quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Contributo de Leonardo Coimbra no "In Memoriam de Sebastião de Magalhães Lima".´Com vídeo do texto, comentado...

Leonardo Coimbra (1883-1936) homenageou Sebastião de Magalhães Lima (1850-1928), outro grande tributo ou orador, como ele, da passagem do séc. XIX para o XX, quando este morreu, no In-Memoriam que lhe foi dedicado,  e realçou não o aspecto de possuir o dom da palavra mas sim os traços mais valiosos da sua personalidade, tais como os da sinceridade, esforço, lealdade,  ainda a luta pelos ideais do socialismo e pacifismo, que Leonardo Coimbra considerava cristãos.

                                    

Sebastião de Magalhães Lima fez um percurso típico da época: estudante de Direito em Coimbra (1870 a 1875), escritor, advogado, jornalista e fundador do Século, defensor dos ideais republicanos e socialistas, com um pendor forte de livre pensador e anti-religioso, ao contrário do seu irmão Jaime, ou mesmo de Antero de Quental e de Leonardo Coimbra, que embora passando por fases mais revolucionárias, se elevaram depois a demandas mais filosóficas e espirituais, Leonardo chegando mesmo a converter-se ao catolicismo por acção do popularmente santo padre Cruz, uns meses antes de morrer.                                                 

 Já Antero apenas admitiu, cremos que a instâncias de Oliveira Martins, concluir os seus Sonetos com o famoso Na Mão de Deus, no que pode ser visto como uma aceitação do Deísmo ou de aspectos do Cristianismo, embora evidentemente Antero tenha sido sempre  um ser em demanda da Luz, um espiritual, de certos modos místico na sensibilidade e aspiração e embora algo limitado pelas ideias-forças alternativas na época ao materialismo e ao catolicismo que se lhe ofereciam e que eram as doutrinas do inconsciente, do budismo, do panpsiquismo e do espiritualismo, tanto imanentista como transcendentalista, nestas estas últimas, as melhores, por fim se inserindo .

Sebastião de Magalhães Lima, desde a época de estudante de Coimbra, sobretudo a partir do seu 3º ano, notabilizou-se como revolucionário e foi certamente uma das consciências e vozes mais progressistas do nosso meio socia,l erguendo a voz sucessivamente contra o imperialismo britânico, a corrupção nos bancos,  a manipulação e opressão da Igreja e as incapacidades da Monarquia e foi dos maiores obreiros da implantação da República, do movimento internacionalista pacifista e do fortalecimento de Maçonaria, onde tendo sido iniciado em 1874, veio a ser o grão-mestre de 1907 a 1928. Certamente que tinha algumas limitações na sua visão do mundo, nomeadamente as derivadas da sua repulsão forte de todas as religiões (e particularmente da Igreja em Portugal), que considerava pré-históricas, prevendo o fim delas, algo que não se verificou, pois há ainda nelas ensinamentos morais, éticos e espirituais que sempre serão necessários à Humanidade. 

 
Poderíamos fazer entrar neste diálogo Fernando Pessoa, dos maiores conhecedores da Maçonaria em Portugal, crítico dela enquanto mera carbonária, anti-jesuítica e ignorante dos veios gnósticos que lhe caberiam preservar e transmitir, nomeadamente nas doutrinas iniciáticas, algo que Fernando Pessoa aprofundou bastante. E por isso na sua nota final uns meses antes de morrer se confessa Cristão gnóstico, referindo mesmo a Maçonaria, que acabara de defender face à opressão e proibição que Salazar e o deputado José Cabral instauraram.
Oiçamos então Leonardo Coimbra elogiando Sebastião de
Magalhães Lima, com alguns comentários meus inspirados no momento, do qual transcrevemos agora os primeiros parágrafos:  

«A vida do homem é testemunho da realidade, como, pelo menos, qualquer outro acontecimento da realidade fenoménica. E esse testemunho é tanto mais valioso quanto 
mais essa vida se apresenta sincera, esforçada e leal.
Foi Magalhães Lima um servidor do Ideal e a sua vida foi o combustível dessa chama, que acende os astros do destino humano.
Socialista e pacifista, eis a forma simples do seu cristianismo de realizações.
O seu testemunho sobre a vida é, pois, o da existência duma
vontade de amor, duma unificação de instintos e tendências no grande abraço da sociabilidade consciente, perfectível e progressiva. (...) »

                            

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Leonardo Coimbra, "A Luta pela Imortalidade", 2ª parte, por Pedro Teixeira da Mota, com vídeo.

Continuamos com a 2ª leitura comentada de extractos do 3º capítulo do livro A Imortalidade da Alma, no qual Leonardo Coimbra apresenta as suas ideias, memórias e experiências acerca da morte e da imortalidade.
                               
No 1º vídeo, de homenagem a Leonardo Coimbra no seu
137º aniversário e contextualizando-o, lemos uma descrição de impressões de criança, e a menção às orações de quem «pedia memória dos vivos para os mortos que se foram na tranquilidade dos seus campos ou no tumulto e vastidão das águas do Mar», oração que José V. de Pina Martins também me contou ouvir na infância, do seu pai, em Penalva de Alva. E continuámos, lendo-o a mencionar rapidamente as concepções de morte na antiguidade, nomeadamente Grécia e Egipto, «Já no velho Egipto a vida imortal tinha a sanção duma Justiça tocada de bondade», dizendo depois Leonardo: «Todas as religiões são noticiosas desse além e as suas notícias são interpretações da morte à luz da vida moral que os homens se vão fazendo, por vezes, à luz duma moral tão alta que aparece como uma revelação perdida nos tempos ou uma saudade da original perfeita edénica.
Ao lado dessas sínteses, dessas disciplinas da Morte,
nunca deixaram os homens de colher e contar factos avulsos, que formam em toda a parte uma larga zona de mistério banhando todas as banalidades - feiticeiras, encantamentos, mouras que ao luar choram seculares saudades, espectros alucinatórios», narrando em seguida um visão de uma camponês dos seus sítios, «numa ourela do rio Tâmega».
Realcemos a expressão «de sínteses, de disciplinas da Morte» em relação às concepções, morais e espirituais que o ser humano conseguiu erguer a partir das suas sensações, crenças e práticas psico-espirituais, por vezes atingindo uma compreensão ou moral tão elevada que é já uma reminiscência (saudade) ou visão-sentimento-clarividência do estado de vida espiritual antes de termos descido ou caído na manifestação e finalmente no corpo animal terreno.
Narra depois algumas histórias semi-fantásticas e em seguida
casos de psicometria e de telepatia, que ele aceita, nomeadamente as vivências dos escritores Silva Passos e Souza Costa, e terminámos esta 2ª leitura com uma das objecções postas por ele quanto ao espiritismo, que ele investigou com entusiasmo e rigor, tal como transmitiremos na próxima leitura e artigo, investigação complexa de ser sintetizada em 23 minutos de vídeo pois Leonardo Coimbra dedica ao assunto 80 páginas neste seu sexto livro, não datado, mas que  sabemos ser de 1918,  de 270 páginas, na edição original da Renascença Portuguesa.

