não gosto da companhia dos amigos
A quem as minhas qualidades más parecem boas.
Eles fantasiam que as minhas faltas são virtudes e perfeição.
E os meus espinhos consideram serem rosa e jasmim.

Responde-me: - Onde está o ousado e veloz inimigo
Que me torne consciente dos meus defeitos?
Aquele a quem as faltas ou defeitos não são ditas,
Ignorantemente imagina que eles são virtudes…. 

História:    «Um homem com uma voz desagradável estava a realizar a leitura do Corão, quando um homem piedoso passou ao lado e perguntou-lhe quanto é que ele auferia de salário mensal. Ele replicou: “Nada”. Ele interrogou-o ainda: “Então porque é que assumes esse trabalho?” Ele respondeu: “Estou a ler por causa de Deus”. Ele pediu-lhe então: “Pelo amor de Deus, não leias mais.”

Se leres assim o Corão,
Privarás a religião da sua glória. »

Nestas histórias Sa'adi lembra-nos que no caminho real da vida devemos saber ouvir quem nos critica, não se reagindo logo fortemente. É mais sábio meditarmos ou dormirmos, antes de replicamos. Podemos aprender seja por advertências nos sonhos ou sinais seja através de críticas que não nos sendo agradáveis podem ter ou têm algo de verdadeiro. Como que Sa'adi  nos diz: - Sabe usar o dom da tua palavra, ou da tua escrita, com muita conta, peso e medida, ou seja, com o máximo de harmonia e de amor. E atenção aos efeitos que vais ter nos outros, pois não basta a tua intencionalidade, pois de boas intenções está o inferno cheio. Inferno que podemos criar nos outros sem que eles o mereçam, sobretudo quando estás a falar de religiosidade ou de orações. Saibamos então ser sempre pupilos humildes da Palavra, Logos e Primordialidade Divina e dos seus verdadeiros mestres e sábios...

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