Uma canção de Mirá, a grande mística da Índia.
Saudades
do Infinito, versão livre do texto hindi, foi publicada na revista do
Instituto Menezes Bragança, de Panjim, Goa, pelo reverendo Padre e Doutor em Filosofia Alberto Mendonça, com quem eu tive umas horas de luminosa conversa no alto de Porvorim há décadas, além de duas cartas, e que espero continuar nos mundos invisíveis, quando retornar a eles e o encontrar, se tal couber na graça ou dispensação divina, ou dharmica. É um poema que manifesta tanto a prática espiritual (sadhana) de Mira, de oração, devoção à imagem e canto-dança, como a intensidade da sua devoção amorosa, bhakti, em imagens, ideias e ritmos de grande beleza e eficácia nas almas.
É uma homenagem a ele e a grande mística Mira Bai (1547-1614), desde tão nova enamorada de Krishna que conseguiu que os seus pais a casassem com ele em cerimónia tradicional, não mais deixando de manifestar um amor tão imenso quanto poético, e assim, Krishna, nomeadamente como Girdhar nagar (criança), tornou-se de tal modo o rei do seu coração, para além das perseguições de uma tia, que abdicou de ser rainha, e dos cerimoniais sociais e religiosos, e se assumiu como uma bhakti yogini peregrina dirigindo-se para Brindavan, o centro da devoção a Krishna, tendo grandes encontros (nomeadamente com Sri Jiva Goswami), satsangas e experiências psico-espirituais, sendo reconhecida como uma Gopi, uma pastora amante de Krishna. Destacar-se-á como trovadora itinerante do amor e da devoção, cantando em vários dialectos as suas experiências espirituais devocionais, a sua aspiração, a visão (darshan) no seu coração espiritual do seu adorado Krishna, a sua união com ele, com as suas dores de separação, as revelações e êxtases, sendo ainda hoje muito lida e musicada, e sobretudo estudada e meditada, pois foi claramente uma mestra espiritual, com profundo conhecimento e realização das doutrinas, métodos e níveis espirituais.
Música: Kanha Kanha tujh sang preet na - Meera bhajan (The sound of Soul)
«Pulsa, oh meu coração, com ardor com veemência,
Rompe os laços que te prendem ao mundo dos vai-vens,
Livre das peias, lança o voo para o azul para o infinito.
Nas profundezas do meu ser, eu sinto a sua presença indefinida.
No silêncio da noite, quando a paixão do Infinito me assalta,
Os ecos longínquos da sua flauta arrancam-me a vida do coração.
Nas manhãs luminosas, quando a magia da ilusão me arrebata,
A doce cadência da sua flauta lança-me no êxtase profundo da oração,
Com o olhar sumido em mim mesma, a carícia do seu contacto me faz desmaiar.
Quando o sol triunfa no alto e a ânsia do Infinito [da Divindade] me inflama o seio,
E eu diviso o seu rosto azul [Sri Krishna] profundo em tudo o que me rodeia,
Luzindo como diadema sublime das penas de pavão,
O ritmo forte da sua flauta me desengana e transporta
Sem eu saber, desfalecido, fremente e oca,
Para o mundo vertiginoso do rodopiar da dança sagrada.
Ao cair da tarde quando o céu se veste de azul e oiro,
E o poente é um vasto leito cor de rosa envolto em nuvens doiradas
E da terra suplicante se evola para o azul a fragrância da erva sagrada,
No disco inflamado do sol que lentamente mergulha no mar,
O infinito revela-me a sua face transfigurada e acena-me...
Oh roubador dos corações, sem pátria nem morada, leva-me contigo!
A jornada para o Infinito, dizem os sábios da tradição,
É cortante como o gume afiado de uma navalha. Que importa!
O desejo do infinito divino é um peso cruel, pungente, angustioso,
Que cresce com o dia que passa e se avoluma sem cessar.
Se o corpo fatigado me não servir na dura marcha infindável
Farei dele a oferenda suprema às chamas rutilantes do fogo sagrado
Ou lançá-lo-ei às carícias das ondas do mar. Que importa!...
Para Mira, Infinita é a Vida, o Infinito o segredo do seu coração.»
E nós, o que conseguimos, nestes tempos tão dispersos e preocupantes mundialmente, demandar e cultivar de aproximação e aspiração ao Espírito, ao Infinito, ao Divino na nossa consciência e coração, com quantos minutos, ressonâncias, destilações e assimilações do espírito, do Infinito e da presença Divina nos vamos alquimizando e com as quais entraremos mais luminosos e consciente no além, no mundo subtil espiritual?
Demandemos e aspiremos silenciosamente, ou com os cantos de Mira Bai e outros, a a paz, o amor, a luz, a Divindade interna e a consciência subtil fraterna e espiritual, para que haja mais harmonia e presença divina na Humanidade...
Que bênçãos inspiradoras de Mira e do padre Alberto Mendonça cheguem até nós...
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