                                                              
Oiçamos então o inspirado Leonardo Coimbra e sua demanda do espírito imortal, com comentários, julgo que enriquecidores e ampliadores...

                   

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Leonardo Coimbra e "A Luta pela Imortalidade", 1ª parte. No dia do seu aniversário...

 Um  pensador, escritor, professor, pedagogo, ministro e orador dos mais fulgurantes de Portugal (nascido a 29 de Dezembro de 1883) foi Leonardo Coimbra, e na sua vida curta mas tão fértil de 52 anos atreveu-se a sondar a morte, em escritos específicos mais de uma vez, talvez algo na esteira de Antero de Quental mas naturalmente num nível superior filosófica e esotericamente, pois teve acesso a mais informação e a sua alma não teve os problemas psicosomáticos de Antero.

                                                            
No seu acercamento ao enigma da morte e imortalidade, primeiro, publicou em 1913 A Morte, logo após a morte do filho, e mais tarde, em 1918, com mais experiência, A Luta pela Imortalidade, a qual no dia dos seus anos, em 2020, revisitei, lendo alguns excertos e comentando-os, como poderá ouvir no vídeo final de 23 minutos, a que se seguiu outro com a mesma duração e que em breve partilharei.
                                                                    
 Será o nosso presente de aniversário a Leonardo: lermos e comungarmos as suas memórias, ideias e aspirações, interagindo harmoniosamente dentro do corpo místico da Tradição Espiritual Portuguesa onde ele ocupa um lugar, uma estação, bem luminosa.
Transcreveremos, para esta apresentação e contextualização do vídeo, a própria apresentação do livro por Leonardo, dedicado "A MINHA ESPOSA":
«Minha querida amiga:
Lembras-te daquela madrugada trágica em que na casa de meu Pai, sob o uivo dos cães e duma aragem rápida, fina, incoercível, de Junho, nos fomos do quarto onde morrera o nosso filho?
Muito enleados, árvores destroçadas pelo ciclone, fomos para o quarto onde dez anos antes quase nos meus braços morrera meu pai.
A tua dor era toda do nosso filho, a minha dor era a dele e a tua; nunca senti tão claramente que o homem é o protector da mulher, que lhe cumpre trazê-la ao colo e no coração.
Como eras dolorosa - os cabelos caídos, a tua desolação. o frio do teu mortificado corpo!
Eu tinha escrito o meu primeiro livro. Era uma síntese filosófica, chegando a conclusões optimistas sobre o mundo como sociedade de seres espirituais imperecíveis.
Acabara esse livro num sábado, no domingo lera as conclusões ao poeta Teixeira de Pascoaes, na segunda-feira adoecia o nosso filho bruscamente e para morrer.
Era a grande experiência, o meu pensamento à prova crua e insofismável.
O livro aí anda - "O Criacionismo" - a mostrar o heroísmo e a honestidade do meu pensamento.
Tu, minha querida amiga, pedias-me que abrisse os teus olhos à minha severa e melancólica esperança.
Por ti trabalhei, para ti muito especialmente procurei provas experimentais e acessíveis do meu pensamento metafísico.
O meu livro - "A Morte" - é um compromisso entre o meu método e os teus desejos.
Foi escrito naquela terra, tanto da minha saudade, para onde fomos escorraçados pela má vontade dos reitores dos liceus do Porto - a Póvoa do Varzim.
Aqui absolvo os meus inconscientes inimigos (tanto que hoje um é amigo) e aqui deixo a nossa infinita gratidão aos bons amigos, ao delicado carinho que na Póvoa encontrámos.
Um Domingo saímos os dois, e, diante do arcos partidos do aqueduto de Vila do Conde, arcos escondidos debaixo do abraço vegetal da hera, disse-te eu que o meu coração era uma ruína verde.
Lembro o teu abraço, promessa de ressurreição - é o nosso filho que mesmo agora te está beijando!
A minha promessa aí está também - é este livro, que viste nascer sob o doce e claro olhar da tua Alegria.
Toma-o.
                                                           O Teu
                                                           L.C.»

Oiçamos então o flamejante Leonardo Coimbra, com alguns comentários religantes ou unitivos meus:

                

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 8ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota, por António Paiva.

 Eis-nos na oitava parte (das talvez 12) da entrevista, primeiro oral e depois ampliada livremente para constituir o livro O Rosto e a Obra, Autores portugueses da Espiritualidade, 12 entrevistas, pelo António Paiva, dado à luz pela Espiral Editora.

António Paiva – Há um palavrear e há a Palavra, e proferir esta é um acto sagrado?
Pedro Teixeira da Mota – Sim, a palavra pode ser dita, lida ou cantada num acto sagrado de comunhão, abertura, receptividade humilde e intuição com o que ela representa ou invoca. Ou dum ponto de vista mais forte, pronunciada com o poder espiritual da pessoa e da palavra, como no Japão se desenvolveu nos noritos, orações, e no kotodama, a consciência cultivada do poder da palavra, do som.

