terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Sa'adi, e a sabedoria perene do Irão. "Gulistão", 6ª história. Vive o presente sintonizando o futuro.

Na história que vamos ouvir, Sa'adi relembra-nos que devemos ter uma consciência não apenas do presente, mas também do passado e do futuro, para que assim possamos ter uma vivência mais harmoniosa e frutífera na peregrinação terrena. Do passado, pelos que nos ensinam e nos trazem e entregam a história e a sabedoria dos séculos. Do futuro, pelas considerações que fizermos a partir do que eles nos dizem e nós lemos e vivenciamos, pois não há separação temporal rígida e o agora está sempre a passar. Por isso  alguns até tentaram cravar com uma espada esse momento sempre evanescente e clamaram Hic et nunc, aqui e agora, e com razão quando por esse meio se procura uma intensificação heróica, criativa e vencedora, de dar tudo por tudo.

No fundo, esta narrativa muito rica de expressões psico-físicas persas invulgares entre nós aconselha-nos a viver equilibradamente,  se queremos verdadeiramente chegar ao fim da vida terrena em boas condições materiais, corporais, psíquicas e espirituais.

Oiçamos então Sa'adi Shirazi, isto é, natural da bela cidade de Shiraz, onde nasceu (1210) e morreu já de idade bem avançada (1292) após ter muito viajado e vivenciado, reflectido e dialogado, meditado e escrito, e amado...

 «O filho de um homem piedoso, herdando uma fortuna enorme deixada por uns tios, mergulhou imediatamente na dissipação e libertinagem, tornando-se um perdulário e, para resumir, não houve transgressão alguma odiosa por perpetrar nem intoxicante por provar. Eu aconselhei-o porém, dizendo-lhe: “Meu filho, o rendimento é uma água em movimento e a despesa um moinho a rodar; isto é, só quem tem um rendimento fixo é que pode entregar-se a despesas muito abundantes.”

Se não tens um rendimento, gasta frugalmente

Porque os marinheiros cantam esta canção:

Se não houver chuva nas montanhas,

O leito do rio Tigre secará num ano.


“- Segue a sabedoria e a decência, abandona os espectáculos e o jogo pois a tua riqueza ficará exausta e depois  cairás em problemas e arrepender-te-ás”. O jovem foi porém impedido, pelas delícias da música e da bebida, de aceitar o meu conselho, considerando-o mesmo desacertado, dizendo que era contrário à opinião das pessoas inteligentes alguém amargar a tranquilidade do presente com preocupações do futuro.

Porque é que os possuidores de sorte e prazeres

Hão-de suportar a tristeza pelo medo de apreensões.

Vai, sê alegre, meu amigo de coração alegre

A dor do amanhã não deve ser tragada já hoje.

 Como poderia eu calar-me, eu que ocupo o mais alto assento da liberalidade, tendo dado o nó da generosidade e de cuja beneficiência a fama se tinha tornado o tema da conversa geral?

Aquele que se tornou conhecido pela sua liberalidade e generosidade

Não deve pôr um cadeado sobre os seus dinheiros.

Quando o nome de uma pessoa boa se espalhou por uma localidade

A porta não pode ser doseada contra a bondade da pessoa.

Quando percebi que ele não aceitara o meu aviso e que o meu hálito quente não estava a ter efeito sobre o seu ferro frio, deixei de o advertir e retirei a minha face da sua companhia, agindo de acordo com os filósofos, que disseram: “Transmite-lhes o que tu tens e, se eles não o receberem, não é tua a falta.”

Apesar de saberes que não serás escutado, diz

O que possas saber de bons conselhos e avisos.

Pode ser que brevemente contemples um infeliz companheiro

Com os seus dois pés a caírem no cativeiro,

Batendo as suas mãos juntas, e dizendo:”Infelizmente,

Eu não acolhi o conselho de um sábio”.

 Algum tempo depois vi realizadas as consequências que eu previra do seu comportamento dissoluto. Quando o vi a cozer remendo sobre remendo e a recolher migalha sobre migalha, o meu coração sentiu piedade pela sua condição empobrecida, mas como não considero humano coçar as feridas internas com reprimendas ou derramar sal sobre elas, de acordo com isso, disse-me apenas a mim próprio:

Um indivíduo tolo nos píncaros da sua intoxicação

Não se preocupa com o dia que há-de vir de aflição.

À árvore que deixa cair a sua folhagem na Primavera

Certamente não lhe restarão folhas no Inverno.»

 

Saibamos trabalhar e viver, como nos recomenda Sa'adi, pela frutificação espiritual perene, e divina até... 

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