Das folhas dum diário dos anos 80.
«Lisboa, manhã na Biblioteca Nacional a consultar obras de religião e espiritualidade antigas; à tarde, conversa das 15 às 18, na sua casa aos Anjos, com Madame Marcelle Costa Pina, uma esoterista e teósofa, que casara com um português, frequentava a Sociedade Teosófica e em especial o ramo dirigido pelo engenheiro ou irmão Manuel Lourenço e onde eu fui algumas vezes, numa até para falar da sabedoria da Índia, após a minha estadia nos ashrams da Índia durante um ano. Encontra no blogue outra comemoração dela: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2023/03/marcelle-costa-pina-uma-esoterista-luso.html
Contou com mais interesse o seu conhecimento de George Oshawa (1893-1966), o fundador ou divulgador da macrobiótica [grande vida, baseada no equilíbrio das duas forças, Yin e Yang, segundo a medicina do Extremo Oriente] no Ocidente. Fumava muito, mas dizia que o fumar era yang e que o fumo que saía era yin. [Ou seja, que o fumar, ao inalar fogo e calor, concentrava a pessoa, ou yanguizava, masculinizava]. A mulher, Lima, era muito bonita, mas frágil, pois partiu quando a conheceu duas costelas e depois um pulso. [O seu nome, Lima, baptizará, na Bélgica, a marca mais pura e antiga de produtos biológicos utilizados na alimentação macrobiótica, cultivados numa comunidade, onde anos depois estive uma semana a trabalhar e que ainda hoje produz e exporta bons produtos biológicos de origem japonesa, tais como o Miso, Tamari, Gomasio, Soyu, raiz de rábano, algas, wasabe, amasake]. Com o seu sorriso brincalhão mas modesto e tímido, Madame Marcelle diz que quase todos os macros, ou praticantes da filosofia e dieta macrobiótica, tinham pouca saúde e mau ou enfezado aspecto.
Quando esteve no Japão conheceu o mestre Masahiro Oki [1919-1985] no seu templo riquíssimo, e foram visitar uma princesa que vivia numa floresta num ambiente de uma pureza fantástica e que ele como mestre a inspirava. Oki teve uma vida muito aventureira e viajadíssima e o seu Oki Yoga é uma síntese de várias tradições.
Para
Madame Marcele o livro muito volumoso da Cosmogonia de Urântia, é o que de melhor
conhece em termos de esoterismo, diremos cosmogónico. Soube dele através de Jacques Weiss (1894-1987), o
tradutor para francês, e que já traduzira uma obra de Baird Spalding e outra de Alice Bailey, e que levou treze anos, iniciados em 1957, e com ajuda de outras pessoas, para completar tal tarefa, pois a obra é mesmo grande, cerca de 2.000 páginas e fora redigida ao longo de alguns anos por pessoas que receberam o seu conteúdo de supostas entidades celestiais, sendo publicada finalmente em 1955 em Chicago, como uma nova revelação religiosa e a sua autoria colectiva ficou sempre misteriosa.
Jacques de Weiss |
Baird Spalding |
Conta que Jacques Weiss levara vinte anos anos a procurar até encontrar Baird Spalding (1872-1953) em Nova Iorque, vindo a traduzir a sua obra Life and Teaching of the Masters of the Far East, publicada 1924, e que posteriormente estivera na
Índia onde teria contactado os mestres de que Baird Spalding fala no seu famoso e encantador que eu também lera e admirara na sua beleza e elevação, algo cor de rosa além do dourado...
Paul Brunton, um jornalista e escritor, e que equilibradamente se aproximou da espiritualidade e da Índia, tendo deixado dos seus encontros com Ramana Maharishi páginas bem valiosas. |
Jacques
Weiss, que se dedicou totalmente ao sonho da divulgação da Cosmogonia
de Urantia, tendo ainda escrito um livro sobre a Sinarquia, inspirado na obra de Saint Yves d'Alveydre, e que eu lera, acabará por morrer em 1987 desiludido e derrotado pelos
dirigentes da Fundação da Cosmogonia de Urântia que, segundo Marcelle Costa Pina, o traíram por
vários modos durante anos de litígios, sobretudo após a morte do médico psiquiatra
William S. Sadler, o iniciador da obra e depois detentor dos direitos e que se dera muito bem com Jacques Weiss. A Cosmogonia de Urântia, misteriosa na sua feitura e abordando nas quatro partes em que está dividida a Divindade, o Cosmos, a Terra, e Jesus com o seu ensino religioso, é de uma impossibilidade quase total de se confirmar e parece-me contudo mais uma especulação imaginativa muito forte assente nos conhecimentos científicos, filosóficos e esotéricos vigentes na época mas criando com originalidade uma descrição de uma estruturação hipotética do Universo e do ser humano nela.