Ora nas raízes tanto semitas (árabes e hebraicas) como indo-europeias tal consciência e culto sacralizante esteve sempre presente. A civilização Egípcia, que é uma das tradições primordiais das raízes europeias chegara a uma consciência e adoração da deusa Maat, a qual corporizava a Justiça, a Verdade, a Ordem justa, sendo ela quem presidia ao julgamento da alma após a morte. A pena com que era representada no cimo da cabeça, e contra a qual se pesava o coração do desencarnado, representava a leveza das acções e das palavras que devia estar contida ou impactada no coração e certamente também a abertura e elevação aos planos mais espirituais. Tal pena seria uma espécie de canal antena de ligação superior e assinalava tanto a leveza ou vela como o leme da barca consciencial que atravessa ou fende o oceano da ilusão (astral, o bardo) entre a terra e o céu espiritual e divino.
Com o tempo, o Cristianismo e o Islão apagaram bastante a tradição Egípcia, ainda que tenham desenvolvido também a sua visão de um julgamento, da viagem no além, da sacralidade dos nomes de Deus, muito forte tanto nos hesicastas cristãos (dos quais as Narrativas de um Peregrino Russo são um registo fabuloso) como no dhikr ou zikr dos devotos islâmicos e  sufis, bem como da palavra verdadeira e do silêncio. Todavia, não tem passado muito para o conhecimento geral, e assim limitamo-nos, o que alguns ressuscitadores da riqueza espiritual egípcia, como o Schwaller de Lubicz (fotografia embaixo), que fez um trabalho fabuloso, ou ainda, entre outros, Christian Jacq, Wallis Budge, Bernard Bromage, Lucia Gahlin e, notavelmente no aspecto religioso, entre nós, José das Candeias Sales, conseguiram brilhantemente.

António Paiva. - Vês então as asceses como parte essencial de uma Ordem Cósmica?
Pedro Teixeira da Mota - Todo o tipo de ascese e disciplina reflecte a procura de integração numa Ordem Cósmica ou numa Vontade Divina, através das suas práticas psico-somáticas purificadoras do interior das pessoas, harmonizando-as no seu dia a dia, vencendo-se assim o dissolvente caos da desordem e podendo-se alcançar-se a paz e vivenciarem-se momentos expandidos ou unitivos de consciência.
Os controlos da dor e do prazer, da energia sexual ou alimentar, vocal ou psíquica são meios para se realizarem equilíbrios e para as energias em geral poderem subir ou subtilizarem-se mais no campo electromagnético de cada um. E depois de controladas, sublimadas, elas ficam mais conhecidas, integradas e obedientes, surgindo uma consciência maior de como as estamos a manifestar e como os excessos podem causar uma diminuição de um potencial, seja geral seja a certos níveis, e quando é que tal excesso se justifica ou é certo, quando devemos dar tudo por tudo... 

Quando se é novo a energia é mais abundante e pode ser utilizada a todos os níveis, mas é bom compreendermos que a parte instintiva é muito estimulada também por uma série de comportamentos, imagens, filmes, vídeos, informações. Tudo isso faz com que mesmo o comportamento instintivo do ser normal esteja alterado ao que lhe seria natural e portanto se lhe torne mais difícil, por exemplo, a castidade, uma virtude ou capacidade considerada muito importante no caminho espiritual, pelo menos em dados momentos da vida, ao preservar a energia interior e encaminhá-la para os centros superiores.
Também, por exemplo, a alimentação mais carnívora produz mais instintividade física, e assimila a própria energia anímica dos animais, em especial a do seu sofrimento e desejos. Ou se quisermos, um tipo vibratório de energia electromagnética de que sabemos pouco. Já os cereais, vegetais e frutas têm muito menos a componente do desejo e mobilidade. E dir-se-á que nos primeiros, a carne, pode predispor mais para a violência e o instinto sexual, e nos segundos menos.
Fora da raiz semita que abrange quase todo o Médio Oriente, há na tradição indo-europeia, uma muito importante, além da iraniana e avéstica, que é a que se desenvolveu no subcontinente indiano, com os Vedas e Upanishads, e as suas darshanas ou sistemas de vida e filosofia e com as suas yogas, as práticas ascéticas, harmonizadoras e unitivas, onde se destacaram grandes feitos de domínio do corpo, da dor, da respiração e da mente, com notáveis seres, ora faquires ora já yogis e gurus.
Uma das suas visões da estrutura do Cosmos, a das três gunas ou qualidades da matéria, tem aplicações valiosas na própria alimentação e assim há alimentos considerados como sátvicos, isto é, portadores e causadores da guna ou qualidade de satva, tal os cereais, as frutas e a maioria dos vegetais. Ou seja, a modulação energética deles é equilibrante no organismo e luminosa na consciência e não são como um alimento rajásico, da guna rajas, os que geram mais actividade, paixão, tal o peixe e a carne, ou um alimento tamásico, da guna ou qualidade tamas, caracterizado pelo peso, a obscuridade e a falta de vitalidade, como é o caso dos alimentos requentados ou a entrarem em decomposição.
Dentro desta perspectiva, as práticas ascéticas, ou um mode viver sóbrio, visam em parte equilibrar as três gunas em nós ao longo do dia, seja saindo de estados tamásicos ou pesados, como o sono, a sonolência, o desânimo, através de estados mais dinâmicos ou activos, os rajásicos, para alcançarmos os estados sátvicos de maior luminosidade, os que podemos sentir ou trabalhar mais, por exemplo, seja ao nascer e pôr-do-sol, seja na altura das nossas meditações, orações e contemplações, ou ainda numa continuidade de consciência luminosa e serena.
Podemos dizer que a ascese ou o controle das nossas energias corporais e anímicas visa encontrarmos o nosso caminho do meio, o meio-termo quanto às relações vitais. Seja quanto à energia sexual e como nos relacionamos amorosamente, seja no uso da vigília e do sono, seja na escolha dos melhores alimentos ou os que devemos evitar, de acordo com múltiplas circunstâncias, tais como as estações do ano, os horários e o nosso estado pessoal com as suas idiossincrasias. 

                                    
                   Gandhi, por Lanza del Vasto, ou Shantidas, o autor da Peregrinação às Fontes.
Talvez ainda algo influenciados pela tradição não-violenta (ahimsa), yogui, jaina e gandhiana, e sobretudo por conhecimentos dietéticos e por tendência da época, há hoje muitas pessoas que querem deixar de comer carne e serem vegetarianas, macrobióticas ou vegans.
Devemos valorizar uma alimentação saudável, biológica e vegetariana, até para os eco-sistemas, mas não é muito acertado entrar em dogmatismos ou fanatismos pois são muitos os factores em causa e não conseguimos discernir facilmente os efeitos das escolhas no nosso organismo ou as carências que podemos originar. 

