quarta-feira, 27 de março de 2024

Subidas às montanhas, comunhões com a Natureza e o Divino. Do diário de 2005, mas perene nos seus ensinamentos...

                              

Nascer do Sol, o cor de rosa tingido nos farrapos de nuvens anuncia-o no horizonte e aí vou eu [junto a Sirvozelo no Gerês transmontano] serra acima para o contemplar tanto mais que a Lua Cheia ainda brilha serena e distante  nas bandas descendentes do Sudoeste.
Uma extensa neblina cobre dum manto o recorte das montanhas à volta e só o lado sul parece desanuviar-se com nuvens em raios concêntricos que
se destacam ainda ao serme batidas pelos ventos solares e coloridas de sucessivos cambiantes do que se pode ver do espectro solar e intuir do Amor.
Um corvo crocita espantado por me ver de joelhos escrevendo sobre uma pedra tipo betilo piramidal enquanto o meu coração flameja. Assobio-lhe para o sossegar e não agitar os ares, tal como ontem fiz a um cão muito surpreendido ou assustado
por me ver encavalitado no penedo encostado ao grande carvalho, durante o meu passeio lunar à uma da manhã.
Despedi-me da Lua, acompanhando o seu subtil desaparecer por entre a neblina baixa, e religo o Céu e a Terra em invocação e oração... 

                                                             II -
Correr, cansado das batalhas anteriores, para alcançar a Lua Cheia na montanha, como se corressemos para salvar o mundo, como um incêndio que queimasse já as florestas antigas e valiosas...
Salvar, preservar as grandes realizações da humanidade, proteger, guiar os que serão os futuros criadores e realizadores, eis uma tarefa digna dos cavaleiros do santo Graal, veio íntimo ou secreto de alguns...
Ajudar os jovens, as pessoas a encontrar os caminhos ascensionais.
E assim eis-me a comemorar a Lua Cheia com as fragas graníticas que me rodeiam por todos os lados, encostado a uma que me serviu primeiro de altar e de pedra de ara e agora de escrivaninha.
Voa uma perdiz, pia um pássaro desconhecido, geme um chocalho ao longe e o vento não para de soprar e o céu está tingido de negro. Paulatinamente, concelho a concelho, Portugal vai ardendo pela incúria da corja governativa que nada tem feito para o evitar. Será preciso uma revolução?
                                                           III
Aos montes...
Juraria por mil anos que paisagens como estas satisfariam as almas de muita gente. Eis-me pois  bem-aventurado, recebendo os eflúvios telúricos e aquáticos, vegetais e animais que se desprendem.
Esta Natureza Primordial presente na montanhas dispensa, ilude, escapa a palavras e definições. Está, e a nós resta-nos sermos com ela. Tudo está perfeito.
Estas brisas suaves portadoras de Esperança, este chilrear de insectos e de aves cheios de ritmo, este  sopro mais forte do vento abanando árvores e segredando murmúrios divinos, estas cores verdes, amarelas e azuis que nos envolvem, que gratidão não há-de brotar como nascente em nós e derramar-se até vós, ó Senhor ou Senhora da minha alma?
O galo que dá os bons dias aos vales e montes, o cão fiel aguardando no solo, os sinais das nuvens no céu, o meu peito aberto e infinitizado, sou um com o Universo.
Este caminhar sereno e suave atento a todos os sinais do céu e da terra, não sei que melhor pode fazer à alma, progressivamente tornada Um com o Cosmos.
Aqui cada momento da estrada, comunica-nos um estado de espírito. Bem aventurados os puros do coração, pois esses captarão o Amor, infinito, cósmico, omnipenetrante.
Este Amor que eu saúdo e me enche, envio a quem me amar mais em raios e setas coloridas, iluminando a sua alma e cérebro, tornando-a mais inteligente e feliz, harmonizando tudo à sua volta.
Tudo porém na caminhada é transitório e para trás vai ficando. Do pensamento, apenas a consciência pura reflexo do tal Espírito primordial subjacente a tudo e com o qual devemos comungar e até, se conseguirmos, como Divino adorar.
Recebe então estas forças, ó alma amada, para a tua caminhada, paz e fluidez com o Sopro.
Este caminhar sereno e beatífico, que une o Céu e a terra, não posso deixar de exaltar e a todos convidar e nele participar. Aqui nuvens e anjos estão presentes e das pedras dos muros às formigas e fragrâncias tudo nos fala de Deus, mistério alquímico a ser desenterrado e perseverado, Cristo ou Buda em nós ressuscitado, linguagem das aves entendida, numa comunhão infinita com a Natureza...
Agosto, 2005...

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