Debendranath Tagore, um maharishi, ou grande poeta sábio de visão espiritual... |
Comemoram-se hoje, os 119 anos da partida para os mundos espirituais (a 19 Janeiro 1905) de Debendranath (ou Devendranath)
Tagore, nascido a 15 de Maio de 1817, em Shiladaiha, Bengala, numa das famílias mais
antigas e importantes bengalis, tendo estudado como era tradicional em casa até 1827, entrando depois no colégio Anglo-indiano. Em 20 de Agosto de 1828 fundara-se o Brahmo Sabha, uma associação de despertar social e religioso, com Ram Mohan Roy, Devekarana Tagore, o seu pai, e o erudito Ram Chandra Vidyabagish. Em Janeiro de 1830 abre-se o 1º local de culto, samaj, passa a denominar-se Brahmo Samaj, e na inauguração no mesmo mês, há já 500 membros, continuando Ram Chandra Vidyabagish como 1º secretário e o oficiante nos cultos , Como Ram Mohan Roy parte para Londres em 1830 e aí morre em 1833, o que provoca, apesar do apoio monetário de Vekranath Tagore e do fogo espiritual de Ram Chandra, um enfraquecimento na frequência das reuniões, abertas a todo o tipo de fiel religioso, pois o Brahmo estava dedicado «ao culto religioso e adoração do Ser imutável, indescobrível e eterno, que é o autor e preservador do Universo».
Trabalhando para a família, mas cada vez mais atraído para o conhecimento e realização espiritual, em 1839, após a morte do pai, Debendranath Tagore funda a Tattwabodhini Sabha, A Sociedade da Vibração (ou estado) de Sabedoria ou Conhecimento, com grande sucesso e atraindo alguns intelectuais valiosos que colaborarão bastante, tais os geniais e tão influentes Akshay Kumar Datta (1820-1886) e Ishwar Chandra Vidyasagar (1820-1891). Publica uma revista Tattwabodhini Patrika, onde partilha os seus pensamentos e as traduções dos Vedas, e em 1840 dá à luz uma pioneira tradução em bengali de uma das Upanishdas, a Katha.
Em 1843 os directores do Brahmo Shaba, pedem a Debendranath Tagore e aos principais membros Tattwabodhini Sabha que entrem para o Brahmo Shaba e participem. E assim sucede, desenvolvendo-se bastante mais e no seu papel para o renascimento e modernização da Bengala e preparando-a para a futura independência.
Os objectivos eram os de reforma e modernização da sociedade pela melhoria e alargamento da educação, protecção e desenvolvimento das mulheres, viúvas e crianças, apoio aos mais pobres, diminuição de superstições e idolatrias, destacando-se certos aspectos doutrinários, tal a não afirmação da reincarnação, desvalorização dos avatares e as aspirações religiosas tendendo completamente ao Teísmo, a uma concepção unitária da Divindade, Brahman, ou Brahmo, donde o nome Brahmo Samaj, a associação, local de culto ou comunidade de Deus.
Ao aprofundar a hermenêutica das escrituras sagradas, Vedas e Upanishads, já que era um erudito e fiel do amor do sânscrito (ao contrário de Ram Mohan Roy, que se abriu mais ao Cristianismo e ao Islão), ao partilhar com grande beleza física, psíquica e espiritual a sabedoria em conferências, sermões e escritos, e ao prosseguir uma demanda intensa da verdade, embora casado (vindo a gerar 14 filhos), e com vida social intensa, passou a ser considerado maharishi, grande sábio vidente, sobretudo quando dá à luz a sua obra principal, em 1850, o Brahmo Dharma, onde partilha a sua visão da religião espiritual teísta universal, baseada em versos extraídos dos Vedas e sobretudo das Upanishads, os de maior sabedoria espiritual e divina, e que ele adapta e aperfeiçoa, ao juntar as partes mais significativas delas, e cortando as que menos interessavam, traduzindo-as e comentando-as segundo a sua sensibilidade, e logo por vezes divergindo das traduções e comentários (bhasya) dos grandes mestres da Vedanta, tais Shankara, Madva, Ramanuja, etc.
Em 1854, funda com Akshay Kumar Datta a Samjjyoti Bidhayini Sahrit Samiti, uma instituição com os objectivos sociais de diminuir tanto a pobreza como a superstição, e torna-se outra frente de batalha por um racionalismo de costumes e crenças.
A dado momento, em 1866, dá-se uma cisão dentro do Brahmo Samaj, formando-se um grupo, Bharatvarshiya Brahmo Samaj, ou seja, o Brahmo Samaj da Índia, liderado por Keshav Chandra Sen, que estudara num colégio anglo indiano, não sabia sânscrito e se abrira demasiado ao Cristianismo e aos diversos profetas, enquanto a linha original liderada por Debendranath Tagore, contrária ao culto das imagens e à infiltração do Cristianismo, passa a ser conhecida como o Adi Brahmo Samaj, o antigo ou primordial.
Em 1867 compra uma vasta terra a norte de Calcutá onde começa a construir o seu ashram ou centro espiritual que se torna o famoso Shantiniketan, a abóbada da paz, e a universidade ao ar livre de um dos seus quatorze filhos, o mais famoso, prémio Nobel de Literatura em 1913, Rabindranath Tagore, ainda hoje muita valiosa (e onde estive em peregrinação em 1995.)
Tendo escrito muitos artigos e seis livros, o que se tornou mais popular foi de facto o Brahmo Dharma, ou seja o Dever ou Ordem Divina, ou ainda o Caminho de Deus, e é dele que vamos extrair algumas ideias forças, homenageando Debendranath Tagore, provavelmente pela primeira vez em Portugal. Aum!
