quarta-feira, 31 de julho de 2019

Os últimos voos d' "A Águia", 2ª parte: Artigos de Teixeira Rego, Sant'Anna Dionísio e José Marinho.

                                   
Continuando nós a compulsar, da V série da revista A Águia, o nº 1 de Janeiro-Fevereiro de 1932, após o texto de Leonardo Coimbra, já comentado na 1ª parte deste artigo, segue-se um poema de Eduardo Salgueiro que dedilha o tema do Ser e não-Ser que caracteriza a vida, e um artigo de José Teixeira Rego acerca da pedra filosofal. Pouco conhecido este pensador, que pertenceu ao núcleo dos professores da Faculdade de Letras do Porto sem sequer ter formação universitária, era dotado e grande espírito investigador e dado às etimologias, utopias e até esoterismos, apresentando teorias em geral com originalidade. Sant'Anna Dionísio, com quem convivi, falava dele como algo excêntrico, mas estudioso e sabedor.

Neste artigo Teixeira Rego continua na senda da sua valorização do ectoplasma, dessa matéria que os médiuns exudariam e que permitiam as aparições, para no caso dos alquimistas considerar que os ingredientes utilizados em certas fases dos processos laboratoriais, dos quais nomeia a saliva, o sangue, o sémen, a urina e um tipo de leite, serviam para criar um  plasma onde se poderia inserir a vida ou fazer crescer o homúnculo. Assenta tal em algumas descrições algo mistagogas dos alquimistas antigos ou das operações em Paracelso, paracelsianos e outros, ou em passos de Goethe, estabelecendo até analogias com a iniciação maçónica.
É uma hipótese extravagante, embora em certos alquimistas a criação do homúnculo, de um ser humanal artificialmente tivesse sido especulado ou tentado e noutros um certo tipo de magias evocatórias se tivesse realizado.
Cremos contudo que eram operações alquímicas de aperfeiçoamento de substâncias, com fins curativos ou então sobretudo pelo trabalho pessoal  em processos morosos contribuía-se para uma purificação, concentração e vivência espiritual e portanto imortalização do ser humano, não no seu corpo físico (ainda que mais trabalhado e até preservado), mas no espiritual. Esta interpretação e consciencialização não encontramos todavia em Teixeira Rego, algo mais cingido ao material e terrestre.
O artigo seguinte de Barros Basto é uma aproximação a vários textos da Bíblia que referenciam Tarsis, tentando daí e duma povoação com tal nome na zona das minas de cobre de Rio Tinto, em Huelva, concluir que essa região-cidade seria a antiga Tartessus.
 Segue-se o valioso artigo de Sant'Anna Dionísio, Antero, político, que gravamos a leitura comentada e do qual citamos alguns extractos no artigo do blogue com a gravação, aos quais acrescentaremos mais este tão, tão actual: «Mas não se julgue que a clarividência de Antero apenas se revelou na análise retrospectiva dos erros da nacionalidade; na sua obra há também advertências proféticas, e tremendas. A sua convicção de que a Democracia é incompatível com a centralização resultava da descoberta duma cousa, que por ser tão comezinha e palpável, ninguém geralmente dá conta dela: é a monstruosa tautológica económica em que vivem as nações com uma burocracia exagerada, com um funcionalismo em desproporção com as suas actividades criadoras.  «O funcionalismo, escrevia ele [Antero] em 1868, é o triunfo da centralização»... « e pode sem ironia dizer-se que uma nação centralizada não chega à sua plenitude enquanto uma metade dos seus cidadãos não estiver constantemente ocupada em vigiar, governar e corrigir a outra metade. Mas toda essa gente vive: vive, absorve... e não produz. A ruína das nações centralizadas começa aqui. Não há relação entre o que sai do trabalho e o que exige o consumo. Para acudir às necessidades do dia é preciso hipotecar o futuro. Mas no futuro há uma hora em que chega a ser o presente, e nessa hora aparece por tal forma enfraquecido e sobrecarregado, que já para viver precisa pedir a um outro futuro mais longínquo o dobro e o triplo do que lhe tinham pedido a ele... É neste momento que o fisco, até ali simples organismo como os outros se desmascara e deixa ver o monstro cruel, tirânico e disforme que é realmente. Nesse momento de brutal fraqueza, toda a política se resume numa única palavra: dinheiro! Todo o programa do governo se resume numa única frase: é necessário que o povo pague. O Estado transforma-se numa horrível máquina de triturar fortunas, homens, vontades, contanto que desses restos sangrentos possa extrair um pouco de ouro. Mas para isso é necessário ser forte: e o Estado fatalmente se encontra, toma a feição de um exército sempre em armas, no meio de um povo mal submetido, até assumir a sua verdadeira forma, a tirania, uma tirania administrativa e fiscal, como a de Diocleciano em Roma, como a de Luís XIV em França, como a que talvez vejamos dentro de pouco anos em Portugal» [Prosas, II vol., pág. 74].
[Continua o comentário de Sant'Anna Dionísio]: Aos precursores da República que pregavam ditirambicamente, nos comícios, a revolução mas que não diziam, porque os desconheciam, quais os erros e as injustiças que essa revolução devia corrigir e reparar, e aos homens que depois de 1910 herdaram o mesmo espírito balofo e vago, entregando-se a uma política timidamente reformista e oportunista, desacreditando as ideias de que se diziam depositários, faltou essa corajosa lucidez com que Antero tão rigorosamente descobria nas legendas frias da história as causas íntimas e profundas do crepúsculo da nacionalidade, e adivinhava, na luz pálida desse crepúsculo, as ameaças da noite treva que nos cobre».
Sant'Anna Dionísio» 
Que actual esta visão de Antero, do gigantismo do Estado nas mãos dos partidos e consumindo tanta riqueza, exigindo tanto imposto para que os governações e deputações rotativas se mantenham, mesmo que à custa do Bem geral... 
E, finalmente, noticiemos a secção Bibliografia onde encontramos recensões de José Marinho a dois livros: a História das Conferências do Casino, por António Salgado Júnior, onde José Marinho a dado passo anota: «Em mais do que um ponto do seu último capítulo, para nos falar das várias concepções e cultura dos autores das conferências, da substituição dos objectivos políticos por objectivos sociais, e propor uma solução para o problema do conteúdo do Programa dos Trabalhos para a Geração Nova ultrapassa felizmente o autor os estreitos limites que se impusera.
«Andaremos longe da lógica, pensando que o Programa seria uma sistematização declarada das ideias do Cenáculo, aquelas cuja sistematização conjecturamos nas páginas anteriores?» É muito possível que assim seja. Em todo o caso, tratar-se-ia de uma sistematização do que estava dito e feito, mas também de uma teoria, de um programa, como o próprio nome indica. E não duvidemos de que o seu programa em cultura e política, enfim, o seu programa revolucionário era o germe do nosso. Esperemos, entretanto, que a sua obra futura nos esclareça este ponto e os outros pontos e nos dê uma verdadeira história das ideias, intenções e valores dessa geração, que a nós tanto importa conhecer. Bem se compreende  que as nossas aspirações, tendências e exigências do momento politico e social nos levem a meditar o que foi, pensou, quis e fez a geração de Antero. Esperemos que o autor nos dê a sua prometida História da Literatura Moderna, e no-la dê a tempo de a podermos utilizar na consciência que procuramos ter de nós e do momento em que vivemos.»
 