Sinto que o vegetarianismo é fundamentalmente uma opção de sensibilidade ou mesmo de afectividade, de não-violência, a ahimsa, dos yoguis e do Mahatma Gandhi, de originarmos o menos sofrimento possível, seja nos outros seja dentro de nós, e também de tentarmos diminuir a agro-química e os fármacos que deixam uma marca tão pesada e destruidora dos eco-sistemas do planeta. Já não como carne há mais de quarenta anos, mas volta e meia comi peixe, em ocasiões de ter de comer com outras pessoas em restaurantes. O queijo utilizo, de preferência biológico e de cabra, mas noto que pode obstruir a respiração. 

Na Índia, onde Vandana Shiva é o nome de referência (já mundialmente) no activismo por uma agricultura sã e livre da opressão da Bayer-Monsanto-Sygenta, e não só, por exemplo, tanto a vaca como o leite (considerado sátvico, com e sem razões...) são sagrados, valorizados, este sendo consumido e oferecido aos deuses, e a sua bosta tendo muitas utilizações. Tal como um tipo de basilico ou manjericão, tulsi, que todo o religioso deve ter e cultivar. Por estes meios se conservam os laços subtis de amor na interdependência de todos os seres vivos, tão necessários face à desumanização e à destruição dos eco-sistemas em curso pela ganância de algumas indústrias. milionários e políticos mais vendidos.

domingo, 27 de dezembro de 2020

Celebração espiritual dos Mestres, com gravação do Guru Gita. Noite do Natal de 2020.

Uma invocação dos mestres gravada em vídeo na noite de Natal de 2020, com algumas jaculatórias ou cantos mântricos e a recitação do famoso canto indiano aos mestres ou gurus, o Brahmanandam Parama Sukhadam, também conhecido como o Guru Gita.
                                     
Aprendi-o há já muitos anos com o instrutor francês Rishi Atri, discípulo das linhagens do Kriya Yoga (na pintura em cima) e de Bô Yin Râ, e recitei-o frequentemente, a sós ou em pequenos grupos, do qual apresentamos a transliteração para se poder acompanhar melhor a audição, e com algumas considerações sobre o caminho para o espírito, os mestres e a Divindade, bem difícil nestes tempos do Covid em que tantas manipulações e opressões estão a crescentemente exercer-se obscuramente sobre a humanidade.
                                                                            A gravação tem como fundo para contemplação uma imagem da montanha sagrada dos Himalaias, numa pintura do mestre Bô Yin Râ (em cima e com o meu último livro), com a invocação das suas correntes espirituais ou bênçãos sobre nós e o começo de uma meditação.
Eis a transliteração do sânscrito e com uma tradução minha, da oração-invocação ao guru e que é também às qualidades dos mestres e ao mestre em nós:
Om Brahmanandam parama sukhadam kevalam jnaanamurtim
Invocando a Divindade, saudações a quem é beatitude divina, o supremo prazer, a libertação, a corporização de sabedoria discernimento.
Dvandvaateetam gagana sadrusham tatvamasyadi lakshyam
Livre das dualidades, semelhante ao vasto Céu, consciente da sua unidade com Ele.
Ekam nityam vimalam achalam sarvadhee saakshibhuutam
Um, eterno, sem mácula, imperturbável, testemunha de tudo o que existe
Bhaavaateetam triguna rahitam sadgurum tam namaami.
Para além de estados emocionais, livre das qualidades da matéria, guru da verdade, eu te saúdo.
Ommm Sri Gurabe namah...

               

sábado, 26 de dezembro de 2020

Dos caminhos para se vencer a ignorância e a violência: para uma religião do Espírito e do Amor. Um contributo de Pedro Teixeira da Mota.

 Acerca dos caminhos religiosos, espirituais e cívicos para se vencer a ignorância, o ódio e a violência. Da Religião do Espírito e do Amor...

I - Uma das questões culturais e cultuais  sempre actual é a de saber se devemos manter-nos simplesmente nas Religiões em que nascemos, ou que viemos a escolher mais tarde, e apenas dialogarmos com as outras, reconhecendo ou não entre elas insuperáveis diferenças ou se, pelo contrário, quer nos mantenhamos numa Religião ou não, deveremos reconhecer que por detrás delas, e das suas diferentes crenças e ritos, visões, concepções e adorações, encontra-se (ainda que pouco a procuremos sondar, compreender encontrar...) tanto a mesma Realidade, Fonte, Origem  Divina, qualquer que seja o nome ou a ideia que Dela façamos, como também um conjunto de popostas religiosas com muitas semelhanças de teorias, práticas e objectivos, destes o principal sendo o da religação ao espírito e a Deus,
Ora esta última hipótese ou posição parece-me a mais
correcta, ou seja, que há uma Unidade das Religiões e dos seus conteúdos e preceitos, pesem as muitas diferenças nas letras e costumes, e daí a actualidade e perenidade da admissão ou abertura a uma posição religiosa em que a Fonte ou o Ser Primordial seja reconhecido como o fundamental, "relativizando-se" de certo modo todas as Religiões pois foram e são aproximações históricas, bastante limitadas e condicionadas, a Ele, Ser, ou Ela, Fonte...
Talvez pudéssemos mesmo denominá-la a Religião da
Divindade Primordial, ou ainda a Religião do Espírito Primordial, a Religião Universal, a Religião do Espírito, a Religião do Amor, estas caracterizações e afirmações  feitas com humildade mas na esperança de avançarmos mais tanto no seu sentir e reconhecer como na diminuição das ignorâncias, exclusivismos e ódios responsáveis por  conflitos, assassinatos e sofrimentos na Humanidade, ainda que muito do que é feito aparentemente por motivos religiosos seja mai por ideologias, racismos e interesses económicos.                            
                      

