segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

"Leonardo Coimbra, Testemunhos dos seus contemporâneos", (2º): Eugénio Aresta, Marques Ferreira, António de Sousa, Alfredo Brochado e Américo Durão.

Continuando a apresentar os quarenta companheiros, amigos e alunos de Leonardo Coimbra (1883-1936) que participaram no seu In Memoriam publicado em 1950,  com os seus nomes e os títulos das comunicações, e transcrevendo excertos estimulantes e removedores, entremos no:

 8º  contributo,  de Eugénio Aresta (1891-1956), participante na 1ª grande Guerra, aluno de Leonardo na Faculdade de Letras do Porto,  e depois professor de filosofia, intitulado Leonardo Coimbra, o Homem e a obra, do qual selecionamos: «Aceitando a classificação simplista, dividindo os filósofos em musicais e arquitectónicos, ou a de Bertrand Russel, separando-os em místicos e lógicos, Leonardo Coimbra baralha as categorias e fica indefinido, misturando o místico e o lógico, o poeta e o geometrizante. Aqui e ali fuzila um lampejo de ironia ou aviva-se um traço de caricatura.
É este homem omnímodo e vário, é esta obra densa e irregular que se trata agora, e vai sendo tempo, de julgar com serenidade.
Creio que é poss
ível mostrar o que o homem teve de elevado e uniforme, para além da pluralidade das atitudes conviventes. E o que há na obra de reflexão profunda e séria, empurrando o leitor para novas direcções na marcha do pensamento. Removedor de ideias, catalisador de cultura, se Leonardo Coimbra usou a ironia, também na sua obra há maiêutica que chega e sobra para explicar a acção que ele exerceu sobre os seus discípulos e o comovido respeito que a sua memória lhes inspira.»

Valiosa também é a  síntese que Eugénio Aresta faz em Leonardo da compreensão do conhecimento do Universo não limitado pela razão teórica de Kant, antes vendo as infinitas possibilidades criadoras dos seres, num esforço de consciencialização que vai das plantas e animais até chegar à Inteligência humana mas recusando-se a separar Intuição-Inteligência, pois Leonardo «procura fundir os dois conceitos antitéticos num só conceito mais compreensivo de Razão Experimental, [título duma obra sua  e um dos seus conceitos chaves], ora intuitiva ora raciocinante, pressentindo por simpatia o latejar das pulsações do Universo [o que ele como ser de grande sensibilidade e poesia muito partilhou nos livros e discursos] e desenvolvendo os pressentimentos intuitivos pela lógica da inteligência.» 

O 9º contributo é de [Manuel] Marques Teixeira [Oliveira],  professor de Física e que escreverá em 1961 uma obra Leonardo Coimbra e a Escola Única. Intitulado O Pensamento Criacionista e o Pensamento científico, nele Marques Teixeira pesquisa e tenta justificar uma presciência de Leonardo Coimbra, em relação às teorias da física moderna, na sua valorização do Criacionismo, do pensamento e das ideias que, como José Marinho notou (e cuja obra O Pensamento Filosófico de Leonardo Coimbra Marques Teixeira muito elogia), se encontra situado entre a indeterminação e a liberdade, intuindo as ondas de probabilidade geradas pelo comportamento em ondas ou partículas das subpartículas atómicas comprovadas pela física quântica, e afirmando pioneiramente o conceito de "cousismo" e "cousar", que Bachelard (1884-1962) utilizará, desvalorizando as coisificações  e prevendo já em 1912 na sua tese do Criacionismo, pelos avanços que a física moderna fazia, ser «a ciência uma dialéctica de noções, cuja base é o pensamento tendendo para a mais completa racionalização e íntima unidade e acordo.»

