Começado a escrever em 24-4-98, no Gerês transmontano, e finalizado em 22-1-24. Fotografias tiradas por mim. |
Quando o Sol começara a tingir a aurora no horizonte, fazia eu as abluções sagradas numa fonte de água cantante e fresca sobre a qual as flores da buganvília pareciam flutuar coloridamente na brisa matinal. O balde metálico que enchera de água fresca e purificadora estava já quase esvaziado quando subitamente olhei para o fundo da clareira, lá onde o bosque começava, e pareceu-me ver uma figura dum ancião vestido de branco e de longas barbas da mesma cor. Arregalei bem os olhos porque para distinguir se era visão real ou alucinação, embora estas não as tivesse. Contudo, desde que me mudara para aquela quinta isolada onde fazia vida simples, sentia a minha mente como desanuviada e no limiar duma visão lúcida expandida, algo extra sensorial ou mesmo supra-mental. Não me deixei perturbar, ao pensar que era mesmo alguém muito estranho que me fitava de longe, e restava-me esperar pelo que iria suceder.
Pousei a toalha sobre a sebe de buxo lateral e lentamente virei-me em direcção à estranha personagem, desconhecendo qual seria a sua intenção e interrogando-me sobre a identidade: um peregrino, um doido, um espírito de alguém morto há pouco tempo, um espírito da floresta ou quem sabe o Mestre sublime, confesso que sempre desejado mas já pouco esperado? Quem seria?
O ser levantou um braço e acenou-me num gesto de avançar, e eu fi-lo, ainda que emocionado, mas à medida que me ia aproximando fui sentindo uma apreciável mudança qualitativa no meu próprio ser: as narinas desbloquearam-se completamente, mais leve caminhava, um calor anormal aquecia o meu corpo e uma estranha felicidade parecia querer irromper do peito, no qual o coração parecia estar a arder.
À distância de uns dois, três metros já podia penetrar melhor no mistério que me interpelava. Alto, forte, um ancião de olhos fortes mas bondosos, parecendo estrelas num céu límpido de Verão. As suas mãos viraram-se para a terra e sinalizaram que me devia sentar nela, o que fiz num tão brando e natural movimento que até a mim me surpreendeu. Notava ainda que a minha consciência estendera-se bem para além dos contornos do corpo e sentia-a tão vasta como aquela clareira. O enigmático ser sentou-se também na terra esverdeada pela erva, enquanto algumas aves modulavam cantos de especial ressonância no meu ser, que me fizeram sentir as árvores onde elas estavam e que me rodeavam, o abanar das suas folhas e a linguagem de paz e alegria que por todos esses meios circulava.
Mas logo a atracção da comunicação pelos olhos brotou imparavelmente no silêncio que se estabeleceu e, depois de eu sustentar o olhar do venerável ser, a custo, pois tanto o peito como os olhos pareciam o oceano a querer saltar um dique, vi-o a ele a cerrar lentamente os olhos, acontecendo-me o mesmo naturalmente ou por espelho em mim. E o que me aconteceu consciencialmente foi simplesmente despenhar-me por entre falésias lisas de granito, sobre as quais a terra se abrira e descer até um fundo imenso e calmo.
Abri depois os olhos algo impressionado com tal queda e de novo os nossos olhos continuaram o seu inefável diálogo ou comunicação parecendo-me agora que o seu olhar continha uma profundidade imensa, com cheiro a húmus da terra e sabor às cicatrizes de sofrimentos imemoráveis, o que se consubstanciava numa profunda vibração de humildade avassalando o meu ser, que repentinamente sentia bem o que frases da tradição espiritual, tais como “não eu, mas Ele”, ou o «não nós, não nós, mas ao Teu Nome...» e o "tende piedade de nós", significavam de realidades do mais profundo do ser verdadeiro e uno, emergindo por entre todo o historial humano até à superfície.
De novo o olhar do ancião interiorizou-se, e eu senti os olhos como que sendo puxados para cima e para dentro, ficando como que a olhar por um telescópio que rompesse a testa e se abrisse e desembocasse na imensidão do cosmos de milhões de estrelas e galáxias. E, subitamente, ouve um estalo, a minha boca abriu-se de pasmo, pois repentinamente vira de olhos fechados o céu nocturno e estrelado e que depois, tal como um cortinado que se fende ou abre para dentro, dera à luz ou fazia-me sentir e entrar num espaço de infinito silêncio e paz.
Pousei a toalha sobre a sebe de buxo lateral e lentamente virei-me em direcção à estranha personagem, desconhecendo qual seria a sua intenção e interrogando-me sobre a identidade: um peregrino, um doido, um espírito de alguém morto há pouco tempo, um espírito da floresta ou quem sabe o Mestre sublime, confesso que sempre desejado mas já pouco esperado? Quem seria?
