Avançamos para a terceira parte da entrevista contida no livro O Rosto e a Obra, 12 entrevistas pelo António Paiva, editado pela Espiral..... Pintura de Bô Yin Râ.
«António Paiva – Relacionas esse sentido de vastidão senão tanto a uma ideia de anterioridade da nossa existência mas mais à tão portuguesa saudade?
Pedro Teixeira da Mota – A saudade é um sentimento complexo, com raízes tanto inatas como possivelmente dos povos que passaram na Península Ibérica, e que, como sabes, na tradição cultural portuguesa desenvolveu-se desde os trovadores, sendo o rei D. Duarte o primeiro a especulá-la filosoficamente, e que vai encontrar depois em Camões um notável cultor pelos desterros da sua vida e amores, tendo mais tarde em Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Fernando Pessoa, teorizadores grandes, em particular Pascoaes. De certa forma eles constituíram um núcleo de filosofia e de gnose Portuguesa, a dado momento quase uma forma de religião, na qual a Saudade foi vista como a memória de um estado paradisíaco original e simultaneamente um desejo e esperança de retorno a tal. Todavia, na dimensão do quotidiano, seja dos seres que trilharam os Descobrimentos seja dos seres que emigram, desenvolveu-se na saudade frequentemente uma aura algo sofredora do que se perdeu, do que ficou para trás. E não há a dinâmica de aspiração e de certeza para o futuro que poderia caracterizar mais luminosa e verdadeiramente a saudade, no sentido de um fogo de amor que embora não estando realizado está-se a caminhar para ele, pode-se actualizar. Por exemplo, no Fado tão tipicamente português ainda que se discutam as suas origens, houve artistas de grande qualidade e sensibilidade, mas talvez 70 ou 60% das suas letras ecoam a saudade, explícita e implicitamente, e em geral com o choradinho e a tristeza e sem a dimensão da afirmação unificadora do presente com o futuro, o que deve ser realizado pelo seu nível interior da alma-espírito imortal, interconectada, confiante, aspirante. Ora é a saudade, enquanto memória e antevisão amorosa da ligação que transcende as distâncias do tempo e espaço ou dos seres humanos separados, que será fundamental reconhecer, sintonizar e cultivar. Assim, a falta sentida pelos que emigraram para outras terras ou que já partiram para o além, deveria ser contrabalançada por ensinamentos e práticas espirituais que permitam às pessoas não já chorarem ou sofrerem por alguém desaparecido, mas passarem ao contacto supra-físico, espiritual, pela meditação e pela comunhão no coração, algo que aliás muita gente sente subconscientemente e as pessoas mais piedosas ou místicas obtêm com regularidade no seu coração, nem que seja como gratidão a Deus... Parece-me ser esta uma linha importante a ser desenvolvida, essencial até para que a nossa tradição espiritual possa ser aprofundada e actualizada não só em colóquios, comunicações e livros, como tanto se têm feito, mas em esforços interiores e momentos de maior sensibilidade e unidade.