No 10º contributo,  intitulado A Última vez que vi Leonardo Coimbra, Alfredo Brochado (1897-1949), o tão sensível como discreto poeta, natural de Amarante e vizinho de Pascoaes e de Leonardo, colaborador na revista Águia, e em muitas outras, dá-nos em duas páginas uma sensível quase clarividente visão do dinamismo removedor do magistério de Leonardo Coimbra, «uma grande luz que se acendeu na terra portuguesa», e que «tinha o singular poder de agitar ideias. A seu lado sentia-se o rumor da inteligência, a maré viva, vindo não se sabe donde, como um Oceano sem fim.
A água do lago estava calma e tranquila e a sua presença agitava-a de singulares ondulações. Por isso, quem algum dia o conheceu, teve sempre necessidade do seu convívio e da sua presença. Era o contrário de um ser parado e concordante. O poder de especulação filosófica que animava o seu espírito, traduzia-se na conversa, em contínuos ensinamentos, em discussões, das quais na verdade nascia a luz. Todos aprendemos muito com ele. As suas aulas não terminavam. Saía da cátedra e continuava a ensinar. Mais do que qualquer outra missão, coube-lhe a mais bela de todas: ensinar aqueles que tanto desejavam alargar o horizonte do seu conhecimento e encontrar resposta consoladora para as perturbantes interrogações do seu espírito. Fazia-o por uma inclinação natural do seu espírito, pelo prazer que tinha da comunicabilidade, da vida social, de viver, repartindo pelos outros a sua alma.» Que extraordinária descrição de um bom professor...

O 11º contributo, de António de Sousa (1898-1981), portuense, notável poeta, animador de Coimbra e seus fados, da vida associativa e das revistas literárias, e buscando a harmonia dos contrários, é um  profundo poema O Mistério do Homem. Á memória de Leonardo Coimbra, onde intui a pré-existência do ser e destino de Leonardo Coimbra, quando o Universo  se estava ainda a gerar e, concluindo, quando «Ainda não havia igrejas/ milagres, filosofias,/ Deus verdadeiro ainda não chorara,/ já ele sabia Deus/ porque amava.», realçando assim a forte irradiação do coração espiritual de Leonardo Coimbra, bem poderoso, quase inextinguível.
                                               
O 12º contributo, do poeta Am
érico Durão (1896-1969), colega na Universidade de Lisboa de Mário Beirão e de Florbela Espanca, a qual muito o apreciou, e que teve mesmo o privilégio de um dos seus livros, Tântalo, de 1914, ter sido prefaciado por Leonardo Coimbra, com ideias e imagens bem valiosas e elogiosas («No fluxo-refluxo da esperança, é, meu querido amigo, o seu livro um ser vivo, o seu coração anima-o, ouvimos bater a cadência do seu ritmo cardíaco»), é uma breve mas sentida e pessoal saudação, intitulada Despedida, finalizada com a narrativa dum fenómeno invulgar que o tocou bastante, mas que transcreveremos noutro artigo. Começa assim a sua evocação e preito de homenagem: «A ironia acerada que com frequência lhe polvilhava a conversa, a princípio, surpreendeu-me. Não me foi, porém, preciso muito tempo para compreender que só as ideias fecundas e belas achavam guarida na sua inteligência e no seu coração. Os comentários acerbos, que por vezes fazia a pessoas e factos que de eles não eram merecedores, tinham um sabor epidémico, surgiam-lhe de momentâneo humor, ou até de um simples jogo de palavras.
O forte poder de sugestão que do seu convívio pessoal emanava, foi um dos seus dons mais alto, sobrelevando, ainda agora, a influência da sua obra escrita, a qual só nos últimos tempos adquiria a força e a serenidade luminosa das coisas perenes.
Os amigos e discípulos de Leonardo quando não envenenados por qualquer despeito incompreensivo e mesquinho encontravam nele um amigo confiado e certo como um irm
ão.»
Narra em seguida como, mal soubera da
morte, partira de Guimarães para o Porto, e ainda participara na comovente velada em Matosinhos: «Leonardo Coimbra dormia na sua pequena sala, entre flores e círios, as primeiras horas do derradeiro sono.
Nenhuma dúvida era possível!
O grande orador, o filósofo, o poeta, o amigo excepcional deixara-nos! Na salinha, ainda não há muito cheia do seu desbordante entusiasmo e da sua clara alegria de viver, só o seu corpo inanimado repousava agora (...). 

Que Leonardo Coimbra, dos elevados planos espirituais em que perdura, receba os nossos raios espirituais e continue um mestre de Portugal, inspirando subtilmente os que o leem, cogitam e amam!

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