II - Quanto à existência de diferenças insuperáveis nos princípios, crenças e práticas das Religiões haverá a considerar se elas são tão fundamentalistas e exclusivistas, ou se deveremos  reconhecer que circunstâncias e condicionalismos diferentes forçaram  as revelações e ensinamentos religiosos a adoptar formas e conteúdos peculiares subsistindo contudo em geral em todas elas, apesar das interpolações e modificações,  um núcleo comum e essencial e que é tanto o do Bem, da Verdade e do Ser Espiritual Eterno, como o das metodologias semelhantes ou próximas para nos religarmos a tal essência espiritual, tanto do ser humano como da Divindade, e assim nos libertamos da inconsciência e da alienação em relação às tão importantes e decisivas realidades e fins últimos do ser humano.
Deveremos então reconhecer que, presente e ligando todos os
fundadores, profetas e mestres, há um Espírito comum, o Atman da tradição indiana, e que em todo o Cosmos perpassa e providencia e inspira um Logos (Intelecto, Razão, Inteligência, Amor animante) comum, provavelmente a primeira emanação da Divindade Primordial...        Contribuindo para a diminuição do exclusivismo e fanatismo religioso, está o próprio evoluir intelectual e consciencial da Humanidade pois, graças ao expandir dos conhecimentos e  consciências, e à divulgação generalizada, seja em relação à génese, transformações e desvios das religiões, seja em relação aos mistérios da existência humana e do sentido da sua vida, naturalmente várias formulações, crenças e dogmas deixam de ter o sentido imperativo ou absoluto e passam a ser compreendidos na sua contextualidade e relatividade...

 Estão neste caso muitos aspectos abusivos do legendário, miraculoso, tenebroso e apocalíptico que encontramos nas Religiões Reveladas ou do Livro. E assim, hoje, menos oprimidos ou limitados por essas cinturas e balizas, cargas e nacionalismos, poderemos caminhar em diálogo permanente com qualquer tradição ou religião, numa demanda de abertura perseverante à religação mais consciente com a Verdade ou Fonte, ou Sabedoria Amor que se possa discernir e aprender nelas, já que tal é a essência da Religião Universal, da Divindade, do Espírito e que, mais do que pregada sincera ou hipocritamente,  será sempre apenas intuída e comungada interiormente pelos verdadeiros devotos ou iniciados, para depois ser manifestada criativa e fraternalmente na vida quotidiana...                                             

Seria também muito importante que as Nações Unidas ou a Unesco e representantes das religiões e vias espirituais se reunissem e chegassem à formulação de um manual básico da Religião da Humanidade e do Espírito que, lido e estudado nas escolas, abrisse as crianças e jovens para o estudo e conhecimento da Unidade das Religiões, e logo para o aprofundar da dimensão espiritual e unitiva do ser humano, e idealmente não só por teorias mas também por práticas espirituais e de culto, e ainda vivências, visitas de estudo e contactos com a Mãe Natureza, a agricultura biológica, a agro-floresta. 

Estejamos pois mais auto-conscientes e bem abertos à Tradição Perene que perpassa por todos os verdadeiros fiéis do Amor e mestres das diversas vias e religiões, bem estudadas e praticadas por alguns sábios e acessíveis em livros e net, e saibamos escolher e praticar o melhor possível numa ampla base, de modo a que a Presença Espiritual e Divina em nós, centro flamejante e iluminante do Espírito, desperte e brilhe mais ou, se quisermos, esteja mais presente e activo em nós, como a tradição do Santo Graal anunciou e demandou.

 Assim se diminuirá  a ignorância e o ódio (que tanto grassam em conflitos de interesses, por vezes mascarados ou inflamados religiosamente) e aumentar-se-á e intensificar-se-á  a compaixão e a fraternidade, o conhecimento e o amor, que ainda tanto precisam de desabrochar, de arder luminosamente no nosso corpo espiritual e planeta, com tantos eco-sistemas e animais, espíritos da natureza e anjos maravilhosos, necessitando da nossa acção justa e protectora, receptiva e evolutiva...

III Nos nossos dias, nos quais a violência mortífera continua a imperar em diversos regiões do planeta, frequentemente devido a potências ditas modernas ou democráticas, quando a manipulação das populações é também imensa, de que o vírus de 2020 é um paradigma sombrio para o futuro, e em que os posicionamentos religiosos não conseguem dissuadir ou impedir a opressão e a violência, como poderemos ser e agir correctamente, sabendo nós que a interconectividade de todos os seres é um facto a todos os níveis da multidimensionalidade da realidade, tal como a moderna física refere denominando-a como o Campo unificado de energia informação,  mas que  as barreiras ou muros da ignorância,  insensibilidade,  racismo e ódio bloqueiam nas consciências circularidade fraterna e amorosa?                                                                                            Que posicionamento religioso e espiritual, mas também cívico e planetário, devemos aprofundar, assumir, partilhar? Que consciência ética e prática, ecológica e harmonizadora devemos desenvolver?

 É fundamental a investigação constante e destemida da verdade em todos os campos que sintamos importantes, bem como viver com sentimentos fraternos e amorosos, que se fortalecem nas práticas religiosa ou meditativas (em que vamos despertando os sentidos espirituais e recebendo a luz transformadora),  para se intensificar a auto-consciência sobre o que vivemos, fazemos e pensamos e, consequentemente a harmonização das nossas vidas, ambientes, ritmos e relações, seja pessoais seja para com países e o mundo.

 Só assim escaparemos à alienação, corrupção, caos e violência que nos possa chegar ou afectar, ou que vemos no mundo, em especial causada pelo imperialismo norte-americano e dos seus coligados e oligarquia financeira. 

Corajosamente, pensando e falando a verdade, denunciando a mentira, a opressão, a violência, o ódio,  propondo e apoiando o diálogo para a resolução dos conflitos pela sabedoria justa e não pela lei corruptora imposta pelos mais fortes e ricos,  para que diminua esse egoísmo dos mais fortes, em geral impunes e apoiados entre si e por forças mercenárias. Na linha de Pitágoras, Buda, Jesus, Mahatma Gandi, Vinoba, Lanza del Vasto e de Martin Luther King e Nelson Mandela, Xanana Gusmão, resistindo mesmo em desobediência civil quando for necessário, só, em grupos afins ou mesmo nacionalmente.

Realçaremos que a transformação é primeiro informativa-cognitiva e logo emotiva e mental e por fim na consciência e ética, reforçando-se nas vivências e expandindo-se para outras pessoas e grupos, acabando por mudar mesmo a realidade exterior, a qual sabemos estar muito negativa ainda  em geral em relação ao Bem Comum da Humanidade e às suas melhores potencialidades. Há pois que abraçar e desenvolver com urgência o Amor Divino e criativo em acção...
Desenho de Anna Zap.