 A outra recensão de José Marinho (1904-1975) é ao livro de aforismos de Sant'Anna Dionísio (1902-1991), intitulado Pensamento Invertebrado, interessante também por  serem então bem jovens e amigos,  e ambos discípulos de Leonardo Coimbra. Nela Marinho destaca o pessimismo geral de Sant'Anna, excepto em alguns passos, citando um deles iniciado assim "Se admitirmos que a vida é um élan para espiritualizar o mundo", e vendo-o como um apelo importante a solucionar-se o problema do bem e do mal não por um Deus exterior mas "pelo encontrar em si mesmo possibilidades divinas". E concluirá a recensão ao Pensamento Invertebrado, dizendo: «É esta uma obra nascida do amor da verdade e daquela espécie de inquietação que aos portugueses, de ordinário, se não revela em suas almas./ E traduz, como mostrei, possibilidade de um ainda maior e necessário aprofundamento reflexivo».
No fim, secção Revistas, há referência às dificuldades que a A Águia passava e o elogio da Seara Nova. Eis a nota, certamente também de José Marinho: «Dentre as diversas publicações recebidas com mais assiduidade temos que colocar em primeiro lugar, pela particular simpatia intelectual que ela merece, a Seara Nova; à qual endereçamos as nossas saudações pela perseverante actividade doutrinária que continua a desenvolver num país e num momento histórico tão hostil como este em que vivemos. Dos mais recentes fascículos recortamos: Raúl Proença - Estudo sobre os batráquios; Sant'Anna Dionísio - A burguesia e o espírito revolucionário; António Sérgio - Para a anulação racional do deficit económico; Rodrigues Lapa - O prof. Oliveira Guimarães plagiador; Vitorino Nemésio - Raúl Brandão íntimo; Câmara Reis - Pobre de pedir; Diogo Macedo - A Escultura em Portugal; Rodrigues Lapa - Ainda os plágios do sr. Oliveira Guimarães; João Gaspar Simões - Raul Brandão e o "Anjo da morte".»
Seguir-se-iam os dois últimos números, e do conteúdo e autores deles talvez ainda falaremos.
E eis dado o resumo e os passos principais de um dos últimos testemunhos de uma revista que ainda hoje nos transmite ideias forças valiosas e assim religa as gerações sucessivas da  Tradição cultural e espiritual portuguesa e perene. 
 

terça-feira, 30 de julho de 2019

Os últimos voos da revista "A Águia", em 1932. Artigos de António Sérgio e Leonardo Coimbra. 1932.