Pedro Teixeira da Mota – A saudade é um sentimento complexo, com raízes tanto inatas como possivelmente dos povos que passaram na Península Ibérica, e que, como sabes, na tradição cultural portuguesa desenvolveu-se desde os trovadores, sendo o rei D. Duarte o primeiro a especulá-la filosoficamente, e que vai encontrar depois em Camões um notável cultor pelos desterros da sua vida e amores, tendo mais tarde em Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Fernando Pessoa, teorizadores grandes, em particular Pascoaes. De certa forma eles constituíram um núcleo de filosofia e de gnose Portuguesa, a dado momento quase uma forma de religião, na qual a Saudade foi vista como a memória de um estado paradisíaco original e simultaneamente um desejo e esperança de retorno a tal. Todavia, na dimensão do quotidiano, seja dos seres que trilharam os Descobrimentos seja dos seres que emigram, desenvolveu-se na saudade frequentemente uma aura algo sofredora do que se perdeu, do que ficou para trás. E não há a dinâmica de aspiração e de certeza para o futuro que poderia caracterizar mais luminosa e verdadeiramente a saudade, no sentido de um fogo de amor que embora não estando realizado está-se a caminhar para ele, pode-se actualizar. Por exemplo, no Fado tão tipicamente português ainda que se discutam as suas origens, houve artistas de grande qualidade e sensibilidade, mas talvez 70 ou 60% das suas letras ecoam a saudade, explícita e implicitamente, e em geral com o choradinho e a tristeza e sem a dimensão da afirmação unificadora do presente com o futuro, o que deve ser realizado pelo seu nível interior da alma-espírito imortal, interconectada, confiante, aspirante. Ora é a saudade, enquanto memória e antevisão amorosa da ligação que transcende as distâncias do tempo e espaço ou dos seres humanos separados, que será fundamental reconhecer, sintonizar e cultivar. Assim, a falta sentida pelos que emigraram para outras terras ou que já partiram para o além, deveria ser contrabalançada por ensinamentos e práticas espirituais que permitam às pessoas não já chorarem ou sofrerem por alguém desaparecido, mas passarem ao contacto supra-físico, espiritual, pela meditação e pela comunhão no coração, algo que aliás muita gente sente subconscientemente e as pessoas mais piedosas ou místicas obtêm com regularidade no seu coração, nem que seja como gratidão a Deus... Parece-me ser esta uma linha importante a ser desenvolvida, essencial até para que a nossa tradição espiritual possa ser aprofundada e actualizada não só em colóquios, comunicações e livros, como tanto se têm feito, mas em esforços interiores e momentos de maior sensibilidade e unidade.
A.P. Explica melhor ainda o que desejarias que fosse mais realçado e aprofundado na saudade, algo que foi tão importante na tradição portuguesa?
P.T.M. - Embora devamos relativizar os exageros sentimentalistas e tristes do saudosismo presentes em muitos poetas e escritores nos últimos duzentos anos, há que reconhecer o valor potencial do cerne mais elevado da saudade que é o desejo e eventual capacidade da unificação dos opostos, seja do passado e do futuro, seja o que foi amado e já não está presente, o que está no alto e no baixo, num sentir que aprofundado nos seus aspectos mais elevados ou expandidos pode gerar a intuição, o pressentimento, a comunhão, que unem, ou pelo menos religam, o que está separado. A saudade pode transformar-se assim numa capacidade de comunhão directa supra temporal e supra espacial com os seres que amamos. É um desafio à nossa mentalidade colectiva e que alguns grandes seres já trabalharam, ainda que com limitações, tais como referimos Antero de Quental, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa. Também Leonardo Coimbra, por exemplo, com a obra escrita após a morte do seu filho, Da Morte e da Imortalidade ou, nos nossos dias, Dalila Pereira da Costa, que via imagens duma memória arcaica ou de locais, a qual irrompia também em sonhos e audições e que sentia saudades dum Paraíso ou estado anterior de unidade com Deus, algo bem difícil de se conseguir...
P.T.M. - Embora devamos relativizar os exageros sentimentalistas e tristes do saudosismo presentes em muitos poetas e escritores nos últimos duzentos anos, há que reconhecer o valor potencial do cerne mais elevado da saudade que é o desejo e eventual capacidade da unificação dos opostos, seja do passado e do futuro, seja o que foi amado e já não está presente, o que está no alto e no baixo, num sentir que aprofundado nos seus aspectos mais elevados ou expandidos pode gerar a intuição, o pressentimento, a comunhão, que unem, ou pelo menos religam, o que está separado. A saudade pode transformar-se assim numa capacidade de comunhão directa supra temporal e supra espacial com os seres que amamos. É um desafio à nossa mentalidade colectiva e que alguns grandes seres já trabalharam, ainda que com limitações, tais como referimos Antero de Quental, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa. Também Leonardo Coimbra, por exemplo, com a obra escrita após a morte do seu filho, Da Morte e da Imortalidade ou, nos nossos dias, Dalila Pereira da Costa, que via imagens duma memória arcaica ou de locais, a qual irrompia também em sonhos e audições e que sentia saudades dum Paraíso ou estado anterior de unidade com Deus, algo bem difícil de se conseguir...