Saibamos acender a chama ardente do Amor Divino e da Humanidade nos nossos corações  e vivamos criativamente e sem medos (muito importante, evitando por isso os telejornais...) nesta demanda ou caminho de vida mais verdadeiro, saudável (com o sistema imunitário bem reforçadodo) justo, belo e bom, e pelo qual constantmos que em todas as Religiões o Divino se pode aproximar, e que em todos os templos, santuários e mesquitas podemos orar ou meditar e assim irmos recebendo e manifestando mais o Amor e a Sabedoria que O caracterizam...                                                   Para isto é fundamental acolhermos, assumirmos mais a Religião Universal do Espírito e do Amor, e da fraternidade humana, animal e celestial, que é a essência das religiões e que é também no fundo o objectivo filosófico da vida, conforme o dito milenário dos gregos: “Gnosti se auton", "conhece-te a ti próprio”.                                                                                          Devemos assim não só estudar e respeitar cada Religião como manter  vertical o eixo da coluna, da coragem, da sinceridade, da aspiração e da ligação com os espíritos afins, os mestres e Anjos, para que o Espírito Primordial esteja mais activo e poderoso em nós, e saibamos assim vencer os enfraquecimentos e lutas, harmonizar a Natureza e a sociedade, renascendo e crescendo pela Luz do Alto e do Espírito, constante, criativa e amorosamente, na Unidade Divina...

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Celebração espiritual do Natal, atípico, de 2020. Texto e vídeo por Pedro Teixeira da Mota.

A celebração solsticial do Natal de 2020 terá sido atípica para muita gente. Mesmo assim muitos aproveitaram bem para conviver e para sentir a magia do nascimento do menino Jesus nas crianças e  presépios (o da imagem de Vítor Pires), outros para comer e beber, trocar presentes, matar saudades, descontrair na natureza, dar graças e, finalmente, para orar, meditar, contemplar, cantar, amar, louvar. Esperemos que assimilem bem as melhores energias e realizações e as frutifiquem no novo ano...
 
O ano da graça de 2020 foi de facto para muitos de desgraça, por múltiplas causas e razões, algumas ainda pouco esclarecidas. As medidas tomadas, ora certas ora erradas, e a histeria dos meios de informação, manipulando e derramando incessantemente medo sobre as pessoas, são de se realçar, para que nos consciencializemos da nossa responsabilidade de assumirmos  lucidamente a nossa saúde integral, seja a mental, face a tal lavagem do cérebro, seja a do nosso sistema imunitário, face à pouca importância dada aos cuidaos e práticas para tal. Ver menos televisão ou mesmo não a ter parece-me fundamental para sobrevivermos nesta década perigosa em que entramos. De anotar ainda a crescente propaganda de vacinas pouco fidedignas, suspeitas mesmo em alguns casos, apresentadas como "salvíficas", mesmo que seja apenas por uns meses e com efeitos e reacções adversas que podem ser graves.                                  Sabermos resistir através das nossas práticas alimentares, energéticas, curativas e espirituais a este e outros vírus e estabelecer diálogos construtivos, em busca da Verdade e do Amor,  em pequenos grupos ou redes  são quase obrigações de todos os seres que não se querem deixar alienar, amordaçar e massificar, mas sim despertar e avançar luminosamente na subida da montanha primordial e íntima, imaginável pela pintura de Bô Yin Râ dos Himalaias espirituais, Himavat...
                                
A gravação em vídeo, realizada perto da meia noite de 24 para 25 é apenas um simples contributo, um testemunho de uma prática, de uma celebração, de um peregrino no Caminho.
Possa alguma luz, amor e força dos Mestres, dos Anjos e Espíritos Celestiais e da Divindade entrar dentro da nossa alma e iluminá-la, para que o espírito divino seja mais consciencializado e assumido em nós, na alma, no corpo e no ambiente, para o Bem da Humanidade e do Planeta.

                   

Celebração ou invocação espiritual dos Anjos e da religação Divina, na noite do Natal de 2020, e para sempre...

Os Anjos são seres bem subtis e luminosos e, embora muita gente não acredite na existência deles, são reais e podem-nos inspirar e ajudar..
Na época do Natal, comemorando-se o nascimento de um grande mestre, Jesus, por alguns considerado mesmo Deus, ou o filho único de Deus, quando todos somos filhos e filhas da Divindade, embora ele tenha um percurso diferente do nosso, nascimento que nos relatos evangélicos, reais ou míticos, foi anunciado por Anjos tanto à Mãe como aos pastores, faz com que os Anjos tornem-se naturalmente mais acessíveis e invocáveis nesta época, seja aos cristãos em geral, seja aos islâmicos que respeitam e veneram Isha, seja a muitos hindus e yogis, conhecedores da satsanga, companhia ou corpo místico da Verdade na Humanidade, como os mestres bem luminosos Ramakrishna Paramahansa e Paramahansa Yogananda viveram e transmitiram em religiosidade universal nas suas realizações interiores, discursos e escritos.
Esta pequena gravação, a seguir a uma primeira de celebração espiritual do Natal, a que se seguiu uma terceira e última de saudação e invocação dos mestres, é apenas uma pequena partilha a fim de estimular as pessoas a relacionarem-se melhor com os Anjos e o Arcanjo de Portugal, de um modo simples, directo e vivencial e sem caírem em tabelas de nomes kabalísticos mirabolantes, decretos e litanias complicadas.
O caminho para o Anjo e logo para o mundo Divino a que ele tem acesso natural é simples e directo, pelo coração, pela adoração a Deus, pela aspiração de comunhão espiritual, o que faz com que a rosa do coração  desabroche e o olho espiritual se abra, num crescimento que implica cultivo, culto, perseverante, para que possamos ser abençoados pela visão dos Anjos e do que da Divindade nos possa chegar de graça...
Oremos aos Anjos e com os Anjos, em Amor e Sabedoria, ao Espírito e à Divindade e pelo bem da Humanidade....                                                                             

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 7ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota, por António Paiva.

Eis-nos na sétima parte (das talvez 14) da entrevista, primeiro oral e depois ampliada livremente para constituir o livro O Rosto e a Obra, Autores portugueses da Espiritualidade, 12 entrevistas, pelo António Paiva, editado pela Espiral Editora.