                                
Os últimos três números da revista nortenha A Águia, órgão do movimento da Renascença Portuguesa, são para além de raros valiosos pela qualidade da colaboração e por serem como que o canto de cisne de um projecto que durou vinte e dois anos e gerou uma das melhores revistas literárias portuguesas de sempre.
Como sabemos, foram publicadas cinco séries, a primeira logo após a proclamação da República em 1910 e a última, com Comissão Directiva de Leonardo Coimbra e Sant'Anna Dionísio, já no ano de 1932  e saindo nela à luz apenas três números, raros, embora o raríssimo mesmo seja  o 10-11 da 4ª série do qual só se conhecem cinco exemplares.  Ora lendo o nº 1, de Janeiro-Fevereiro, resolvi gravar a leitura comentada (e partilhar no Youtube) de um artigo de Sant'Anna Dionísio sobre Antero, político e uns dias depois, resumir, noticiar ou transcrever partes de outros artigos, brevemente, o que realizaremos aqui em duas partes.
                                   
O texto de abertura deste número é de António Sérgio, um dos importantes pensadores da revista Seara Nova, fundada em 1921 e com uma orientação mais de intervenção crítica política, económica, educativa e social, tendo feito bastante (no que a Censura deixava passar)  frente ao Estado Novo de Salazar, e que num artigo Sobre a Reforma do Legislativo faz uma apreciação ao estado político e legislativo de Portugal, e conclui apelando, como foi sempre a sua linha, a uma reforma da educação, deste modo:

«As sugestões apresentadas neste artigo têm somente um objectivo: o de provocar o interesse pelos problemas tratados e o de servirem de base para um debate de ideias. Repetimos ao terminar, que não acreditamos nos remédios legais quando não sejam acompanhados de educação. Quando falamos de educação, não falamos do abc; educar, para nós, é treinar os jovens na iniciativa, no trabalho do espírito criador e livre na mentalidade crítica e experimental. Precisamos de uma escola inteiramente diversa de tudo quanto tivemos até aqui. Para revolucionar a fundo a educação portuguesa, para fazer uma escola absolutamente nova, não há sacrifícios que não nos devamos impor. O esforço, aí, tem de ser gigantesco, e a despesa enorme. «Buscai o reino de Deus e a sua justiça, e todas as outras coisas vos serão acrescentadas, disse Jesus Cristo no seu sermão; revolucionai a educação do povo, e todas as outras coisas vos serão acrescentadas» poderemos e deveremos nós dizer. 
Porto, Junho de 1929. António Sérgio.»
Observe-se o idealismo crítico de Sérgio, admitindo ou aspirando a uma escola absolutamente nova, e a assunção algo religiosa e revolucionária da reforma da educação, para a qual sempre lutou também com muita publicação acerca do cooperativismo e de intervenção cívica e ética...
                            
Vem em seguida um poema de Teixeira de Pascoaes, o poeta e pedagogo do Saudosismo e do Panteísmo Lusitano, e um dos líderes fundadores da revista e do movimento da Renascença Portuguesa (com Jaime Cortesão e Leonardo Coimbra), intitulado Ao Mocho, «Ó rei dos poetas da tristeza...».
 E segue-se a primeira parte de um artigo do fulgurante orador e filósofo Leonardo Coimbra, A Máquina e a Alma, de reflexões e interrogações acerca da aceleração do ritmo de vida da sociedade moderna e os múltiplos efeitos das crescentes influências da máquina, da electricidade e da velocidade sobre o ser humano. Algumas afirmações e compreensões são intuições do que se iria passar e seria interessante ouvi-lo hoje quando a desmaterialização dos seres e a multiplicação da comunicabilidade informativa é cada vez maior através do digital, com todos os perigos que isso causa ao humanismo dos seres,  à sua capacidade de sentir, viver, ver e reflectir em harmonia com a Natureza e como almas, indivíduos e não autómatos ou formatadas entidades numéricas de aderentes, consumidores ou contribuintes.
 Deste artigo profundo e valioso,  após a sua introdução em que cita, para ilustrar a luta entre a máquina e o homem, o Nobel indiano Rabindranath Tagore, e os russos Gladkov e Zamiatine, e suas obras, transcrevemos algumas partes e ideias, nomeadamente as seguintes:
«O materialismo morreu porque a própria matéria científica se dilui  em movimento, vibração, comoções do éter, apenas singularizadas por abismos ou vórtices, que são um pálido fantasma da matéria evanescente.  
A máquina que aproveitava os sólidos e os líquidos substitui-se a máquina de vapor que mais dilui a tranquila preensão material do homem antigo, ao mesmo tempo que o levava das velocidades comparáveis à sua própria velocidade de caminhante para velocidades monstruosas.
Ao lado do vapor foi aparecendo, mais incoercível ainda, a electricidade, oferecendo ao homem o desvario das velocidades gigantescas.
A vida acelera-se: as notícias humanas sulcam o planeta como as palavras de Júpiter outrora riscavam o furor de sua cólera perante os olhos pávidos dos homens; as comoções de bem e de mal, os entusiasmos redentores e as cobiças assassinas cobrem o planeta com a pressa e a soberania que outrora transportava o sorriso luminoso de Apolo. [Que descrição antecipada da propaganda, manipulação e sensacionalismo informativo que caracterizam o séc. XXI.]
Os homens apressam-se. Para onde, para quê?
Para mais pressa, para que não retardatários, se furtem ao esmagar do desvairo que avança, ou para que, solitários e míseros, se não vejam abandonados nos desertos infecundos que os outros abandonaram. A vida moderna é um zigue-zaguear de relâmpagos, uma cacafonia de vozes interferentes, uma louca vertigem de velocidades...
Um ritmo cada vez mais acelerado precipita a sua carreira e o respirar opresso da humanidade será hoje, na harmonia pitagórica das esferas, a voz do nosso planeta»...
                                          
