Avançando na revisitação da obra Leonardo Coimbra, Testemunhos dos seus contemporâneos,
apresentamos mais alguns dos quarenta companheiros, amigos e
alunos de Leonardo Coimbra, transcrevendo deles informações, ideias e frases estimulantes e luminosas:
Comecemos pelo 13º participante, o poeta saudosista Mário Beirão (1890-1965), que gerou uma soneto Solilóquio de Leonardo Coimbra, num lamento de noite obscura ou de exílio, bastante sentido ou cultivado na época, nomeadamente com Augusto de Santa-Rita, na sua vibrante Justificação da revista Exílio, de 1916, e onde Fernando Pessoa contribui também forte e esotericamente, terminando-o assim: «Mas, à flor dos meus ais, fulgindo, esvoaça/ Éterea voz... sonhas (eu sei!) comigo,/ Fonte piedosa, múrmura, da Graça!-» Anote-se que Leonardo Coimbra escrevera a apreciação crítica de dois dos seus livros: O Último Lusíada, e em 1923 na revista Águia, Pastorais, acerca deste desenvolvendo uma valiosa teorização sobre o movimento da alma para o outro mundo e que nasceria «da inquietação do vazio, duma carência», a que se sucede o sentimento duma presença partir da qual se gera a «percepção espiritual, dando visões, que se garantem pelas profecias ou poderes de alegria e saúde com que se acompanham.», visão que lhe «parece ser um privilégio da santidade ou beleza moral».
Passado tempo, publicava Leonardo Coimbra esse livro único em toda a literatura portuguesa moderna: A Alegria, a Dor e a Graça, poema lírico dum artista excepcional que sabia transformar em poesia as mais nobres e profundas ideias.
Na 16ª contribuição, À Memória de Leonardo Coimbra, o padre, franciscano e democrata, Alves Correia (1886-1951), analisa e transcreve o percurso filosófico de Leonardo Coimbra à luz de comparações com os grandes filósofos, e entre eles Antero de Quental, e partilha um ramalhete de pensamentos e histórias da sua convivência com Leonardo, nomeadamente o amor a S. Francisco de Assis que os unia, valorizando e citando do seu livro S. Francisco de Assis, Visão Franciscana da Vida:«S. Francisco de Assis é o homem espontaneamente cristão, o homem que reencontra a natureza paradísiaca, aquele que é o tipo divino, que é a ideia do acto do pensamento criador.», ou seja arquétipo dinâmico, e para nós fonte inspiradora.
E nas comparações dos dois "filósofos monadologistas e dinamistas": «Antero de Quental foi mais hegeliano do que Leonardo Coimbra e Leonardo Coimbra mais platónico do que Antero.
O espírito atribulado do Antero, se conseguiu sair do inferno do desespero, em que se contorceu, desde 1874 a 1880, não pode libertar-se do limbo da unidade ou confusão panteísta.
[Em Antero] O ideal supremo da perfeição moral, o santo, compreensor e ao mesmo tempo intérprete do Universo, ficava imanente ao espírito humano, dominado mas absorvido, dignificado mas anulado.
Mais auto-consciente do seu eu espiritual, da sua centelha divina, diremos nós, Leonardo Coimbra «firmava-se num individualismo irredutível», e dizia:«chamem-me, se quiserem mónada; não me resigno, porém, depois tantas filosofias, a ficar só com as últimas sílabas - na-da. O que me apaixona na questão religiosa não é a separação da Igreja e do Estado, mas sim a separação nítida de Deus e do mundo».
O 17º contributo é de António Correia de Oliveira (1878-1960), o poeta nacionalista católico de Belinho, um soneto intitulado Leonardo Coimbra, onde traça a sua ascensão de "verbo artesiano", ainda "só palavra e não Pai-Nosso", ao homem da acção amorosa e poderosa e, por fim, sua entrada no "Credo", pois Leonardo, «construtor de ideias,/tinha em seu coração, além da veias/ do sangue, - os veios do Sinal da Cruz.»
O 18º contributo, de [Alberto de] Sousa Costa (1879-1961), Leonardo Coimbra, Orador, é um vívido testemunho, pois, após mostrar a amplidão tremenda de Leonardo, que não se compadece com visões de aspectos ou planos separados, bem como o seu percurso interior espelhado nos livros, narra um episódio no Porto, no qual, a convite de Leonardo, então Presidente da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras, discursou sobre a Montanha, o Marão e Trás os Montes, com a intervenção final de Leonardo a emocionar toda a gente e a gerar um abraço estreito entre ambos, com os olhos emudecidos.
Leonardo e Pascoaes, por volta de 1914. Amizades perenes...
O 19º contributo, de Umberto Araújo, de quem pouco sabemos, além de ter prefaciado em 1924 uma obra, na Atlântida Editora, de Coimbra, sobre o bandoleiro João Brandão, é dos mais vibrantes e simultaneamente
mais completos sobre a sua vida e alma, percurso e morte. Oiçamos o
princípio tão subtilmente clarividente:
«Felizes os que sentiram o bater próximo de asas de tão grande espírito, o frémito da sua inspiração; a força galvânica da sua eloquência caudalosa e borbulhante, arrastando as multidões, ao despenhar-se como uma catarata de Niágara, solene, arrebatadora, vertígica, sacudida por vibrações incoercíveis.
Ou será, que a sua vida e obra imortalizaram-no, e que as derrotas dos seus projectos educativos eram inevitáveis no dialéctica circunstancial e que o mais importante era a sua evolução interior, a sua realização espiritual e divina, que lhe permitiam ao morrer ir como espírito bem desperto e luminoso para os planos ou dimensões luminosos e elevados do mundo psico-espiritual, e que portanto venceu as provações tanto mais que a sua obra pode hoje ler ser lida, meditada, dialogada?
O 20º contributo, um dos que mereceria ser transcrito in toto, de Eudoro de Sousa (1911-1987), um notável filólogo, helenista e mitósofo, no Brasil desde 1953 e fundador do Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Brasília em 1962, intitula-se O
Pensamento eloquente e romântico de Leonardo Coimbra, e é bem fundamentado e esclarecedor do ser e pensamento de Leonardo, contextualizando-o na história da Filosofia em Portugal, nomeadamente na sua luta contra o positivismo de Augusto Comte e de Teófilo Braga, dominante no Curso Superior de Letras de Lisboa, valorizando a biografia de Leonardo por Álvaro
Ribeiro, e demonstrando que, ao contrário do que se dizia, o bergsonismo de Leonardo derivava da mesma oposição ao positivismo "circunstante e dominante" e que antecedera até Henri
Bergson (1859-1941) em certos aspectos das afinidades conceptuais e religiosas que tinham ou que com originalidade formularam, tal a função mediadora da filosofia entre a ciência e a religião (e ambos se converteriam no fim da vida, embora Leonardo sempre fosse um cristão), suplantando-o mesmo quanto à intuição, "complementar da razão e do intelecto".
Também realça o romantismo e idealismo do movimento da Renascença
Portuguesa e da revista A Águia, em oposição a futuras revistas
mais caracterizadas por «receituários de técnica económica e
pedagógica», e mostra a grande comunhão e complementaridade de Leonardo com Teixeira
de Pascoaes na valorização do Povo, da Mulher, do Feminino, elogiando, como muitos outros e até por outras perspectivas, a obra prima filosófico-poética de Leonardo: «é ainda na Alegria, a Dor e a Graça, que se nos deparam as mais generosas páginas acerca da infância que jamais foram escritas em língua portuguesa» (...); valorizando muito nela e em Leonardo a união do pensamento ou especulação, com a a expressão, estilo e no fundo «a imaginação que encarna e vivifica a especulação». Ora tal união, em Leonardo, manifestava-se também na palavra eloquente, no orador, no tribuno, no professor, com uma tal força e qualidade que grande era «a largueza e fundura do sulco de admiração que dele nos ficou», admiração que «é a maior abertura, ou o maior tropismo, da alma à luz irradiante do exemplo».
E apoiando uma acusação, a de que Leonardo fora um orador romântico, esclarecê-la-á e concluirá: «Só esta preocupação do Mistério longínquo, que na universal diversidade do Cosmos se refracta, deixando cintilas de luz aderentes aos símbolos do Povo, da Criança e da Mulher, só esta incessante preocupação do Mistério - o do Eterno Feminino, o da Infância Edénica, o do Povo - mar infinito das possibilidades sociais -, só este traço tão vincado e tão característico da fisionomia espiritual de Leonardo Coimbra, bastaria, de per si, para justificar e verificar a apelidação de orador romântico.
Quanto à
acentuação minoritária e depreciativa da opinião comum, deixemo-la ficar
inerte nas «almas não verídicas» nos «esboços de almas, nos cárceres
utópicos dos únicos verdadeiros ateus: deixemo-la morrer sufocada na
aridez da indiferença dos que em vida nunca admiraram, e portanto, nunca
puderam amar.»
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