«António Paiva - E as outras vias de excesso, tal como referi de início, a de Gurdjieff?

Pedro Teixeira da Mota - As vias de excesso, ou diria até de extremos, mais típicas, além das drogas, foram as da alimentação, do sono, da dança, da música, da sexualidade, do álcool, da guerra e a da violência sobre os discípulos, em geral com a justificação de se lhes quebrar o ego. Ora todas estas metodologias têm as suas limitações, defeitos ou perigos, seja delas próprias, seja pelos terrenos pessoais dos mestres e discípulos, além de que não são elas em si mesmo o que gera a realização, pelo que nada garantem, sobretudo no domínio do espiritual.São apenas meios psico-somáticos para aumentos da percepção dos sentidos físicos e psíquicos, confrontações internas, transmutações de energia, expansões de consciência, e nesse sentido alguns dos exercícios que Gurdjieff ensinava ajudavam as pessoas a sair de automatismos, bem como os modos violentos com que por vezes interagia provocavam realmente reacções fortes.
Contudo, em geral, as pessoas muitas vezes em grupos esotéricos acabam por se satisfazer e iludir com as vidas miraculosas dos mestres e seus poderes, em complexas graduações de iniciações, em correspondências astrológicas, kabalistas e de tarot, ou em ritos e vaidades, e deixam-se manipular por doutrinas e instrutores semi-aldrabões.
Perdendo a noção e a capacidade de estarem bem conscientes do contexto causal e holístico em que estão integradas e num sentido evolutivo ou libertador, acreditam em mistificações que não se podem comprovar, fantasiam as realizações que os instrutores ou mestres alardeiam, começam a criar dependências do sentirem-se bem num grupo ou no amor do mestre, começando assim a limitar-se, distanciando-se de uma verdadeira religação espiritual e divina. “Coisificações”, fixação em esquemas, perda da fluidez e vida espontânea, chamava de certo modo a tal o nosso genial Leonardo Coimbra, que entre nós exerceu um mestrado, onde estiveram por exemplo Sant'Anna Dionísio e Agostinho da Silva, dois seres com quem dialoguei a sós, alma na alma, bastantes vezes e que deixaram ensinamentos valiosos, em especial Agostinho da Silva, com um percurso bastante universalista e particularmente lusófono e do culto do Espírito santo, de algum modo um mestre de alternativas ou mesmo de uma certa Nova Era portuguesa, dos anos 70 a 90, mas ainda lido ou falado hoje. 

Há então os excessos de quantidade e os de valorização de algo, desequilibradamente, erradamente, unilateralizando-se fenómenos que são tão multidimensionais como relativos. Por exemplo, há quem pense, depois de ter estudado, adoptado ou praticado alguns aspectos do tantrismo, que através da relação sexual podem atingir algum tipo de iluminação e vão utilizar tais conhecimentos, técnicas ou capacidades algo mecanicamente, ou indiscriminadamente, ou em grupos. Ora é evidente que a energia sexual está ligada com os níveis mais íntimos e sagrados do ser e da relação humana e, se a queremos ligar com o nível espiritual, a relação que existe entre os dois seres tem de ser muito pura e elevante e não algo que se pratica com quem quer que seja, quase como um exercício físico ou que pouco toca ou chega aos chakras superiores.
Momentaneamente, certos tipos de excessos podem ser naturais e harmonizadores e libertarem problemas recalcados, tensões, frigidez, num processo de catarse e que dá mesmo certa plenitude, mas essa clarificação ou expansão do nosso ser psíquico não se deve tomar como a iluminação, mas apenas como uma iluminação de um aspecto da nossa vida.
Quando se é jovem, com mais forças, a capacidade ou tendência para excessos é mais natural, e a questão é saber não se desgastar neles demasiado. Mas mesmo ao longo da vida, por vezes devemos mesmo arder mais, amar-mos mais algo e alguém e sair dos limites, embora criativamente, luminosamente.

António Paiva– Portanto também não gerará iluminação forçosamente a abstinência?

Pedro Teieira da Mota – Claro, tudo é relativo, depende de tantas circunstâncias e contextualizações, tanto mais que, para mim, não há a iluminação mas sim certas realizações luminosas. Qual é o efeito principal da ascese? É a capacidade das pessoas saberem que podem dominar a sua natureza instintiva, os seus desejos e prazeres, a sua parte animal e corporal, através do seu Eu que decide teoricamente em função de valores superiores ou alinhado com o Espírito. Isto é importante, porque de facto um dos aspectos principais da nossa vida é conseguirmos desenvolver um Eu acima das identificações corporais e dos hábitos sociais, e assim permitir que a consciência espiritual se desenvolva mais em nós.
Esta consciência e corpo espiritual vai sendo feito ou talhado através de todos os sims e nãos, dos actos e renúncias, de desenvolvimentos e esforços ao longo da vida, num processo que nunca pára. As asceses representam portanto um controlo das nossas forças anímicas não as deixando animalizarem-se, superficializarem-se ou serem muito manipuladas socialmente, como nos nossos dias de múltiplos incitamentos a diversos tipos de consumismos tanto acontece, ao que se tem acrescentado ultimamente as restrições covídicas, por vezes quase que sádicas e com tantas consequências negativas...
Porque nós somos eus-espíritos, envoltos num potencial grande de milhares e milhares de forças anímicas, temos imensas de possibilidades de acção, sentimento e pensamento. Ora como a vida moderna exponencia a relacionalidade por meios tecnológicos de um modo gigantesco e encontramos milhares de ofertas para diálogo, aprendizagem, consumo e distração, tudo isso pondo a nossa ascese, no seu sentido de desprendimento do ilusório e concentração no essencial, bastante enfraquecida e até fora de moda.
Esta oferta imensa de bens e relacionamentos tanto nos dispersa e faz-nos perder a concentração isoladora e mais aprofundante, como permite infinitas possibilidades de comunicação, aprendizagens e partilhas, neste aspecto sendo um factor grande da divulgação de ensinamentos de todos os ramos de saber, por vezes numa democratização de conteúdos que estavam bastante mais rarefeitos antigamente. Neste aspecto, a revolução digital originou uma nova Era de rede plena de muitos dos saberes e tradições, e com possibilidades de amplas intercomunicações, embora certamente o contacto presencial seja em geral melhor ou mais forte.
As asceses tradicionais permitem-nos não nos dispersar tanto pelos prazeres sensoriais ou ainda egóicos e até intelectuais, nomeadamente dos canais televisivos, dos jornais fracos, de leituras inúteis ou cor de rosa, contrabalançando-os com um certo recolhimento. Os tipos principais de prazeres que desafiam mais a pessoas quanto ao seu controle são assim a leitura, a alimentação, a bebida, as drogas, o prazer sexual, os banhos, os luxos, as posses, as roupas, os carros, os canais de televisão, as férias, o tempo que se passa nas redes sociais, etc., e é pelos nossos usos e reacções que nos vamos esculpindo, sublimando, evoluindo, ou o contrário...
Podemos ainda referir na ascese a Palavra, o uso das palavras-sons-orações, tanto mais que ela faz parte de tradições religioso-espirituais tanto do Ocidente como do Oriente, e vemo-la nos discípulos de Pitágoras, nos monges cartuxos de S. Bruno e seus conventos contemplativos, no dhikr dos sufis, ou mesmo nos mauna yogis, na Índia, que cumprem votos de estarem meses ou anos sem falarem. 