  Após esta original intuição do que pode ser o vibrar rítmico e sonoro da grande alma portuguesa, algo desequilibrado ou ofegante pela velocidade excitante e as suas cacofonias, mas sendo essa a sua nota actual, face à  maravilhosa música das esferas do sistema solar ouvida e admitida por Pitágoras, e invocada também por Leonardo Coimbra, este, mais à frente no artigo, certeiramente visionará assim o futuro: «A máquina pode destruir cidades, a máquina pode produzir a fome de populações inteiras, a máquina pode distribuir aos domicílios o veneno ou o micróbio, que semeie o solo desolado do planeta duma imensa sementeira de cadáveres.
Devaneios?
E se os homens repetirem a grande guerra? [A segunda veio mesmo. Esperemos que o imperialismo não lance a III ...] [Em 2020, algo disso brotou da China, de modo ainda misterioso e com efeitos tremendos nas sociedades].
As Ucronias de Zamiatine (1884-1937) e de Wells não são simples brinquedos de imaginações ociosas, e, em qualquer dos casos, trágica é a perspectiva.
A própria tendência que Ortega y Gasset julga ver na arte para a desumanização resulta em parte da fixação da retina do artista pela libertação caótica de energias informadas, dominadas por leis. [E a libertação das imagens e energias através dos écrans de computadores e telemóveis, ainda mais próximos das retinas e tão penetrantes que chegam a poder ser nocivos à saúde?] 
A representação mais fácil da realidade, sob a pressão da velocidade da nossa civilização cinemática, é a de um mundo onde das casas do homem às formas da natureza tudo se dispersa em vibrações, em movimentos que noutros se vão perder.
Ora o homem, que é natureza, é forma, ideia e alma, como a natureza é também forma e ideia - se esta se perde em movimentos difusos, também aquela, pela sensibilidade, começará a fundir-se na mesma dissipação cinemática.
E se ainda lhe resta alma para reflectir encontrará, em si e no meio, uma natureza ofegante, estertorosa, diluída, dispersa em fugazes sensações. A natureza deixa de ser uma expressão de alma, por ser uma apresentação de ideias, para ser o tropel de uma fuga, o arranco dum assalto (ainda é ligeiro humanismo... pois é só zoologismo) e em breve uma coreografia de trechos desarticulados do cinematismo universal.» 
Após este discernimento dos perigos da diluição ou mesmo desintegração da forma da alma na sua relação com a imagética e vibratoriamente vertiginosa vida moderna (e nossos dias bem mais, com todo o alienante televisivo, e o digital e virtual)  o  artigo prossegue em interacção com as ideias de Einstein e de Henri Bergson (1859-1941), que Leonardo Coimbra conhecia e de algum modo dominava, pois escrevera bastante sobre as teorias deles, aproximando-as e discernindo a dificuldade da harmonia entre a alma-intensidade, intuição e vontade, e a simples alma-extensividade e inteligência. E liga ainda esta sua reflexão a outros pensadores que mais lhe diziam:
«Eis a natureza perdida em exteriorização cinética, e eis a alma perdida em inteligência, ou fazendo a sua redenção num cinematismo intensivo de condensação fremente, de vibração em ponto metafísico do ser, em pura vontade (1) de afirmação de vontade, vontade e mais vontade...
A vontade negativista de Schopenhauer feita o epiléptico frenesin de afirmação nietzscheana perpassa em todo pensamento moderno.
No limiar do desvairo cinetista [de movimento] é Schopenhauer negando o ser mutável como ilusão e cegueira duma fome insensata, é, entre nós, Oliveira Martins reduzindo o ser ao não-ser e é o grande Antero, esbatendo-se, sumindo-se na serena paz do Inalterável». 
Estas últimas afirmações são algo inesperadas mas mostram-nos a visão que lucidíssimo Leonardo Coimbra tinha de um certo budismo ou da não-dualidade e vazio de Schopenhauer, que negam o valor do ser mutável ou incarnado, e de Oliveira Martins e de Antero de Quental, ao primeiro atribuindo até o não-ser, em geral mais dos budistas mas talvez por ele ser algo mais materialista do que espiritualista, e a Antero como que desculpando-o da sua crença ilusória que pelo suicídio poderia chegar à Paz inalterável ou do Inalterável, dualidade esta que se pode conjecturar mas que não se saberá nunca qual estaria mais activa ou admitida em Antero nesses dias e horas finais, bem como em que Paz pensava ele entrar, se a de esquecimento, se a de perdão, se a do descanso, se a da niilista extinção num nirvana de extinção...
 