O ser levantou um braço e acenou-me num gesto de avançar, e eu fi-lo, ainda que emocionado, mas à medida que me ia aproximando fui sentindo uma apreciável mudança qualitativa no meu próprio ser: as narinas desbloquearam-se completamente, mais leve caminhava, um calor anormal aquecia o meu corpo e uma estranha felicidade parecia querer irromper do peito, no qual o coração parecia estar a arder.
À distância de uns dois, três metros já podia penetrar melhor no mistério que me interpelava. Alto, forte, um ancião de olhos fortes mas bondosos, parecendo estrelas num céu límpido de Verão. As suas mãos viraram-se para a terra e sinalizaram que me devia sentar nela, o que fiz num tão brando e natural movimento que até a mim me surpreendeu. Notava ainda que a minha consciência estendera-se bem para além dos contornos do corpo e sentia-a tão vasta como aquela clareira. O enigmático ser sentou-se também na terra esverdeada pela erva, enquanto algumas aves modulavam cantos de especial ressonância no meu ser, que me fizeram sentir as árvores onde elas estavam e que me rodeavam, o abanar das suas folhas e a linguagem de paz e alegria que por todos esses meios circulava.
Mas logo a atracção da comunicação pelos olhos brotou imparavelmente no silêncio que se estabeleceu e, depois de eu sustentar o olhar do venerável ser, a custo, pois tanto o peito como os olhos pareciam o oceano a querer saltar um dique, vi-o a ele a cerrar lentamente os olhos, acontecendo-me o mesmo naturalmente ou por espelho em mim. E o que me aconteceu consciencialmente foi simplesmente despenhar-me por entre falésias lisas de granito, sobre as quais a terra se abrira e descer até um fundo imenso e calmo.
Abri depois os olhos algo impressionado com tal queda e de novo os nossos olhos continuaram o seu inefável diálogo ou comunicação parecendo-me agora que o seu olhar continha uma profundidade imensa, com cheiro a húmus da terra e sabor às cicatrizes de sofrimentos imemoráveis, o que se consubstanciava numa profunda vibração de humildade avassalando o meu ser, que repentinamente sentia bem o que frases da tradição espiritual, tais como “não eu, mas Ele”, ou o «não nós, não nós, mas ao Teu Nome...» e o "tende piedade de nós", significavam de realidades do mais profundo do ser verdadeiro e uno, emergindo por entre todo o historial humano até à superfície.
De novo o olhar do ancião interiorizou-se, e eu senti os olhos como que sendo puxados para cima e para dentro, ficando como que a olhar por um telescópio que rompesse a testa e se abrisse e desembocasse na imensidão do cosmos de milhões de estrelas e galáxias. E, subitamente, ouve um estalo, a minha boca abriu-se de pasmo, pois repentinamente vira de olhos fechados o céu nocturno e estrelado e que depois, tal como um cortinado que se fende ou abre para dentro, dera à luz ou fazia-me sentir e entrar num espaço de infinito silêncio e paz.
Quando abri as pálpebras de novo o ancião sorriu-me e senti-me com uma mente tão clara que parecia que todas as rugas dos pensamentos e das preocupações do meu ser quotidiano se tinham evaporado por completo e que as bênçãos do cosmos infinito estrelado e a grande unidade que está nele nunca mais me abandonariam.
A lua cheia despedira-se já para as bandas do ocidente, mais subtil e fina do que quando nascera tingida de avermelhado ao cair da noite anterior. E agora era o sol que irrompia a querer saltar, pular, rapidamente o limiar do horizonte, saudado por uma gritaria imensa de aves e pássaros. A figura venerável parecia querer desaparecer, mas não: apenas se levantara uma brisa mais forte e o seu peito abria-se com o meu numa comunhão fantástica que me ergueu quase do chão e de novo me pôs nas nuvens da eternidade.
Quando um suspiro aliviou o meu ser psico-somático e abri os olhos a enigmática figura partira já e ao longe só uma estranha claridade no obscuridade da floresta mais cerrada testemunhava a sua partida para um destino que era o seu e não meu, embora uma certa unidade entre nós parecia ter nascido ou renascido, talvez para sempre...
Quedei-me pois, e não pensei senão em sentar-me de novo, meditar e dar graças a Deus por aquele seu mensageiro e mestre. E meditando no que se passara vi-me então como caído estava, na Terra e neste corpo tão socializado, e como me despenhara de alturas fabulosas e que agora só suplantando os pensamentos, preocupações, desejos e distrações da existência egóica no mundo é que de novo entrava numa esfera de silêncio e paz, na qual, aos poucos, podia sentir o fogo divino alumiar-se, como um rio a desentranhar-se dum terreno absorvente e pantanoso e a irromper forte mas humildemente por entre as fragas tanto das nossas misérias, limitações, dúvidas, como dos diques que lhes fizermos, encaminhando-o rumo ao coração, ao alto...