AP - E como vês actualmente entre nós, o esoterismo, a espiritualidade?
PTM – Modernamente, em Portugal, a busca de aprofundamento do conhecimento do ser humano psico-energético, de alternativas de vida mais holísticas, de esoterismo, de iniciação e de espiritualidade, fora das religiões tradicionais, ocidentais ora orientais, mas também dentro delas, apesar da continuidade de movimentos como os espíritas, os teósofos, os antroposóficos, os rosacrucianos, recebeu contributos de movimentos denominados da nova Era, desenvolvidos sobretudo a partir dos anos 1960 nos Estados Unidos, com uma componente maior psico-somática e de potencial humano, e na Europa, a França estando até mais próxima de nós e através das obras de Louis Pauwels, Jacques Bergier, e de revistas como a Planète, CoEvolution, 3ª Millenaire, e já nos anos 90, L'Originel, onde ainda colaborei no nº 8 de 1997. Acreditou-se, em sintonia com uma era astrológica do Aquário em que se estaria a entrar, após os cerca de 2000 dos Peixes, numa nova era, que segundo alguns se caracterizaria por buscas de realização pessoal numa convergência de múltiplas metodologias sem estarem limitadas pelas religiões institucionais e pelos meios e poderes conservadores das sociedades, que permitiriam a emergência de novos paradigmas na ecologia, ciência, na educação, na política, na psicologia, na filosofia, na religião e na espiritualidade. Com os instrutores, mestres, movimentos e investigadores que foram surgindo alargou-se bastante tanto o acesso a todas as tradições e livros como às referências cognitivas do sagrado, do subtil e do espiritual, em grande parte recorrendo-se ao Oriente e apropriando-se das suas teorias, práticas e cosmovisões mais interdependentes, a que se acrescentaram explorações no campo dos estados de consciência alterados, nos domínios parapsicológicos (de que hoje Dean Radin é um dos bons investigadores e com quem ainda dialoguei num dos congressos da Bial, no Porto) e nos mapeamentos de estruturas arquétipas da psique humana, nomeadamente com a alquimia, a astrologia, o Tarot, o I Ching, o simbolismo da arte e dos sonhos, etc. Talvez possamos concluir que muitos se dispersaram e uns poucos verdadeiramente se realizaram mais espiritualmente. Gerou-se então uma clara e valiosa libertação da dependência quase exclusiva do paradigma tão patriarcal, e separado da Natureza, do Catolicismo-Protestantismo, e em especial do que vinha do Antigo Testamento, onde energias muito violentas, provindas da concepção tribal e primitiva hebraica de Deus, mesmo na síntese que se foi fazendo com o ensinamento libertador do mestre Jesus, limitaram bastante a espiritualidade mais verdadeira que poderia emergir. Tal acabou por ficar entregue ao longo dos séculos a algumas comunidades ou movimentos, a místicos e mestres espirituais, enquanto os restantes fiéis semanalmente, na missa dominical ou, no caso dos padres e religiosas, diariamente, ouviam os Salmos e outras leituras violentas de relatos de mortandades tremendas atribuídas a Deus e aos Anjos. A missa, que deveria ser uma celebração mágica operativa, invocadora das bênçãos dos santos, anjos, Jesus e Deus, e a sua comunhão mística através da hóstia, ou simplesmente da receptividade interior, tornou-se um ritual algo monótono e repetitivo, apesar da mudança das leituras no ciclo anual, dependendo ainda e muito da qualidade da homilia e da vibração e realização espiritual do sacerdote, sendo muito raro podermos sentir e dizer: o sacerdote está a conseguir, ou conseguiu, sentir, aspirar e atrair as bênçãos espirituais e divinas. Um dos aspectos fracos do Catolicismo, tanto mais que agregou a si influências do Judaísmo que, em muitos textos, negava a imortalidade espiritual, era a doutrina sobre a vida depois da morte e, por isso, sobretudo a partir do séc. XIX, houve muitas reacções, a mais conhecida sendo o espiritismo e depois a dos grupos ocultistas, teósofistas, antroposóficos, rosacrucianos, para nos nossos dias, com a livre rédea dada a todo e qualquer pseudo-instrutor