 Claro que se pode mesmo pôr em causa se tal Paz total existe, como certas imaginações religiosas geraram de ampliações exageradas ou de semi-ilusórios paraísos e nirvanas. Paz na morte que Antero, para além de poetizar algo doentiamente ou niilisticamente várias vezes, consagrou também já religiosamente no final da sua edição dos Sonetos com a apreciada imagem do "já descansa o meu coração na mão de Deus". Eu proponho ante tal conformista e habitual "descansa em paz" que antes se deseje: "- Avança luminosamente!"...
Saibamos nós aproveitando e comungando com todos estes nossos antecessores, chegar a uma maior harmonia do corpo, alma e espírito. em inter-relação controlada ou harmoniosa com a mutabilidade intensificada ambiental e planetária e  assim conseguirmos tanto agir ecológica e justamente como entrar, sintonizar ou comungar com a elevada e íntima música das esferas, ou voz do silêncio e voz do mestre, e ligar-nos assim mais ao Ser Espírito e mesmo à Divindade interna... 
      Pintura de Bô Yin Râ, dos mundos e sons espirituais, e a montanha sagrada.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

"O Livro do Deus Vivo", de Bô Yin Râ. Epílogo e Índice.

                                          EPÍLOGO
 «Passaram nove anos desde que apareceu impresso pela primeira vez O Livro do Deus Vivo  e desde então ganhou  inúmeros amigos, que se tornaram estudantes gratos dos seus ensinamentos, em todo o mundo.
Eis aqui a nova edição, realizada após uma nova redacção.
O conteúdo da primeira versão permanece inalterado.
Para muitas passagens escolheu-se porém uma nova forma de transmissão, pois pouco a pouco patenteou-se que esta ou aquela palavra da primeira versão permitia uma interpretação que deveria permanecer longe delas.
Outras mostraram-se com o tempo demasiado esboçadas, pelo que uma descrição mais vasta do que fora delineado pareceu apropriado, - e por fim cada palavra foi sujeita a uma nova comprovação, para excluir qualquer possibilidade de compreensão incorrecta.
A harmonia interior do todo reclamava além disso uma alteração da sequência dos capítulos, e uma ordenação das frases, que tornasse o essencial mais memorizável ao olhar, porque em todas as minhas obras eu "falo" espiritualmente com o leitor e, por isso tenho que recorrer a ajudas tipográficas, que possam despertar-lhe intimamente o som do que é dito.
 Agradeço a todos, os que me indicaram, o que ainda era necessário esclarecer melhor, porque - acolhe-se uma frase, conhecendo-se por experiência própria o que ela quer dizer, duma forma diferente do que quando a comunicação nela contida é imaginada numa alma, à qual  falta ainda a experiência.
Os que, todavia, crêem que devem mobilizar a sua perspicácia para descobrirem nas minhas palavras talvez "contradições", deverão antes pensar que a mim próprio não me escapou o que lhes parece uma importante descoberta.
Poderia ser-lhes mais salutar que aquilo que descobrem como "contradição" fosse resolvido para si próprios, partindo do princípio que em verdade eu devia ter as minhas razões, quando às vezes deixei ficar palavras, que se deixam facilmente constituir como contradições aparentes, enquanto a pessoa ainda não  pode compreender, o que deverá vir a compreender...
 Fique porém  expressamente  também dito que desejo que a nova redacção aqui oferecida seja considerada doravante superior à primeira versão, pois ela é em relação à precedente, como uma catedral, ampliada em todas as suas partes, face à sua construção à qual ainda faltam os painéis de vitrais e as estátuas nos altares.
 Assim O Livro do Deus Vivo, agora na sua forma mais completa e na sua nova veste, ainda tem  certamente  enriquecimento para oferecer a todos que já o conhecem há muito na sua primeira versão.
Que é oferecido aqui um livro, tal como o mundo de hoje verdadeiramente precisa, testemunham-no hoje os muitos milhares de agradecidos que encontraram através do seu conteúdo força e ajuda... 
 Bênçãos, Luz e Certeza é o que trará a todos, os que saberão lê-lo sem pre-conceitos, e o querem acolher em si próprios

Final do Outono de 1927.
                                                                 Bô Yin Râ »
                                                                  
Fim

Nota: Significativamente, esta nova tradução portuguesa é realizada dezanove anos depois da primeira (2000) e bastante aperfeiçoada na transmissão do ensinamento tão valioso e luminoso de Bô Yin Râ. Lisboa, 29 de Julho de 2019. E revista ainda finalmente a 11 de Novembro de 2019.
 
                              ÍNDICE:
PREFÁCIO
A MORADA DE DEUS ENTRE OS HOMENS
A LOJA BRANCA
EXPERIÊNCIA SUPRASENSORIAL
O CAMINHO
EN SÔPH.
A DEMANDA DE DEUS
DA ACÇÃO E DO TRABALHO
DA SANTIDADE E DO PECADO
O MUNDO OCULTO
DO TEMPLO SECRETO
KARMA
GUERRA E PAZ
A UNIDADE DAS RELIGIÕES
A VONTADE DE LUZ
AS FORÇAS ELEVADAS DO CONHECIMENTO
DA MORTE
DO ESPÍRITO
O CAMINHO DO DESENVOLVIMENTO
DA VIDA ETERNA
NO ORIENTE RESIDE A LUZ
A MAGIA DA PALAVRA
UM APELO DO HIMAVAT
EUCARISTIA
EPÍLOGO
                           

"O Livro do Deus Vivo", de Bô Yin Râ. Poema final "Eucaristia".