Escrita em 1848, embora traduzida para algumas línguas regionais da Índia, só em 1928 receberá a sua primeira tradução em inglês, dada à luz em Calcutá, por Hem Chandra Sarkar, com comentários para cada verso, e quando estive cerca de sete meses no Instituto da Missão de Ramakrishna em Gol Park, Calcutá, comprei um exemplar nos alfarrabistas de rua, e assim passo a partilhar alguns dos melhores versos, com os comentários de Debendranath Tagore.
Começa assim o Brahmo Dharma, Cap. I, 1º verso « Om, assim dizem os instrutores do conhecimento divino.
O fogo divino do conhecimento de Deus está escondido no coração de todos os seres humanos. A consciência da
infinita bondade de Deus está escrita em letras inextinguíveis nas almas
de todas as pessoas. Podemos ver Deus quando este fogo é acesso pelo
estudo do universo. Ele imprimiu a sua imagem da bondade pura em todas as coisas materiais e em todos os corações humanos. Essas grandes almas abençoadas despertas que estavam aptas a realizá-la, eles estão ateístas e aqueles que o realizaram ensinam acerca dele, eles são os professores do conhecimento. Para ser um teísta ou um professor de teísmo não é necessário pertencer a qualquer país, idade ou nacionalidade. Os teístas de qualquer país tem o direito de ensinar acerca de Deus. As ideias e as verdades realizadas nas almas e ensinadas pelos antigas teístas sábios da Índia ficam compiladas na primeira parte do Brahmo Dharma.
2º verso: Esse do qual nascem todos os seres, pelo qual todos os seres criados são sustentados e para o qual eles procedem e entram, esse é a Divindade. Deseja conhecê-lo profundamente. (...)»
3º verso: A partir do Amor seguramente todos os seres nasceram; pelo Amor os seres criados são sustentados e para o Amor eles caminham e entram.
Este Deus absoluto, o criador, preservador e destruidor, não tem nome particular. Os antigos teístas que o realizaram nas suas psiques como infinito, omnipresente, habitando no interior da pessoa beneficiada, desfrutaram-no como felicidade pura e declaram que ele era Beatitude (anandam), nós também, que fomos suavizados e imersos nesta beatitude chamamos-lhe Beatitude.
Cap. V, verso 1: Deus é omnipresente em tudo o que existe neste universo. Abandona pensamentos negativos e ganância terrena, e desfruta da felicidade de Deus; não cobices a riqueza dos outros.
Cap. VI, verso 41: Quem conhecer Deus, como a Realidade, a Consciência ou Razão e o Infinito, habitando na alma, no mais alto céu do seu próprio corpo, desfruta de todos os objectos do seu desejo com essa Divindade omnisciente.
Verso 43: Os que conhecem o seu próprio Eu, realizam o Espírito Supremo que não tem corpo nem impureza, o santo, a luz da luz dentro do mais alto e mais brilhante revestimento das almas (...)
Verso 44 (...) O Espírito supremo não é revelado pela luz do sol a da lua. Ele revela-se a si próprio, na luz da nossa alma, na nossa visão interior. O inteiro universo brilha, ao ser iluminado pela resplandecência deste brilhante Deus. Tudo pereceria se fosse separado Dele.
Verso 46: Ele é infinito, glorioso, para além do alcance do pensamento. Ele é mais subtil que o subtilíssimo. Ele está mais longe que o mais longínquo, e está muito perto de nós. Ele mora na gruta do coração de todas as criaturas inteligentes.
Verso 47: Ele não pode ser atingido pelos olhos, nem pelas palavras, nem pelos outros sentidos; nem pode ser obtido pelo ascetismo, ou por actos sacrificiais. Aquelas pessoas, cujo coração se torna puro pela purificação do conhecimento, realizam na meditação a Divindade sem forma.
Quando o coração se torna puro pela procura do conhecimento e a prática da justiça, então ele pode ser visto na nossa alma. Ele não pode ser alcançado pela realização de sacrifícios, a observância de votos, e as práticas ascéticas, tais como jejuar, cultivar o fogo, etc. Estes não são os caminhos para o atingir. O Seu caminho é o do conhecimento (Jnana).»
Terminaremos homenageando também Hem Chandra Sarkar, pelos seus valiosos comentários para cada verso e comentário de Devendranath, citando exactamente a parte final do comentário que ele fez ao último verso transcrito, 47, já que aborda um aspecto essencial do caminho.
Explicando que o verso provém da Mundaka Upanishad e que nela se exprime uma verdade profunda do mundo espiritual, traça o paralelo com o dito de Jesus: «Bem aventurados os puros de coração porque eles verão a Deus», e realça que ambas as tradições afirmam que Deus pode ser visto, e enfatiza que ambas falam «em ver, e não conhecer, e ambos reservam esta suprema bênção apenas para os puros de coração. A Mundaka Upanishad é mesmo mais explícita e enfática, do que o Evangelho. O sábio que a escreveu explicita que a visão de Deus não pode ser obtida por sacrifícios, ascetismos e outras práticas, e só quando o eu mais íntimo foi purificado, se pode esperar então ter ou receber a visão de Deus. A frase "num estado psíquico extremamente puro", (visuddha sattva), é mais expressiva do que "os puros de coração", de Jesus. Significa a purificação do eu mais íntimo e esta purificação não pode ser obtida só pelo conhecimento, Jnana. O Jnana das Upanishads não é um mero conhecimento intelectual. Inclui a perfeição tanto moral como espiritual. E para além disso, o sábio, Rishi, desta Upanishad diz que a pessoa só pode ter a visão de Deus meditando. Estamos diante de uma exposição muito completa das condições da visão divina.»
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