da nova Era, serem ilimitados os mestres e grupos, mensagens e canalizações, que tentam com maior ou menor clarividência e verdade, clarificar (embora frequentemente seja apenas explorar), a identidade integral do ser humano e do seu caminho no post-mortem. Na realidade eram muito limitadas as doutrinas da vida depois da morte consagradas no Cristianismo, tal como a da crença no descansar em paz até à mistificante ressurreição final dos mortos, ainda por cima em corpos físicos, e que a ser verdade levantava a questão de que com que idade e quantidade de cabelos se apresentariam, como alguns alvitraram... Neste aspecto, o Espiritismo, ainda que com muitos defeitos ou perigos, fraudes e mistificações, agitou no final do séc. XIX e começo do séc. XX um vácuo quanto à afirmação clara da sobrevivência dos seres em corpos subtis após a morte, chamando a atenção do grande público por vários meios, frequentemente enganadores mas que eram consolação para muita gente que pensava estar em contacto com os seus entes queridos desencarnados... Também a crença de se poderem receber mensagens de grandes seres, santos ou mestres, e sobretudo de Jesus, através de médiuns ou “canalizadores”, gerou receptividade a conselhos morais e fraternos, entusiasmantes e luminosos, que não eram certamente de Jesus nem de outros misteriosos mestres, mas também permitiu que muita patranhice fosse debitada ou escrita, de tal modo que se chegou gracejar, face às escritas automáticas ou às mensagens recebidas, dizendo-se que os escritores famosos perdiam as suas qualidades quando passavam para o outro lado e transmitiam mensagens. O crescimento exponencial de pessoas em movimentos e grupos alternativos de saúde, de esoterismo, de energias, de paganismo e de religiões orientais tem-se acelerado recentemente pelo facto da crença geral nas três Religiões do Livro ter vindo a diminuir pelos acontecimentos tão violentos que se têm passado na Terra Santa e no Médio Oriente, quer com o radicalismo dos extremistas islâmicos, em grande parte fomentados pela Arábia Saudita, que tem matado barbaramente milhares de inocentes, quer pelos extremistas israelitas, particularmente por causa dos sionistas que estando à frente dos governos de Israel desenvolveram e apoiaram uma mentalidade no exército e nos colonos de total desrespeito pela vida humana, praticando fria e deliberadamente o genocídio do povo Palestiniano. Ora para muitas pessoas, a base cristã, ou mesmo judaico-cristã, da religião, tão visível ainda nas leituras e orações da missa católica, que já tinha tido as suas páginas negras inquisitoriais, com este acréscimo actual de mais negatividade é cada vez menos valorizada ou aceite, enfraquecendo-se assim a aceitação do catolicismo, do cristianismo ou mesmo das três religiões do Livro, tão interligadas nas suas histórias e profecias, pese a bondade, humildade, ecologia e universalidade das encíclicas mais recentes, ou os sucessos de movimentos evangelistas de cariz muito básico emocional, que tem o seu expoente máximo num enganador Edir de Macedo e a sua Igreja do Reino de Deus. Mesmo o mestre Jesus, de uma sublimidade e amor imensos, tem sofrido com isso e já não é apenas a divindade única ou exclusiva de Jesus, abandonada pela maior parte dos grupos esotéricos, como o seu próprio acolhimento e exemplo a sofrer, algo trágico pois na realidade é como estarmos a presenciar uma segunda morte de Jesus, da qual se poderia mesmo considerar, por exemplo, o primeiro ministro israelita Benjamim Netanyahu, tão violento no genocídio palestiniano quanto agarrado corruptamente ao poder, como o Anti-Cristo principal do séc. XXI, ainda que ele seja secundado por muito sacerdote, pastor, médium, instrutor ou guru que vigariza, explora, engana seja sob o nome de Jesus, ou mesmo em seu nome ou, se quisermos ainda, ao assumir-se como porta voz de Cristo, do Logos, o que não é verdadeiramente ou com quem não está suficientemente ligado, em tal estado consciencial elevado...
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