Erleuchtung. Iluminação. De Bô Yin Râ.
 
EUCARISTIA

«Uma vez, tal como mil vezes,
doa-se o Um,
o eterno Doador,
e contudo permanece sempre
na posse de Si mesmo.-

Ele não é divisível,
o Eterno Um!

Quando Ele se quer dar,
Ele dá-se completamente. -
Tantas vezes quantas Ele sempre
a Si próprio se queira dar,
tantas vezes Ele incessantemente
se dá a si mesmo
e permanece contudo,
Imanente em Si;
pois não é uma só vez
que  o Um se possui,
o eterno Doador,
a Si mesmo.--
Infinitamente Um,
possui-se a Si próprio
em infinita variedade.

E tal como Ele é Um
sempre em Si mesmo,
em infinita variedade
e todavia sempre Um -,
assim somos nós "Irradiantes"
na Sua "Luz"
todos unidos:
como multiplicidade em Um só.

Grande Doador -,
Origem da Luz -,
Tu próprio a "Luz"!
Não conheces qualquer "pecado"
fora de um:
a Tua vontade,
que quer dar-se sempre,
não respeitares.

Tu queres só
mãos abertas;
prontos a receber
corações abertos;
Mãos,
que aceitam alegremente;
corações,
que os Teus dons
docilmente acolhem.

Tu dás a um
e dás a outro
riqueza infinita,
e a ninguém falta
o doado ao outro.

Quem Te conheceu,
Tu Grande Doador,
esse não conhece inveja.
Mais do que pode carregar
tens Tu para doar
e nunca termina
a Tua  eterna riqueza.

Quem nunca tem suficiente
das Tuas dádivas,
esse é quem amas mais;
a ele dás-te
a Ti próprio.

Tu podes sim dar,
a todos dar,
e nunca
ficarás empobrecido
para
os que o Teu dom
pedem.

Eterno Ser!
Grande Doador!»
                                               

domingo, 28 de julho de 2019

"O Livro do Deus Vivo", de Bô Yin Râ. Cap. XXIII: Um Apelo de Himavat.

                    
        Livro do Deus Vivo, cap. XXIII. Um Apelo de Himavat.
 
