sábado, 27 de janeiro de 2024

Um dito de Jesus sobre a destruição do seu corpo e ressurreição, e do Templo de Salomão e sua reconstrução.

Nestes tempos de tanto, tanto sofrimento na antiga Terra Santa, qualquer ser mais sensível, religioso ou crente na vida depois da morte, ora e medita e, simultaneamente, invoca e interroga o mestre Jesus sobre o que se está a passar e o que pensará ele, com os seus anjos e santos. Na incapacidade generalizada de o intuir, na ausência dum magistério eclesial claro e firme,  há que recorrermos ao que dele nos ficou e meditar alguma frase sua. E  eis um dos ditos do Evangelho de S. Tomé (aparecido em Nag Hammadi, Egipto, em 1945, num conjunto de códices em copta, do séc. IV) talvez apropriado e sem demasiadas dificuldades de interpretação, o logion 71: Disse Jesus: Eu deitarei abaixo esta edificação e ninguém será capaz de a reconstruir.
Está a referir-se a si próprio, ou seja ao seu corpo que iria em breve ser crucificado, ou será antes à religião mosaica e judaica, e em especial ao Templo de Salomão?
Em termos históricos, provavelmente seria ao Templo e, consequentemente, ao seu sumo Sacerdócio,  pois trinta e sete anos depois do rabi da Nazaré ser condenado e crucificado, o templo de Jerusalém sofre a sua 2ª destruição, ao ser arrazado pelos romanos, no ano 70, após um cerco demorado com a Arca de Aliança e outros objectos sacros a desaparecerem ou a serem levados para Roma. Com o fim do Templo-mór, do sumo sacerdote e da seita dos saduceus, serão os rabis, os professores religiosos, por vezes místicos, que em pequenas sinagogas  continuarão a orar e a estudar a Tora, levando-a até para a Europa, tal como os judeus e sírios tornados cristãos levavam a Boa Nova. Já na época medieval, dos finais do séc XI ao XIII, quando os cristãos com as Cruzadas tentaram libertar os lugares santos da Palestina do domínio islâmico, a Ordem dos pobres cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, vulgo Templários, instalar-se-á interior e na cripta do que se edificara sobre parte do destruído templo de Salomão (desde o séc. VII,  a mesquita de Al-qsha, e que sofreu várias destruições e utilizações e é palco hoje de constantes opressões aos fiéis islâmicos das sextas-feiras), e pioneirizaram certos aspectos de uma religiosidade mais universal e iniciática, e pela sua sabedoria, coragem e pragmatismo constituindo uma fraternidade ou comunidade axial entre a terra e céu e que, com a sua abrupta atribulação e destruição em 1317 pelo ganancioso rei francês Filipe o Belo, entrando num legendário mítico perene.
A mística do Templo e dos seus avatares, que perpassará muito, muito pela Maçonaria, na sua doutrinação e ritualismo, desde o séc. XVIII, e entre nós bastante por Fernando Pessoa, chegará até ao séc. XXI, com muitos a desejarem ainda reerguer o Templo exterior, ou a destruir até as artísticas construções islâmicas resplandecentes, num recinto tão querido às três religiões. Mas sabemos que a reconstrução do Templo, sobrevivendo contudo parte do Muro exterior das Lamentações, muito cultuado, não mais, não mais poderá acontecer, como Jesus disse, não só por impossibilidades arquitecturais e político-religiosas, como por também porque fé e as crenças nas religiões ditas abraâmicas ou do Livro decairam muito, ainda que bastante menos no Islão.
                                                                   
