quinta-feira, 7 de março de 2024

Discurso de Vittoria Alliata di Villafranca sobre as testemunhas e mártires do Amor e Compaixão: Sumayyah, Rabia, as padroeiras da Sícilia e Daria Dugina Platonova.

 A princesa siciliana Vittoria Alliata di Villafranca (23.1.1950), a 1ª tradutora do Senhor dos Anéis de Tolkien para italiano, activista dos direitos humanos e femininos, defensora da civilização convivial do Mediterrâneo e em particular do mundo árabe, esteve presente no Fórum de Multipolaridade realizado em Moscou, a 26 de fevereiro de 2024, com a participação de grandes almas de todo o mundo, e pronunciou um discurso, que pude ouvir em directo online, um privilégio dado a vibração intensa anímica que conseguiu manifestar, o qual, embora encerrando algumas imprecisões que anotamos, contém  linhas de força valiosas que vai poder ler, de homenagem aos seres que são testemunhas (shahida ou syahid) vivas ou mesmo mártires, do Amor, da Compaixão, da Divindade, e no caso Sumeyha, Rabia, as Santas padroeiras Ágata, Luzia e Rosália e Daria Dugina Platonova...
A transcrição do discurso provém da tradução publicada
pela Nova Resistência, com pequenas correcções e anotações, além de todas as imagens. O discurso encontra-se online, vibrante, em: https://paideuma.tv/en/video/speech-princess-vittoria-alliata-di-villafranca-multipolarity-forum-moscow-26-february-2024#/?playlistId=0&videoId=0

Oiçamos então Vittoria Aliatta di Villafranca: 
«A compaixão de que estamos a falar, essa Rahma que marca o início de cada surata do Alcorão ["Em nome de Deus, o Compassivo, o Misericordioso", Bismillah ar-Rahman ar-Raheem], foi traduzida como “verdadeira caridade” ou “o mais puro amor ” por famosos [ou alguns] prelados católicos e teólogos franceses do século XVII [aludirá a que em 1647 apareceu a 1ª tradução em francês do Corão realizada por André Du Ryer]. [Conta a lenda] que eles tinham ouvido falar [ou tinham lido] acerca de uma grande santa descoberta pelos cruzados entre os sarracenos da Palestina e, acreditando que ela era cristã, dedicaram elogios monumentais a ninguém menos que Rabi’a al-‘Adawyya, [716-801] descrevendo-a como o “retrato da verdadeira compaixão”. Essa mulher notável, cujos poemas apaixonados ainda são memorizados e cantados da Malásia à Mauritânia, é conhecida no Islão como shahidat al-‘ishq al-ilahi, a verdadeira testemunha do amor de Deus.

Mas shahid não significa apenas testemunha em árabe. Assim como no grego, onde a palavra martys – que significa testemunha – se torna mártir no Novo Testamento, a palavra shahid no Alcorão denota alguém que morre por devoção a Deus. O primeiro mártir do Islão foi uma mulher, Sumeyah [ou Sumayya, mulher de Yasir, 550-615]. Foi a sexta pessoa a abraçar a fé, logo após o início da Revelação ao Profeta Maomé. Foi torturada durante dias pelos politeístas de Meca sob o sol escaldante e, por fim, esfaqueada e empalada com uma lança em frente ao seu pequeno filho. Mas permaneceu firme e morreu como mártir, a primeira testemunha eterna do Islão.

Sumyyah ou Sumeyah, a 1ª testemunha e mártir da fé intimamente realizada.

No meu país, a Sicília, as santas padroeiras, [S. Agata, m. 250, S. Luzia, m. 304 e S. Rosália, m. 1166], [são tidas como] curandeiras milagrosas cujos véus sagrados protegem de terremotos, erupções vulcânicas, cancro de mama e estupro, são [ou foram] todas mulheres, jovens virgens [duas delas] mortas pela fome, e cegas, queimadas vivas ou despedaçadas [mas mártires da sua fé] por sua força e determinação. O caminho luminoso delas ainda está muito vivo no nosso povo. [Há grande devoção a elas e às suas estátuas, festas e celebrações, no fundo o politeísmo que sobreviveu no catolicismo, algo talvez ligado até a uma íntima aspiração de pessoalidade na religação à Divindade, através das diversas nossas Senhoras, por exemplo, ou das santas e santos...]
                                         
                                                   Santa Ágata em Catana, Sicília.
Portanto, parece que ao longo dos tempos e em todas as religiões, tanto no Ocidente quanto no Oriente, as virtudes da compaixão, do amor verdadeiro, de testemunhar a Verdade e de morrer por ela foram reconhecidas como uma vocação essencialmente feminina.
                                      

E, no entanto, quando há um ano e meio Daria
Dugina [15.12.1992 a 20.8.22], uma jovem filósofa que representava o melhor da Europa, com sua capacidade de fundir a metafísica grega e a tradição cristã [e a filosofia perene], foi brutalmente assassinada em um ataque terrorista, nenhum prelado romano a celebrou como campeã da devoção, nenhuma feminista indignada pediu sanções internacionais pelo crime, nenhuma Organização não governamental a propôs para um prémio de direitos humanos.
                                 
                       Daria Dugina, com o seu pai, o filósofo Aleksander Dugin..
Por quê? Será que é só porque Daria era russa e tinha orgulho de fazer parte de uma nação que ela descreveu como “capaz de compaixão e empatia”? 

                                    
Será que é porque, segundo ela, ao contrário do concorrente “homem-lobo” ocidental, a alma russa tem uma suavidade, uma falta de racionalidade rígida, que ela transforma em força, reconectando o mundo e curando suas feridas? 

                                      
Não, não é assim. Ninguém havia se dado ao trabalho de ouvir essa extraordinária filósofa poliglota, que também era uma mulher atlética, elegante, artística e moderna. O desejo de perfeição e beleza de Daria e sua ânsia de contemplar a essência absoluta da Verdade estavam simplesmente escondidos por trás da aparência de uma jovem jornalista. Como todos os seus predecessores martirizados, ela era uma ancilla abscondita, uma devotada serva de Deus protegida por trás de um véu de normalidade.

Foi somente quando, confrontando o Império do Caos, Daria levantou seu nome Platonova como uma bandeira para afirmar que ser mulher hoje significa escolher entre dois arquétipos opostos, que finalmente o inimigo a notou. Porque ela havia revelado a escolha imperativa que aguarda todas as mulheres de hoje. O confronto mortal e convincente que deveria ter permanecido oculto sob as questões de género e as queixas feministas. 

Ou se deixar seduzir [conforme narra a Eneida] pelo modelo triunfante de Dido, a rainha fenícia que invocou as forças do submundo para amaldiçoar com um ritual satânico o seu amante Enéias, mas que ela não conseguiu desviar de sua missão divina. 

Ou seguir, correndo um tremendo risco, o caminho sagrado da Beatriz de Dante Alighieri, o Ser Perfeito que conduz o seu homem além dos níveis mais altos do Paraíso, até a contemplação do Trono Sagrado  [ou seja, numa imagem crua tomada da realeza e que equivale a contemplar a essência ígnea e luminosa da Divindade».

Pintura de Bô Yin Râ: a Realização.

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