«Perpassa pelo mundo um anseio,- um apiração ardente - e cada alma, que não se empederniu completamente nem se tornou incapaz de germinar, sente-se tocada.
Em torrentes quentes de sangue humano afundou-se aquele cepticismo indolente, que outrora parecia ser "de bom tom".
"Pode-se" de novo acreditar no que é comprovável através de "experiências", e já não se ridiculariza quem sabe que o invisível rodeia-nos e influencia-nos, mesmo que não tenhamos ainda desvendado os seus mistérios.
O "milagre" quer  tornar-se de novo realidade, e o reino da Fé expande as  suas fronteiras.
Pessoas que, iguais a fósseis anímicos, se mantinham imóveis face a tudo o que é espiritual, sob o retinir das machadadas de demónios consumidos pela fúria, tornaram-se verdadeiros "viventes", e a massa dos indolentes adormecidos está agora a tornar-se desassossegada.-
Cada  novo dia permite crer que está mais próximo o seu despertar anímico...
Os despertos  irão porém exigir resposta dos que, durante tanto tempo, os mantiveram adormecidos, e voltarão desdenhosamente as costas aos "guias" que querem piedosamente “limitar” as suas perguntas, porque lhes falta a sua própria capacidade de resposta.--
A Humanidade está a tornar-se  pronta, finalmente, a reconhecer-se como parte da Terra...
Não poderá mais sonhar com os seus deuses residindo nas nuvens, e aproxima-se o dia juvenil, em que,- porventura pela primeira vez,- sentirá em si própria o sentido das palavras, que em tempos um homem Deus lhe dirigiu:
"O Reino dos Céus está mesmo a chegar".
Esses, que se chamam "servos" do Ungido, ainda quiseram erguer uma muralha,- como pensaram: - para "protecção" dos que, segundo a palavra do elevado Mestre,  carregam em si próprios o Reino dos Céus.
Homens, que nunca alcançaram em si o "Reino"  aqui tão claramente prometido, puseram-se a dominar as almas dos seus semelhantes, com a justificação de um imaginário mandato mágico que devia sancionar a sua insana quimera de poder face às suas próprias consciências.
Obstruíram-lhes o portão dos Céus, como neles próprios estava obstruído, e constantemente transformaram tudo o que tendia à Realidade de tal modo que sobejam apenas símbolos e fórmulas, pelos quais  o Reino dos Céus se deixa sonhar,- pois sabem muito bem, que os seres humanos não precisam deles para encontrarem o "Reino".
Tolos são todos os que esperam que o muro do encarceramento anímico possa ceder um dia ao assalto das almas!
Esse muro está demasiado consolidado pela argamassa da avidez humana pelo poder!
São também demasiado numerosos os que desejam sentir sempre o muro à sua volta para que lhes possa ser retirado um dia .--
Há tanto tempo acostumados à escravidão, cairiam se fossem libertos!-
Provavelmente com o decorrer dos milénios as fórmulas e os símbolos que estão afixados no muro tornar-se-ão outros, para que os que vivem encerrados nele não o possam reconhecer como um muro de cárcere;- no entanto, o muro permanecerá em si, enquanto na Terra a avidez pelo  poder dos homens  puder contar com o medo anímico dos seus semelhantes, - e contra essa fortaleza, cimentada com ameaças e promessas, embaterá todo aquele que, antes da hora, quiser rompê-la de dentro ou de fora...
Mas existe uma possibilidade, sem quebrar o muro, de escapar-se à sua estreiteza implacável...
Aos que estão próximos de despertar, nascer-lhes-ão asas, e eles elevar-se-ão muito acima da zona dos Poderes, que de bom grado os manteriam no sono e no sonho...
Vemos o tempo do despertar chegar!
É a nós que compete guiar o voo dos que ascenderão à Liberdade, até que ele alcance os cumes nevados, plenos de sol e radiantes do "Himavat", - da "Grande Montanha".---
Será necessária, porém, muita ajuda, pois vem um grande despertar.
Queremos, que nenhum dos que se elevam se perca no seu voo e por fim morra, tombado em qualquer deserto...
Nós próprios, porém, só podemos guiar o grande voo de todo o grupo  dos libertados, e os que querem ajudar-nos, devem procurar os perdidos, para que não se deixem ofuscar por metas enganadoras, e percam de vez a direcção do voo.--
Para todos os que quiserem ajudar altruisticamente, segue o apelo!
Todo o que no seu coração quer comprometer-se em reorientar os errantes, pode e deve ser  auxiliar nosso.
É no entanto apenas útil uma ajuda amorosa e sábia, e não poderá ser-nos um ajudante quem se impõe aos errantes com a sua ajuda.--
Ajudar do modo correcto, significa: voar à frente do errante para que, sem que seja necessário convencê-lo, ele, pelo seu próprio discernimento, reencontre a sua direcção correcta!-
A vossa ajuda poderá ser pouca "para se ver",- mas cada um de nós pagará uma dívida contraída há éons, mesmo quando através dela uma só alma possa ser encaminhada para a meta. ---
Bem longe de nós permaneçam porém, todos os que oferecem enfaticamente a sua ajuda, para se enaltecerem através disso a si próprios em valor e dignidade acima de todos os outros!
Bem longe de nós permaneçam também todos os importunadores presunçosos!
Quem quer ser ajudante, deve libertar-se de todo o tipo de vaidade!
Tem de oferecer a sua ajuda onde é necessária, sem falar da sua manifestação auxiliadora...
Não queremos  saber o seu nome, nem ouvir falar da sua ajuda!
no Reino do Espírito  o acto de auxílio deve ser avaliado, e apenas no  espiritual se deve “conhecer” o Ajudante.--» 
 
Himavat, pintura de Bô Yin Râ.

sábado, 27 de julho de 2019

"O Livro do Deus Vivo", de Bô Yin Râ. Cap. XXII. A Magia da Palavra.

               Cap. XXII. A Magia da Palavra
«Sabe, ó ser na demanda, que para cada época são necessárias  forças "mágicas"
diferentes, e não te deixes desorientar quando não observares numa determinada época os mesmos efeitos milagrosos dessas forças! 
Os que tem de "organizar", o que há a "ordenar" nisto, dirigem sempre a "corrente" para os canais que fertilizam a Terra, lá onde ela está mais árida... 
Nestes dias não deverás portanto esperar que se produza outro efeito "mágico" que o da "Magia" da Palavra.---
A Palavra, concebida no seu sentido "mágico", é todavia a mais elevada das forças "mágicas"...
Tempos virão em que,- só pela força da Palavra, se produzirão feitos muito próximos de "milagres"...
Sim:- o ser humano fará "prodígios" pela palavra!---
"Prodígios", bem mais milagrosos do que tudo o que foi chamado nos tempos antigos "milagre"!
Dias virão em que o ser humano saberá produzir pela palavra obras, para cuja criação são necessárias
hoje ainda milhares de mãos e grandes máquinas...
A humanidade
ainda ainda está muito distante dessas eras vindouras.-   
Não se sabe ainda "proferir" a Palavra!---
No entanto, nesta nossa época de trevas,
a Palavra já se agita, pois o rumo da Humanidade chegou ao limiar daquelas "clareiras" que dão em certas alturas, mesmo na mais escura das noites,  esperança...
Olha à tua volta, e para onde quer que vejas, vislumbrarás a força mágica da Palavra nos seus prenúncios, - nas suas caricaturas até! 
Demonstra-se assim ao Homem que a Palavra tem afinal outros poderes do que apenas comunicar o entendimento de cérebro para cérebro.-
Se és  sábio, presta
então atenção a tais sinais!
Presta atenção à Palavra!---
 