Voltando ao dito de Jesus, como a
s palavras dos mestres têm sempre várias dimensões, e de facto são por vezes clarividentes, proféticas, Jesus poderia estar a dizer também mais iniciaticamente: «- Eu, enquanto ligado com o mundo espiritual e divino, como mestre ou ungido, sei que virá o tempo em que o Templo cairá. Mas também vos digo que quem se entregar à minha orientação, não se perturbará com tal perda dum templo externo e aprenderá a vencer o seu ego ignorante, de modo a reconhecer no seu santuário interior o  espírito imortal e a religar-se à Divindade, ao Pai.»
Se estudarmos as hermenêuticas mais comuns dos comentadores de S. Tomé e dos Evangelhos, vemos que em geral tendem a admitir mais o referir-se ao seu corpo e a consequente ressurreição, seguindo S. João 2, 13:22, onde o episódio é localizado após a expulsão do vendilhões do Templo, o que aponta  para ser até mais o Templo de Jerusalém, pelo que deveremos realçar estar indicada nessa imagem a  ultrapassagem da religião judaica, pelo ensinamento e morte de Jesus, como se depreende de outras falas dele que escaparam à redação conciliadora pragmática da Torah como Antigo Testamento com os Evangelhos, como o Novo Testamento, tanto mais que ele era verdadeiramente o principal ungido, messiah, em grego christos , e por alguns reconhecido como o profetizado em Daniel e Isaías, mas que acabara por não o ser, fatalmente, pelos sacerdotes e a maioria dos hierosolimitas.
De facto, nos Evangelhos sinópticos a ideia que passa é semelhante ao dito citado por Tomé, mas com fim oposto, pois ele dá o seu próprio corpo à destruição, e ao terceiro dia o reconquistaria para a vida eterna. Em S. Mateus, em 26, 59, lemos a frase de poder destruir o templo e reconstrui-lo em três dias, ser arguida como sendo de Jesus por duas testemunhas denunciadores face ao Sumo Sacerdote, o qual questionando Jesus, escandaliza-se e rasga as vestes por ele reconhecer que era o filho de Deus, decidindo-se então a sua morte. No evangelho de S. Marcos, o mais histórico ou fidedigno, vemos por três vezes ser mencionada a destruição do Templo,  a primeira vez no cap. 13:1-4  numa conversa real, simples mas profética entre os mestre e os discípulos, quando saiam do Templo pois estes, elogiando a sua estabilidade, fazem-no afirmar: «Não ficará pedra sobre pedra, que não seja deitada abaixo.» Mas será nos Actos 6:12-14, que encontramos a descrição mais alargada plausível, embora afirmando-se que provinha de falsas testemunhas diante do Sumo Sacerdote: «ouvimos dizer que este Jesus da Nazaré destruiria este local e mudaria os costumes ou mandamentos que Moisés nos entregara»
Só portanto nos Actos 6 parece emergir a versão mais completa da fala do mestre, mostrando-se que Jesus profetizara e quereria o fim (ou a transmutação) da religião de Jeová, pois os outros evangelhos omitem a declaração expressa de tal propósito. E será então que o dito, tal como é apresentado de modo reduzido no Evangelho de S. Tomé, visa não apoiar os que acreditavam que Jesus teria ressuscitado corporalmente, algo que aliás é desenvolvido com contradições nas narrativas evangélicas? 
Ou seja, o compilador dos ditos de S. Tomé desvalorizou o episódio da ressurreição física, que ele consideraria não um dito profético mas uma coisificação ou materialização de uma ressurreição espiritual e, no modo como o transmite, parece apenas indicar o fim do Templo e do seu Sacerdócio. Mas provavelmente também da própria da lei de Moisés e da sua dependência do demiurgo Jehova, natural numa compilação de ditos puros ou concentrados, que evidenciam o lado mais gnóstico e libertador de Jesus. 
Algumas conclusões parecem-nos então plausíveis, sobretudo a partir dos Actos dos Apóstolos, e dos progressos da crítica científica e espiritual histórico-religiosa, para o qual o evangelho de S. Marcos é o mais histórico e fidedigno: 1ª, a de que a religião mosaica foi na sua essência ultrapassada, nomeadamente quando os seus fiéis não souberam libertar-se, quanto à Divindade, da concepção exclusivista e violenta de Jehova, para a mais pura e íntima de Jesus, e duma religião demasiado ritualista e legalista para o do amor e caridade fraterna e libertadora, algo que nos dias de hoje ainda parece mais evidente.  2ª, que os sonhos messiânicos ou então de segundas vindas, sejam de judeus, cristãos, teosóficos, esoteristas e sobretudo evangelistas, mas também de outras religiões, são uma projeção de desejos e ânsias, que podem alucinar e alienar, gerando tendências perigosas de sectarismos fanáticos. 3ª, a de que o Templo de Salomão nunca mais será reconstruído, nem os lugares santos islâmicos serão destruídos, dada a sua historicidade, beleza e sacralidade. Sabendo-se porém nestes campo da proverbial teimosia, ou mesmo obstinação, judaica e dos fundamentalistas evangélico-cristãos, ainda muito pode acontecer, tanto mais que assistimos nestes últimos anos e particularmente meses a uma tentativa levada a cabo impiedosamente de destruição maciça da presença islâmica e palestiniana na Palestina, na faixa de Gaza, em Israel.
O que pensará o mestre Jesus da tragédia actual e proporá para o futuro? Certamente, cessar-fogo imediato, reconhecimento do Estado Palestiniano, co-habitação pacífica dos dois Estados e maior abertura dos dirigentes às forças de luz, amor, sabedoria e fraternidade, com uma ampla educação para a não-violência e paz nas populações...
Será possível realizar-se este desiderato, numa tarefa hercúlea, ou é uma utopia imensa, pois os traumatizados dos dois lados e os instintos de vingança acirrados, para além das muitas mentalidades violentas, racistas e cheias de ódio, e das disputas ambiciosas territoriais e das bacias petrolíferas no mar, dentro do grande confronto geo-político entre o império anglo-americano-israelita e a multipolaridade concretizada no BRICS e liderada pela Rússia, China e Irão, vão fazer perdurar por bastante tempo, ou intensificar a curto prazo, as guerras e escaramuças?
Embora seja utópico admitir-se a breve trecho uma paz estável, antes parecendo eminente uma conflagração, creio que todos devemos lutar pelo cessar fogo, a co-existência dos dois Estados, e a erradicação pela cultura, a educação, a arte e a espiritualidade do egoísmo feroz e do ódio.
Para estas metas ou elevados objectivos, o mestre Jesus deu muitas indicações esparsas pelos Cinco Evangelhos, ou recebidas e intuídas pelos seus santos e santas, e que encontramos noutros ensinamentos espirituais e éticos, mas que certamente só em corações sensíveis e receptivos é que medrarão. Oremos para que assim aconteça, e que das destruições do corpo de Jesus no ano 33, da cidade e templo de Jerusalém no ano 70, dos cavaleiros do Templo em 1317 e  de tanto, tanto de Gaza em 2024, renasçam agora seres, forças e edificações harmoniosas, amorosas e fraternas. 

Sem comentários: