domingo, 3 de março de 2024

Nos 221 anos do Colégio Militar: história, alunos e ex-alunos, cerimónias e video do clarim no claustro, na homenagem ao fundador e aos que já partiram.

Fachada da parte mais antiga do Colégio Militar, antigo Hospital da Nossa Senhora dos Prazeres, junto à igreja da  Luz, construído entre 1601 e 1618, por voto e testamento da filha de D. Manuel I e de D. Leonor,  "a princesa muito sábia e virtuosa" Dona Maria, e que foi de administração nobre e misericordiosa dos frades e cavaleiros da Ordem de Cristo.

Fundado há já 221 anos, o Colégio Militar perdura  e se nos interrogamos quanto às razões da sua tão duradoura vida, teremos de reconhecer a qualidade do ensino e da formação dos ânimos que nele foi sendo prestada e impulsionada por notáveis professores e receptivos alunos

Pintura do fundador Marechal Teixeira Rebelo, exposta na Biblioteca, e infelizmente fotografada com algum desfocamento.

Fundado em 1803, como Colégio Regimental da Artilharia da Corte, e conhecido como Colégio da Feitoria, junto ao forte de S. Julião da Barra, pelo abnegado  oficial de artilharia então coronel António Teixeira Rebelo (17-12-1750 a 6-10-1825), um transmontano de Santa Marta de Penaguião, vizinho do Marão, filho de agricultores e que se elevaria às mais altas funções militares no país, com uma folha de serviços notável, o Colégio da Feitoria, destinado aos filhos dos oficiais do seu regimento, e com magros rendimentos iniciais, sobreviveu graças à protecção in loco do príncipe D. João, e só em 1813 se torna Real Colégio Militar sendo em 1814 transferido para o Hospital de Nossa Senhora dos Prazeres, na Luz, tendo estado em p Mafra entre 1835 e 1859 .  

Começara apenas com uns poucos jovens filhos de militares do seu regimento,   e ao crescer, passando a cem, aberto a outros alunos, filhos de heróis ou necessitados, foi mantendo os seus objectivos elevados, desenhados ou arquitectados pelo seu fundador e primeiro director (de 1813 até à sua morte em 1825), de criar bons militares, almas fortes, conhecedoras, corajosas, solidárias, disciplinadas, com ética, ideais, abnegação e capazes de servir a Pátria ou Mátria com dedicação, criatividade e excelência.  

E assim os professores e alunos se dedicarão ao longo de muitos anos criativamente a essa maravilhosa actividade humana que é a educação, o preparar do desabrochar  para o exterior as melhores potencialidades do corpo e da psique em formação, crescimento e desenvolvimento. 

Um dos directores, num quadro na Biblioteca do Colégio.

Grandes ou notáveis directores, professores e alunos distinguir-se-ão ao longo dos tempos, não só como militares mas em várias outras actividades sociais, e entre eles uma sã camaradagem perdurará sempre, certamente inspirada ou enraizada no princípio "Um por Todos, Todos por Um" que ficou como lema do Colégio do Militar, e de algum modo em cada um de nós, dando-nos um sentido de fraternidade muito grande, dedicação, esforço, desenvoltura, já que tínhamos de fazer muito ou quase tudo por nós, e éramos todos iguais uns com os outros, aparte as diferenças de anos ou cursos, e a existência dos graduados, que do 6º e 7 ano regiam as quatro companhias, as quais que por sua vez tinham depois quatro turmas com os seus chefes de turma. Acrescentava-se pois a essa fraternidade de base, manifestada no que era igual ou comum a todos, nas roupas ou fardas, alimentação e refeições, banhos, horários, tratamentos, saídas, férias, uma noção de hierarquia e portanto de uma disciplina e obediência a regras que se aplicavam a todos e se dirigiam ao bem comum, e que eram implementadas pelos superiores hierárquicos, por vezes com pequenos castigos, individuais ou colectivos, as firmezas, que fortificavam os músculos das pernas...

A forte componente de desportos, com competições renhidas anuais e presenteadas com medalhas,  e que se realizavam ao ar livre nos vários campos de jogos e onde pontificavam bons professores, ou então no interior, tal como o xadrez, as damas, o ping-pong, estimulavam as faculdades psico-somáticas requeridas a tais práticas, que complementavam a formação militar com tiro, cavalos, e acampamentos e marchas na tapada de Mafra.

A tais estímulos fora do currículo estadual liceal ou colegial civil, acrescentava-se um filme por semana, quarta-feira à noite, mensalmente as visitas voluntárias a famílias carenciadas da zona, em colaboração com as conferências de S. Vicente de Paula, e as  confissões para quem quisesse num seminário de belíssimo jardim acidentado e próximo, que sendo de noite davam uma  sensação de entrada noutro mundo de fantasia. Mas havia uma capela  no andar acima dos claustros, não longe da biblioteca, e onde alguns de nós podiam exprimir a sua devoção e aspiração ao bem e à Divindade divino, pela oração a qualquer hora livre e a missa ao Domingo.

Havia ainda as visitas de estudo sempre muito apreciadas mas raras,  a feira do livro anual junto à biblioteca (onde me lembro de ter comprado e muito apreciado gozado o livrinho a Conquista do Everest por sir Edmund Hillary,) e o armário de livros ou biblioteca de cada companhia, onde muitos de nós tomaram consciência dos escritores contestatários da época, seja os neo-realistas Soeiro Pereira Gomes, Alves Redol e Fernando Namora, seja o presencista  José Régio, ou ainda os mais modernos Sttau Monteiro, José Cardoso Pires e Bernardo Santareno, habilitando-nos a discernir melhor a luta contra o que estava mal no Estado Novo e que esses escritores descreviam e apontavam. Mas havia outros autores e se esta foi a minha formação de leitura aos 14 anos outros ter-se-ao deliciado ou viajado por outras autorias, paragens ou mensagens.

Nesse in illo tempore, quando entrei para o Colégio Militar nos meus 10 anos, tal como era a  regra desde 1803, comecei uma aprendizagem  e convivência bem valiosa por seis anos escolares (já que chumbei o 1º ano e depois saí no 5º ano, para ir para Letras) em regime de internato, com uma saída semanal, entre o começo da tarde de sábado e o começo da noite de domingo, dois términos-inícios semanais, certamente intensos em todos, ao passarem-se no curto espaço de tempo de um dia e pouco, em que reeencontravamos a família e os seu ambientes, e os nossos pequenos mundos pessoais.

Formados, decorridas algumas décadas de crescimento, trabalho e amadurecimento, realizou-se este encontro dos muitos sobreviventes do curso, embora só estivessem presentes cerca de 37, com a deposição de uma coroa de flores de homenagem  ao fundador, o Marechal António Teixeira Rebelo, tendo sido pronunciados no fim os nomes dos que já partiram para o misterioso além, subtil e espiritual, com o toque de clarim.  Gravei essa cerimónia de fora do salão onde se encontra estátua do Marechal (pela exiguidade do espaço e por ter sido dos três últimos a assinar o livro do curso na biblioteca),  e  assim acompanhei o que se ouvia de dentro e sobretudo o som do clarim ressoando pelo claustro e pelas almas, lembrando-me um pouco desse belo poema de Fernando Pessoa, em que ele invoca a tradição militar, heróica, poética e iniciática portuguesa:

(...) «Vibra, clarim, cuja voz diz
Que outrora ergueste o grito real
Por D. João, Mestre de Aviz,
E Portugal. (...)

A Todos, todos, feitos num
Que é Portugal, sem lei nem fim,
Convoca, e, erguendo-os um a um,
Vibra Clarim!

E outros, e outros, gente vária
Oculta neste mundo misto,
Seu peito atrai, rubra e templária,
A Cruz de Cristo.

Glosam, secretos, altos motes,
Dados no idioma do Mistério
Soldados não, mas sacerdotes,
Do Quinto Império. (...)»

Vinde aqui todos os que sois,
sabendo-o bem, sabendo-o mal,
Poetas, ou santos ou heróis
De Portugal.»

  Este encontro, permitiu ver alguns antigos colegas e amigos que desde que saíra do curso tinham desaparecido, e nos quais  a matriz facial ora se manteve pouco alterada e me foi fácil sentir o reconhecimento identificador, ora noutros foi mais alterada pelas vicissitudes da vida, pelo que sem o acesso à fotografia da época não podia discernir facilmente as continuidades identificadoras, de modo que cumprimentava sem reconhecer bem a ligação da perenidade de cada um desses antigos colegas ao longo das décadas, tanto mais que a maioria deles avançou no mesmo curso, enquanto eu, chumbando (tristeza forte sentida, contrastada com alegria buliciosa da maioria,   ao meter a roupa e os poucos pertences na mala das férias onde tinha escrito, "mala em uso, sinal das férias") passei a ter outros companheiros de curso, e a  ser chefe de turma deles por três anos.

                             

Foi na bela e valiosa biblioteca do Colégio que ouvimos antes de tudo os discursos de dois membros importantes da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, o general Rositas e o actual director Filipe Soares Franco, e o do ilustre coronel e actual sub-director do Colégio Militar, que delineou a adaptação conseguida aos novos tempos do funcionamento da centenária instituição, bem como os professores, pessoal militar e tipo de alunos que têm, já não só rapazes nem só internos, e ainda os valores e metodologias que têm permitido aos alunos do Colégio  classificar-se com elevado nível nas classificações escolares nacionais e sobretudo prepararem-se adequada e valiosamente para os desafios da vida moderna. 

O novo edifício onde se realizam as aulas...
Na Biblioteca, após os discursos iniciais do sub-director do Colégio, e do general Rositas, fala o Filipe Soares Franco, director da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, apontando as necessidades e dinamismos actuais e como a Associação tem sido importante em tal.   

Houve ainda um encontro com os alunos ou alunas que têm os números que nos couberam outrora e foi com muita alegria e carinho que vi uma ou outra criança com os olhos a brilharem com muita luz e alegria, seja apenas da suas alminhas seja de poderem usar a farda e o barrete, de serem alunos da centenária instituição.

A criança de olhos talvez mais luminosos, sucessora de um dos ex-alunos com quem dialogaria durante o almoço, numa mesa animada...

A Beatriz, sucessora do José Cortês, grande amigo de um comum amigo o ilustríssimo livreiro e escritor Luís Burnay, como descobriríamos mais tarde.
Dialoguei brevemente com uma Beatriz, dos seus seis anitos, que tinha o número do amigo José Cortês (aquele com quem conversei mais, e que se esquecera de trazer-lhe um presente, como fora recomendado) e que não sabia da Divina Comédia, nem de Dante e de Beatriz, e foi iniciada nessa tradição dos Fiéis do Amor, "ao de leve, levemente",  recebendo um belo cristal do quartzo do Gerês, tal como entreguei outro a uma professora, a fim de dar à minha sucessora, ausente numa visita de estudo.

Valiosa a passagem pelos belos azulejos oitocentistas do jardim da enfermaria, que fotografei, já que são pouco conhecidos, com uma bela e bem instalada estátua da Deusa, quem sabe se Diana, Vénus ou a Tétis dos Lusíadas, a caminho, e casualmente conversando com o director do Colégio Militar. 

 Assistimos então ao desfile, de cerca de oito minutos,  do batalhão do alunos e alunas, que passaram em continência diante do seu director e dos antigos alunos, que gravei e pode ver no youtube

Por fim, houve o almoço e as conversas amistosas, ora de memórias divertidas e dos professores que tivemos, ora dos trabalhos, conhecimentos e gostos que fomos adquirindo ou desenvolvendo ao longo da vida.

Os alunos, fim da refeição em comum, entoam em uníssono o famoso grito Zacatraz...

Ofereci um exemplar de um dos livros que escrevi, certamente o mais apropriado à biblioteca do Colégio Militar e a poder ser lido  instrutiva e agradavelmente por algum professor ou aluno, dado à luz em 1998, no V centenário dos Descobrimento do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama e seus nautas, sob o título Livro dos Descobrimentos do Oriente e do Ocidente, e que se encontra hoje online no meu blogue, dividido em doze partes ou meses, com o título Efemérides do mês de.... do Encontro do Oriente e Ocidente, e que  tem sido acrescentado  com muitas outras efemérides, nomeadamente dos nascimentos e mortes dos seres que se destacaram  na comparação e união do Oriente e do Ocidente, dos estudiosos do Orientalismo, dos mestres sociais, culturais e espirituais, e onde brilham assim tanto biografias como efemérides de grandes navegantes e militares, escritores e filósofos, mestres, reis e santos.

Sala de armas, museológica, do Colégio Militar.

Embora não tivesse seguido a carreira das armas, como o meu pai, oficial de engenharia e que chegaria a Brigadeiro,  e antes me formasse em Direito, que  também deixei pela aprendizagem na Índia do Sanatana Dharma ou dever perene espiritual, no caso sobretudo o Yoga e meditação, do qual fui professor durante uns doze anos, não poderia estar senão grato pelas aprendizagens, experiências e camaradagem do Colégio Militar (e com o aluno 189, Gustavo de Mello Breyner Andersen, mantendo-se ininterruptamente até ele partir para o mundo espiritual), pelo que na dedicatória do livro que dei ao coronel sub-director do Colégio Militar, no fim do simples mas animado ágape, escrevi,  «à Biblioteca do Colégio Militar oferece o 265, Chico, grato, e com votos de perenidade valiosa». 

Sob a égide da Ordem de Cristo e da sua cruz ígnea, e do princípio Feminino da Divindade, perenes, entram, formam-se e avançam na vida os alunos do Colégio Militar....

 E agora  pode ouvir então clarim tocando belamente em homenagem "àqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando", e estimulando-nos a perseverarmos corajosamente na manifestação e defesa dos valores e ética universal e do Colégio Militar e da tradição militar e espiritual portuguesa.

                      

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