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Auto-retrato de Karl Pavlovich Bryullov, 1872. | |
O 225.º aniversário do nascimento de Karl Pavlovich Bryullov - um notável pintor e desenhador de cenas históricas monumentais, de pessoas e da vida quotidiana, um pintor da transição do neoclassicismo para o romanticismo, e já com algumas intuições do impressionismo - que conheci através de Daria Platonova, uma amiga russa na rede alternativa VK.com, celebrou-se recentemente, pois nasceu a 23 de dezembro de 1799 em São Petersburgo, numa família de artistas. O seu pai, Pavel Ivanovich Briullov (Brulleau, 1760-1833), um académico de escultura ornamental, foi o seu primeiro professor. Karl formou-se na Academia Imperial de Artes de 1809 a 1821, recebendo o Diploma de 1º grau e a grande Medalha de Ouro, partindo em 1823 para Itália, que sempre admirara e o atraíra.
Inserindo-se de alma e coração na vida italiana, as suas primeiras obras manifestam a atração pela vida simples, suburbana ou rural e pura, tal como observamos em pinturas como Manhã Italiana, de 1823, e outras.

A sua abertura ao simbolismo, ou a sua sensibilidade simbólica e o conhecimento da filosofia cristã e greco-romana e do platonismo e neoplatonismo, está presente em algumas telas, tal como observamos na Esperança alimentando o Amor, de 1824.
Este Amor ou cupido é gerado ou nutrido pela Esperança - humana e arquétipa - que o tem em si, é de alguém que lhe enviou ou são ambos que o geram?

Talvez o que transborde mais seja a confiança plena com que a Esperança, qual Psyché, qual Vénus, olha para o Céu da Providência Divina e dos seus mais íntimos. Há pouco ou nenhum erotismo no pequeno Eros, adormecido junto aos seios da Esperança, belos, firmes, puros, e com as asas brancas a sugerir o Amor celestial, urânico, mas é difícil caracterizarmos ou definirmos a poesia e mensagem que se desprende desta pintura e somos levados a admitir influências platónicas, ou que a pintura remete para arquétipos, ideias, um eidos, uma imagem no Logos divino, bastante subtil, mas em que se congraçam no fundo a fé, a esperança e o Amor...
A criança, o Amor em pequeno, eros, que faz lembrar as crianças de Rubens, está desfalecido de amor, ou está apenas entregue na confiança, à Alma cheia de Esperança (e Fé e Amor), à mulher sublime, à Deusa e que nos faz lembrar ainda as Virgens, de Rafael?
O Amor rechonchudo nasceu dela ou chegou até ela e com as asas descansa, para depois partir de novo, ou antes aninhou-se onde quer autogerar-se, crescer, irradiar como Amor protaico e sempre renascendo como fogo do coração?
É uma pintura simbólica bem difícil de ser cingida na hermenêutica e na sua origem: em que pensava, sentia e queria transmitir Karl Briullov com esta pintura tão numinosa e no seu título consagrada a uma ou duas das três Virtudes teologais, - a Fé, a Esperança e a Caridade (Amor) -, e que poderemos ler como "quero, persevero e amo ou sou amor, e, portanto, nesta pintura pode contemplar-se a Esperança perseverando com Fé, ou confiando na ordem Divina do Universo, na gestação e manifestação do Amor, o puer eternus, que ela tem em si mesma e é...
O conhecimento e amor à sabedoria Greco-romana de Karl Bryullov será consagrado pela encomenda que em 1825 a Embaixada Russa lhe pede de uma cópia da icónica obra de Rafael, a Escola de Atenas, e que realizará certamente bem, embora eu não tenha conseguido obter imagem dela.
Em 1832 pinta outra obra que, pela sua qualidade, acurácia e vivacidade, alcança grande sucesso, Mulher a cavalo, que a sua amiga e musa, a Condessa Yuliya Samoylova, lhe encomendara e que depois de muitas peripécias se encontra hoje na fabulosa galeria Tretyakov, em Moscovo, capital da santa Rússia, sendo considerada uma obra-prima da pintura equestre.
Mas será o enorme (4,56 x 5,61) óleo O Último Dia de Pompeia (pintado de 1830 a1833, sobre a cidade que estava a ser escavada e que conhecia desde 1827), o que o tornará mais conhecido, sendo enaltecido por meio mundo, nomeadamente Alexander Pushkin (que foi seu grande amigo) e Nikolai Gogol, e que lhe permitiu receber o Grande Prémio em Paris e retornar em 1836 como um consagrado à Rússia, tornando-se professor na Academia Imperial de Artes.

O seu gosto pela cultura, a literatura e as tertúlias com amigos foram bem realçadas por Svetlana Kazakova quando escreveu em 2008 um artigo, Karl Briullov e Nestor Kukolnik: Uma história de duas ilustrações, sobre as relações do pintor com o escritor então famoso, Nestor Kukolnik, o qual retratou, e a propósito de uma pintura onírica que esperamos um dia abordar.
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Nestor Kukolnik (1809-1868). |
«Segundo os seus contemporâneos, Briullov tinha a reputação de ser um interlocutor fascinante, estava sempre bem informado sobre as novas obras literárias, lia muito e gostava que lhe lessem enquanto descansava. Pavel Nashchokin, numa carta de referência a Alexander Pushkin, caracterizou Briullov: “Há muito tempo - nem sequer me lembro há quanto tempo - que não conheço uma pessoa tão engenhosa, culta e inteligente”. Alexander Turgenev escreveu que “com este artista, pode-se falar sobre a sua arte, e ele leu Plínio, e pede que lhe emprestem a Teoria das Cores, de Goethe...” Não é de admirar que, ao trabalhar nos seus quadros, Briullov recorresse frequentemente a romances, novelas e baladas famosos e populares na época.»
As obras românticas de Briullov abriram uma etapa na história da pintura russa, e os seus retratos, pinturas e esboços foram reconhecidos pelos seus contemporâneos como excelentes, destacando-se uns no domínio do mundo íntimo das almas, dos sonhos, dos anjos, outros pela sua alegria, naturalidade e vivacidade da vida do quotidiano e, finalmente, outros evocando temas e seres históricos, religiosos e míticos.
A maioria dos artistas principais da segunda metade do séc. XIX admirou-o ou foi influenciado por ele e poderemos citar V. G. Perov,
V.I. Surikov, A. I. Kuindzhi, A. K. Savrasov, I. I. Shishkin, V. D. Polenov,
I. I. Levitan, V. M. Vasnetsov, I. M. Pryanishnikov, N. A. Yaroshenko.
-“A pintura é a língua em que as nações falam entre si” - disse este artista da grande Rússia, tão atacada injustamente nos nossos dias de decadência acentuada do Ocidente pelos seus dirigentes avençados e desgraçados. Saibamos antes dialogar e comungar multipolarmente através da verdade, da cultura e em especial da pintura, e em sintonia com Karl Pavlovich Bryullov que, na sua comunhão com a grande Alma Europeia (e em 1988 escrevi eu A Grande Alma Portuguesa, a partir de alguns textos inéditos de Fernando Pessoa) conseguiu unir pelo coração ígneo as duas extremidades da Europa - Portugal e a Rússia - , numa dramática pintura consagrada a uma das mestras mártires do Amor perene, ou da união "até ao fim do Mundo": Inês de Castro...: