sábado, 2 de março de 2024

Dalila Pereira da Costa, 12 anos da desincarnação. A cosmovisão de Portugal, no prefácio aos "Místicos Portugueses do século XVI". Apreciação e transcrições.

Frei Agostinho da Cruz, no convento da Arrábida. Fotografia tirada por mim, para ela.
Comemorando-se hoje os doze anos da desincarnação da nossa querida amiga Dalila Pereira da Costa, resolvemos saudá-la e homenageá-la com este singelo texto de apresentação de um dos seus melhores livros intitulado Misticos Portugueses do século XVI e que foi dado à luz em 1986, tendo eu recebido um exemplar com a sua dedicatória: «Ao amigo Pedro, com toda a amizade, estas imperfeitas páginas, sobre estas "admiráveis lucernas" do infinito português. Dalila. Porto, 22-X-1986. 

                               

O livro,  um in-8º de 359 páginas, está dedicado ao simpático e valioso escritor,  Mário Martins, que também vim a conhecer através da Dalila na sede da revista Brotéria,  à Lapa e na Academia das Ciência, : «Ao Padre dr. Mário Martins, S. J., a quem devo o pedido de escrever sobre os místicos portugueses». 

Dalila, com a sua serena metodologia, de ler, reflectir, escrever, jardinar e orar, dividiu a obra em cinco capítulos, após um breve ante-prefácio onde sinaliza  os autores que abordou, basicamente Frei Hilarião Brandão, Sebastião Toscano, D. Manuel de Portugal e Diogo Monteiro, e as vidas das Sorores Isabel do Menino Jesus, Maria Joana, Brízida de Santo António e Madre Maria Perpétua da luz, seguindo-se um valioso prefácio de doze páginas que resumiremos e comentaremos.
Dalila foi também u
ma mística, teve algumas vivências ou experiências do espírito, do divino, do cósmico ou, se quisermos, estados alterados e ampliados de consciência, que relatou em alguns dos seus livros, tal a Força do Mundo, ou nos Instantes, mas falava pouco deles na sua modéstia, embora possamos sentir nos seus escritos essa vivência pessoal seja do Cósmico, seja de entidades cristãs, ou então pagãs, e por vezes angélicas, às quais ela deveu alguma da sua poesia oracular, pouco conhecida e divulgada.
Nesta homenagem forçosamente breve, re
alizada sobretudo como lembrança de amor e de comunhão com ela na Tradição espiritual Portuguesa, destacarei as linhas de força da obra expostas por ela, e transcreverei algumas passagens para impulsionar à leitura do livro, baseando-me apenas nas doze páginas do seu concentrado e bem valioso prefácio.

Dalila Pereira da Costa estudou, peregrinou, dialogou e  meditou bastante a Tradição espiritual Portuguesa, tanto nos seus escritores e obras, como nos monumentos, tradições, cultos e história. E animada por um forte amor à sua terra nortenha, duriense e portuguesa, e gentes, sofreu e exaltou-se com as suas desventuras e feitos, discernindo na História de Portugal veios, características e missões para os quais a Providência nos talhara, a principal tendo sido na época dos Descobrimentos e onde ela, na linha de Jaime Cortesão, considerava que cavaleiros Templários e da Ordem de Cristo e os frades Franciscanos tinham sido os impulsionadores de uma cruzada de redenção cósmica pelo ecumenismo e o amor, que se exercera bem até que a Inquisição começara a quebrar tal projecto, o qual, na linha de Jaime Cortesão e de Agostinho Silva, de quem ela era grande amiga e correspondente, se poderia chamar do Espírito Santo.

 A continuidade de tal missão  deveria ser vista nas novas descobertas a realizar nos mundos interiores, anímicos e espirituais, pelos místicos, heroicos "amantes do Absoluto" que conseguirão provar, ao contrário de «no freudismo em ciência dogmática e obsessional», pelos seus estados contemplativos e extáticos, a existência de uma realidade transcendente, do mundo espiritual, e que o ser humano é, na sua alma e espírito, de origem e essência divina e que é capaz de conhecê-la e partilhá-la.
Aos místicos, que conseguir
am despertar as suas qualidades latentes de conhecimento superior, que desenvolveram a intuição, ou um conhecimento imediato, ou seja, sem mediação dos conceitos intelectuais, atingindo um plano supramental (designação recebida da leitura de Sri Aurobindo), Dalila acrescentará, os poetas e profetas, que em menor grau também o conseguiram ou conseguem, e aqueles que se abrem às culturas universais, tal a sabedoria do Oriente, para se chegar ao Humanismo integral (e citará bastante Gabriel Germain), com a recuperação das forças anímicas  e espirituais latentes, as quais, desabrochadas concedem ao ser humano uma harmonia com o Cosmos e as suas forças.
Bastante mais leitora da tradição frances
a que da inglesa, Dalila além de Gabriel Germain, cita como elos importantes nos anos sessenta, Jacques de Masui com a revista Hermes, que tinha como subtítulo Recherches sur l'experience spirituelle, «aberta a toda a sabedoria do Oriente e Ocidente privilegiando as vias directas e interiores do  conhecimento», e uma década antes também dirigida por Jacques de Masui, os Documents Spiritueles, dos Cahiers do Sud, pois ambas «realizaram uma abertura às culturas universais e sua sabedoria tradicional, indicando os caminhos e disciplinas necessárias a toda a experiência interior válida.»
Reconhecendo nos portugueses
capacidades anímicas especiais, talvez mitificando-as ou ampliando-as demais, sobretudo na crença do seu importante papel ou missão, algo contudo muito comum nos cultores da  tradição cultural e espiritual portuguesa,   Dalila exaltá-los-á: «Desde há muito  tendo dado provas da sua capacidade privilegiada  de uso da intuição e de perfeita capacidade de união como Real por experiência directa, e também, de capacidade de abertura e aceitação ecuménica a todas as diferentes formas de cultura e de vida universais, a que se poderá ainda chamar de especial capacidade de consciência de ser e estar no universo, como participação totalizante com o Cosmos - aos portugueses poderá estar prometido [uma esperança ilusória, mas que serve para alguns trabalharem mais e até de se unirem...] o início dessa nova modalidade de conhecer e ser da Humanidade, por um novo plano de consciência então aberto: se forem capazes de assumir, sem traições, toda a sua vera tradição gnoseológica e existencial, e toda a sua vera identidade e peculiaridade nacional».
Nesta última exig
ência Dalila exagera ou melhor absolutiza um pouco, pois é praticamente impossível conhecer e assumir toda essa tradição portuguesa, de que em seguida dará os seus mitos ou arquétipos mais realizados, e seus autores, considerando-os, algo exageradamente, precursores na Europa, pois a maioria deles existem noutros povos, com formas mais ou menos semelhantes. E é no movimento nortenho da Renascença Portuguesa que ela vê a criação dessa «esperança formulada em linguagem simbólica e poética, ou por discurso racional dos mestres», das linhas de força de uma renascença espiritual futura e que foi  traduzida «por concepções futurantes, como paganismo transcendental [Fernando Pessoa], supra-humanidade, ou por figuras sagradas, como Senhora da Saudade [Teixeira de Pascoaes], Deus Menino [Jaime Cortesão], Encoberto [Sampaio Bruno, Fernando Pessoa e &], ou por desejo de recuperação desse ser e conhecer primordial, como Regresso ao Paraíso [Teixeira de Pascoaes], razão cósmica [Leonardo Coimbra] ou por todo esse discurso, como ensinamento confiado às páginas de A Águia [a valiosa revista publicada no Porto entre 1910 e 1932 e órgão da Renascença Portuguesa], uma mesma esperança e unanimidade subsistirá nessa renascença espiritual futura: "O homem (...) começa a sentir de novo, contra todas as influência hostis da civilização moderna, o despertar de íntimas energias espirituais, criadoras do novo mundo" (Teixeira de Pascoaes), "O pequeno povo ergue o Mundo na mão como um Deus Menino dele fazendo a sua dádiva à ânsia indagadora, à infinita sede da humanidade" (Jaime Cortesão) O Deus Menino sendo aqui a expressão paradigmática sagrada que traduzirá o homem novo, ou homem transmutado: a surgir iminentemente e partindo da terra portuguesa para a nova missão no vasto mundo. "Prepara-se em Portugal uma renascença extraordinária, um ressurgimento assombroso" (Fernando Pessoa). 

Um exemplar da fase final d'A Águia, quando era dirigida por Leonardo Coimbra e Sant'Anna Dionísio.

Após estas esperanças utópicas, estas imaginações providencialistas e missionárias de vários autores, justificadas primeiro pela magnitude dos Descobrimentos, em segundo pela perda da Independência e em terceiro  quando Portugal saiu da Monarquia e de uma incultura grande para uma época em que muito era possível de renascimento e criatividade, constatamos como uma série de factores materializantes acabaram por ora por desfigurar ora por limitar as próprias movimentações culturais e espirituais que vieram a formar-se. Dalila apercebeu-se primeiro, com o 25 de Abril, dos perigos de um materialismo político anti-tradicional e anti-nacional, e assustou-se, e depois com os perigos do materialismo, indiferentismo e globalismo da entrada na União Europeia e na perda de tantos aspectos da vida tradicional portuguesa, embora mantendo sempre a esperança em alguns portugueses e em Portugal.
Aliás, continuando a transcrever o seu texto, vemo-l
a evocar outros dois elos da Tradição lusa: «A este alargamento da consciência que se efectuará no futuro [e no fundo nunca é no futuro, mas apenas no presente de uns poucos, sobretudo no séc. XXI cada vez mais manipulado e oprimido, comentaremos], se refere Leonardo Coimbra, ao falar da "razão cósmica", e da "aventura do indefinido oceano cósmico»",  a ser realizado então pelos futuros espíritos eleitos e qualificados da humanidade [que serão pouquíssimos, pois a maioria está algo amilhazada]. Aliás é também a este mesmo contexto de essência profética, que se unirá o pensamento de Sampaio Bruno, por toda a sua esperança na final erradicação do Mal, que um terceiro tempo, depois do primeiro homogéneo e do seguinte heterogéneo, trará à humanidade, em dimensão cosmológica, antropológica e salvífica.» E eis-nos aqui com outra utopia especulativa messiânica, esta a de Sampaio de Bruno e da erradicação do Mal, sem qualquer realidade possível senão provavelmente antes do final da manifestação cósmica, ainda que no seu livro Encoberto, que Pessoa leu e apreciou, "profetizasse" (num sonho ainda algo positivista) a vinda de um novo Buda cujos milagres seriam raciocínios.
Dalila Pereira da Costa considerará acertadamente que tais pensadores-escritores criaram mapas do transcendente, onde ergueram, quais padrões dos descobrimentos, «figuras sagradas ou crenças futurantes» que caberá às gerações actuais e futuras actualizar e usufruir, em termos de capacidades e forças, numa verdadeira revolução, não pelo exterior mas pelo interior, aquela que deve ser a base das outras.
O último parágrafo é mais uma vez f
ruto do seu grande amor por Portugal e a sua pretensa ou possível missão divina, mas na realidade impossível, sobretudo já na terceira década do século XXI, em que Portugal como Estado mais não é de que um servo da direcção anti-tradicional da União Europeia, sendo esta serva da oligarquia globalista da nova Ordem e não da nova Era ou Idade, sonhada...
Crente ou sentindo esse saud
osismo da Primordialidade, esse profetismo dum império Fraterno, dum messianismo de ungimento espiritual, concluirá: «E também em referência à realidade portuguesa e no plano espiritual, todas as esperanças proféticas ou messiânico-proféticas, na vinda do Salvador, ou efectivação da Idade da Salvação, como sebastianismo e Quinto Império, serão as formas peculiarmente nacionais que esse anúncio, num carácter e amplitude universal, de novo ciclo da humanidade, teria tomado, ou tomará, no contexto da cultura portuguesa».
Após este Prefácio, em que n
os transmitiu a sua visão providencial de Portugal, na época na linha dos seus mestres da Renascença Portuguesa, ou mesmo de alguns dos seus amigos contemporâneos como Agostinho da Silva, Sant'Anna Dionísio (o mais sóbrio ou até algo céptico nisso), Afonso Botelho, Barrilaro Ruas, Pinharanda Gomes, António Quadros, Lima de Freitas, mas hoje, quanto a mim, bastante ultrapassada pela evolução de Portugal, da Europa e do Mundo e das suas mentalidades e crenças, Dalila vai muito mais objectivamente estudar em cinco capítulos, bem profundos e ricos, o seu tema:  I -  A mística portuguesa. II - Em demanda do ser precioso e salvífico. III - Mística e profecia, saudade e anamnese. IV - Mística da natureza e mística da alma. V - Místicos portugueses do século XVI.; capítulos de que só podemos recomendar a sua leitura como muito útil às almas no Caminho, e dos quais fotografamos a primeira página de cada um, esperando no dia 4, seu dia de anos, escrever sobre algum capítulo...

Muita Luz e Amor divino na Dalila! Que ela possa fluir e inspirar bem na intimidade das almas e no Cosmos espiritual e de Portugal...








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