Ensinaram-te já há muito tempo a menosprezar a Palavra.
Apenas devias tentar penetrar o "sentido".
Assim  habituaram-te a quereres sobretudo "compreender", - mas ao fazê-lo perdeste o dom mais precioso do coração: - o teu único "sentido" espiritual "oculto", - a  capacidade de sentir as coisas...
Quando desejares readquirir esse sentido espiritual "oculto", então prepara-te para  compreenderes 
as palavras não apenas segundo o seu "significado", mas pelo contrário procura sentir nas palavras, o som das palavras e a sua modelação!--
Vê, é a Lei, e não a arbitrariedade, que permite às palavras tornarem-se forças mágicas,- que a elevada força "mágica" se ligue na forma da palavra, nos seus elementos constituintes, de tal modo que há palavras: - palavras da linguagem humana, - que podem fazer tremer uma montanha, se a força nelas encadeada se libertasse...
Há palavras, perante as quais o teu "entendimento" é impotente e, no entanto, não podes pronunciá-las sem que elas formem "magicamente" a tua alma, mesmo que não faças ideia de como "proferi-las", de modo a verem libertar-se de si todo o seu poder...
Poderia contar-te coisas maravilhosas sobre essas palavras, mas dificilmente conseguirias acreditar em mim.
Só  através da experiência
poderás tornar-te crente!-
Considera, meu amigo: - tudo no Cosmos tem o seu Ritmo e o seu Número!
No Ritmo e no Número fundamenta-se toda a "Magia"!-
O que conseguir compreender estes dois, possui a "Chave", que abre esta porta...
Não é  escrevo
para ele. 
Mas também não existe qualquer risco que um deles venha a ver estas palavras.
Muito poucos são os que descobriram a "chave", e esses poucos  lêem
um único  e eterno livro, cujas "Palavras" são Vida e cujas "Frases" são acontecimentos.---
Nunca  poderei "explicar-te" o Ritmo e o Número do Universo.
Quero apenas ensinar-te a prestar atenção à Palavra, para que possas encontrar na Palavra, tudo aquilo que nesta época te esforçarias em vão por encontrar sob qualquer outra forma.
Fica suficientemente atento à Palavra, e em breve saberás distinguir o verdadeiro do falso, no que se refere às coisas do Espírito!-
Toda a Sabedoria espiritual avança para ti ao ritmo da Eternidade.
Todas as coisas últimas trazem números cósmicos no seu diadema, quando aparecem nos trajes da Palavra.--- 

Os que supõem que o "sentido" de um livro "sagrado",- dum livro que um "Conhecedor" escreveu,- logo na sua essência última, mais profunda e indizível,-- se te revelará, enganam-se muito.
Mesmo que te possa clarificar o "Sentido" das profundezas do Fundamento eternos,-- as Coisas últimas, e o seu segredo mais oculto terás que ser tu, a partir do tipo, da forma, do som e do valor das palavras, a "sentir"...
Não acredites também que alguma vez
fosse indiferente a um dos que dominavam "o Ritmo e o Número",  o modo como punha a Palavra em palavras!---
Os poetas podem aspirar  à Beleza
,- os videntes dão à Palavra o som perene!---
Também se reconhece o "vidente" no poeta,
pois o "vidente" no poeta  não pode permanecer oculto, mesmo que se esconda por detrás de palavras poéticas.---
Se  desejas
agora aprender a sentir as palavras, então qualquer palavra da tua língua te poderá servir de mestre...
Não procures porém o "significado", se queres trilhar este Caminho!
O "significado" não se deixa encobrir por muito tempo, - ele quer-se mostrar a ti.--
Escuta em ti as palavras, das quais queres aprender!
Em breve "escutá-las-ás" como se outro as proferisse, e isso para ti deverá constituir o primeiro sinal de que estás no caminho certo, - para aprenderes a escutar em ti a fala das próprias palavras, pois a Palavra tem verdadeiramente o poder de se proferir a si mesma...
Também a Palavra da Eternidade se "declara" a si própria, quando aprenderes a "escutá-la",- em ti!---
Por mais subtis que possam ser as faculdades de "compreensão" do teu intelecto,- não deves nunca misturá-lo com a fala da Palavra.-
Deves deixar que a Palavra da Eternidade se torne viva em ti, de modo a mostrar-te a sua  Sabedoria
última...
Não creias, porém, praticar um jogo, que diverte nos primeiros dias, e que depois por enfado se deixa!--
Se queres que o ensinamento te seja verdadeiramente útil, então terás que exercitar-te com perseverança diariamente, até  finalmente aparecer o dia, em que a Palavra se vivencie
a si própria em ti, no mais profundo estremecimento...
Então saberás pela primeira vez, através dessa experiência, o que a Palavra tem para dizer!---
Então abrir-se-ão para ti muitas portas, diante das quais agora inquires, sem poderes entrar.--
Então "compreenderás" muitos livros, que p
ainda hoje têm  para ti enigmas obscuros  .--
Não  te estou a dizer demasiado...
Avança bem direccionado na obra!
A época é favorável a esta tarefa!--
Poderás obter muito, se sem perguntares, quiseres ousar um pouco.---
Mas não te esqueças: não brincas um jogo frívolo!
Só a tua perseverança constante te poderá guiar à Vitória!---»
Sieg, Vitória, por Bô Yin Râ.