Numa das famosas cartas dos Mahatmas ou mestres ocultos do Oriente que Helena P. Blavatsky teria recebido por materialização, e proviria do mestre Koot-Humi, encontramos uma referência a Camille Flamarion e, pela curiosidade da fama (se é vera...) dele ter chegado aos Himalaias, reproduzimo-la: «Entre os membros eruditos da vossa sociedade [a Sociedade Teosófica], tendes um Teosofista que, sem estar familiarizado com a nossa doutrina oculta, captou intuitivamente, a partir de dados científicos, a ideia de um pralaya solar e do seu manwantara nos seus inícios. Refiro-me ao célebre astrónomo francês Flammarion - "La Resurrection et la Fin des Mondes" (Capítulo 4 res.). Ele fala como um verdadeiro vidente. Os factos são o que ele supõe, com ligeiras modificações»
Também na famosa obra intitulada Budismo Esotérico, mas que da religião budista do Pequeno ou do Grande Veículo nada tem, e que Fernando Pessoa leu na época e mencionou criticamente, no 11º capítulo intitulado Universo, o teosofista A. P. Sinnett, que clamou ter recebido também cartas dos misteriosos mahatmas, rivalizando nisso com Blavatsky e com William Q. Judge, talvez com cartas ainda mais suspeitas de terem outro autor senão ele, inclui as ideias de Flammarion sobre um planeta que chega ao fim da sua vida e mostra o seu domínio dos fins últimos da manifestação, manwantara: «O astrónomo francês Flammarion, num livro chamado La Résurrection et la Fin des Mondes, abordou uma concepção desta materialidade derradeira. Os factos são, estou informado [pelos mestres ou pela leitura de Blavatsky...], com ligeiras modificações, muito semelhantes às suas suposições. Em consequência do que ele considera como refrigeração secular, mas que mais verdadeiramente é velhice e perda de poder vital, a solidificação e a dissecação da Terra chega finalmente a um ponto em que todo o globo se torna um conglomerado relaxado. O seu período de reprodução já passou, a sua descendência já está toda nutrida, o seu período de vida está terminado. Por isso, as suas massas constituintes deixam de obedecer às leis de coesão e agregação que as mantinham unidas. E tornando-se como um cadáver, que, abandonado ao trabalho de destruição, deixa cada molécula que o compõe livre para se separar do corpo e obedecer no futuro ao domínio de novas influências; "a atração da lua", sugere M. Flammarion, "empreenderia ela mesma a tarefa de demolição, produzindo uma onda de partículas terrestres em vez de uma maré aquosa". Esta última ideia não deve ser considerada como sendo apoiada pela ciência oculta, excepto na medida em que possa servir para ilustrar a perda de coesão molecular no material da Terra[3].»
Diz-me
ainda a Madame Marcelle Costa Pina que o Cristo Mikael é apenas um dos filhos de Deus, segundo
a Cosmogonia de Urântia , e não a 2ª pessoa da Trindade. [Mais concretamente que Jesus seria a manifestação terrena de Miguel de Nebadon, um dos 700.000 Filhos Criadores, ou Filhos do Paraíso de Deus. Um terço da Cosmogonia de Urântia trata da vida de Jesus e dos seus ensinamentos, e se há aspectos que parecem curiais outros não, e visão que é dada assenta tanto em estudos (que não são referidos como bibliografia já que a obra teria sido recebida, por William S. Sadler e um grupo de discípulos, de entidades celestiais) como sobretudo em imaginações e especulações sobre a real identidade de Jesus, o ungido, o Cristo, e sobre a Divindade, o Universo, o ser humano.]
Conta-me que um dia que um ilustre conferencista no fim da sua preleção lançara uma pergunta à assistência na qual ela estava: «Qual será o futuro da Humanidade? E sentiu ou ouviu alguém segredar-lhe ao ouvido: - Uma estrela. Para ela, a estrela seria o Universo, mas eu contrapus-lhe: - A estrela é a chispa divina que está em cada ser e é a sua essência e não teremos que passar muito tempo antes que ela seja mais realizada por cada um de nós, que assim se passa a auto-conhecer e a identificar com a sua subtil mónada, centelha ou estrela, que por vezes gera sons nos ouvidos, vozes mentais, imagens, estados de alma, ou se desvenda mesmo no visão interna.
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