A lua cheia despedira-se já para as bandas do ocidente, mais subtil e fina do que quando nascera tingida de avermelhado ao cair da noite anterior. E agora era o sol que irrompia a querer saltar, pular, rapidamente o limiar do horizonte, saudado por uma gritaria imensa de aves e pássaros. A figura venerável parecia querer desaparecer, mas não: apenas se levantara uma brisa mais forte e o seu peito abria-se com o meu numa comunhão fantástica que me ergueu quase do chão e de novo me pôs nas nuvens da eternidade.
Quando um suspiro aliviou o meu ser psico-somático e abri os olhos a enigmática figura partira já e ao longe só uma estranha claridade no obscuridade da floresta mais cerrada testemunhava a sua partida para um destino que era o seu e não meu, embora uma certa unidade entre nós parecia ter nascido ou renascido, talvez para sempre...
Quedei-me pois, e não pensei senão em sentar-me de novo, meditar e dar graças a Deus por aquele seu mensageiro e mestre. E meditando no que se passara vi-me então como caído estava, na Terra e neste corpo tão socializado, e como me despenhara de alturas fabulosas e que agora só suplantando os pensamentos, preocupações, desejos e distrações da existência egóica no mundo é que de novo entrava numa esfera de silêncio e paz, na qual, aos poucos, podia sentir o fogo divino alumiar-se, como um rio a desentranhar-se dum terreno absorvente e pantanoso e a irromper forte mas humildemente por entre as fragas tanto das nossas misérias, limitações, dúvidas, como dos diques que lhes fizermos, encaminhando-o rumo ao coração, ao alto...
Sentia-me renascer de novo, e uma paz profunda parecia tratar das circunvalações dos nervos e do cérebro, circular como corpo subtil dos pés à cabeça e tornar a dança dos meus átomos mais alegre, despreocupada e harmoniosa. Levantei-me, ergui os braços e abracei a clareira e a floresta na suas dimensões subtis e fiz alguns movimentos. Lá ao longe parecia-me sentir ainda algo daquele ser divino que me visitara e que ainda hoje não sei bem identificar, mas o que interessa isso se conheço melhor as minhas profundezas e alturas, se o meu coração está mais aberto e ígneo e a minha vontade é mais a da verdade, do amor, do bem, do espírito, do ser divina?
Da visita do mestre ancião ficou-me ainda como seu testamento olhar a Natureza como o templo da Divindade e invocá-La nela, senti-la como o seu Logos, Inteligência-Amor, ou descobrir nela, Gaia, aves e árvores, penedos e cristais, rios e montes, espíritos da Natureza e Anjos, ou mesmo nas personas e edificações humanas, a sua anima mundi e dynamis falando simbolicamente pelas formas, proporções, números, sons, ritmos e cores. E assim o cumpro, na medida do possível, seja quando estou no campo e montanhas, e cavo a terra ou abraço as árvores, seja quando apenas a olho pela janela, no céu azul e nocturno, com Sírios ou as Plêiades, ou nalgumas árvores que, com as raízes para o fogo interno e as folhas verdes para o prana ensolarado, cumprem também a mesma função de ligar a Terra e o Céu pela aspiração e assimilação da luz e calor do Sol, o Ser e imagem principal para o nosso planeta da Divindade.
Daí que contemplar o Sol a nascer ou a pôr-se, abrir-me a ele a qualquer hora do dia, sentir a força benigna da luz solar, com todas as suas subtis qualidades, onde quer que ela se possa contemplar, invocar ou acolher mais, se tornaram sacramentos, ou seja, sacralizam, harmonizam e plenificam as minhas forças vitais e psíquicas, fortificando ou intensificando as nossas antenas e canais para os mundos espirituais e a Divindade infinita, imanente e transcendente, do que resulta uma melhor irradiação vibratória para as pessoas e a sociedade tão artificializada e manipulada e a Natureza, tão destruída e tanto necessitando de mais agricultura biológica, agro-floresta, famílias e grupos alternativos e amantes dela...
E o ancião tornou-se uma imagem do mestre, do sábio, do harmonizador e iluminador que todos devemos ser, de acordo com as nossas capacidades, e o swadharma, o nosso próprio (swa) dever-missão-especificidade, e por isso diariamente os saúdo, e na meditação tento silenciar e estar aberto a alguma intuição e indicação silenciosa, subtil com a qual ele ou eles, elos da Tradição Espiritual e da Divindade, nos impulsionem e abençoem.
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