O kavi yogi Shudhananada Bahrati, com quem vivi em Madras dois, três meses, trabalhara ou escrevera muitos anos em silêncio, com Sri Aurobindo e a Mãe, em Pondichery, e com Ramana Maharishi. Dessa ascese brotara muita visão e poesia escrita. E assim é a lei, poda-se de um lado, fortifica-se e recolhe-se noutro. Ou como dizia o escravo romano Epicteto: Sustine et abstine, sabe abster-te e sabe susteres ou sustentares algo, aguentar.

AP. Como vês então o silêncio?

PTM. O silêncio desenvolvido conscientemente tem muitos efeitos benéficos, seja para ouvirmos melhor os outros em diálogos, seja para discernirmos melhor a energia das pessoas e das palavras, seja para se conservar mais energia interna, que depois se poderá manifestar melhor quando falamos, oramos, escrevemos, seja para podermos ainda ouvir ou ver o espírito.
A natureza transmite-nos e ensina-nos muito o silêncio, mesmo com todos os seus sons, tal como o céu nocturmo e estrelado, sulcado volta e meia por algum meteorito ou estrela cadente que nos faz brotar uma exclamação, uma palavra carregada de sentimento e de significado e que é como uma fecundação da imensidão do céu.
Tal como a tradição egípcia, que muito desenvolveu a noção da palavra justa e verdadeira e de um julgamento quanto à nossa honestidade na transição para o além, imagino que quando uma pessoa chega ao fim da sua vida e passa pela balança da sua consciência, de guias ou mesmo da divindade interna, vê em si mesma, o efeito das palavras que proferiu ou, quem sabe, ouve-as de modos difíceis de se imaginarem, talvez sendo determinado por elas na sua textura hologramática de palavra-vibração-partícula-onda, num agregado subtil e multidimensional.                                          Pode ser que tenha proferido milhões de palavras e que algumas dotadas de uma energia espiritual, duma intencionalidade profunda e luminosa, e porque partiam de um silêncio interior bem cultivado que as afeiçoara e as fortificara, tenham gerado não só bons efeitos como também até uma alma mais pronta a funcionar no mundo subtil espiritual com luz, amor e elevação.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 6ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota por António Paiva.

Eis-nos na sexta parte (das talvez 17) da entrevista, primeiro oral e depois ampliada  livremente para constituir o livro "O Rosto e a Obra",  12 entrevistas pelo António Paiva, editado pela Espiral Editora. 
 António Paiva – E dentro do conjunto de pensadores, praticantes, buscadores, qual gostarias de salientar, ou com qual tens mais afinidades? 
                              Paramahamsa Yogananda (1893-1952)
Pedro Teixeira da Mota – Pelos livros, gostei bastante dos ensinamentos de Ramakrishna, Paramahansa Yogananda (e o seu mestre Yuktesrwar Giri), Nicholai Roerich, Bô Yin Râ e místicos iranianos, transmitidos em especial por Henry Corbin, mas ao longo da vida encontrei alguns mestres valiosos e de quem gostei mais, seja apenas ouvindo, seja dialogando, seja vivendo mesmo com eles.
Karlfried Graf Dürckheim foi um diplomata alemão que esteve no Japão, e transmitiu um ensinamento teórico e prático ao longo de décadas, tendo escrito livros ligado ao Zen e ao silêncio que tiveram grande sucesso. Vivia numa espécie de ashram na Floresta Negra e desenvolveu exercícios de prática da auto-consciência, de presença do Ser profundo, com algumas pessoas competentes em diferentes disciplinas harmonizadoras próximas e que o ajudavam face às pessoas que o procuravam Era um homem que realizara bastante o ser em si mesmo, o espírito, e algo de tal nível transparecia, como se tal dimensão estivesse mais visível graças à simples presença discreta dele, uma pessoa pequena até de estatura.
AP – Onde estiveste com ele?
PTM – Embora tenha lido algumas das suas valiosas obras, estive com ele unicamente numa conferência em Paris, nos anos 80, onde falaram ainda Pir Vilayat Inayat Khan, filho do pioneiro da reintrodução do sufismo no Ocidente (Pir Inayat Khan), Jean Charon e David Spangler, tendo dialogado ainda com estes dois. Já antes na Índia estivera com alguns mestres valiosos, na presença dos quais sentimos certas qualidades desenvolvidas ou mesmo uma certa energia espiritual bem presente que estimula a nossa auto-consciência e a aspiração.
Como sabemos, na tradição indiana, descrevem-se ou caracterizam-se vários níveis de frequência vibratória dos nossos corpos físicos e subtis, sendo o núcleo central ou último o que se denomina anandamaya kosha, corpo de beatitude ou felicidade. Ora acontece que alguns encontros com mestres desencadeiam esse sentir fortemente de tal nível, o que é um sinal claro de que esse ser já tem a dimensão do espírito e a sua origem de amor e beatitude divina presente, e que é partilhada ou ressoa dentro de nós.
Lembro-me de Sri Vidwans, yogaterapeuta no Hospital de Warda e discípulo de Ghandi, com uma realização interior elevada e exteriormente de grande modéstia e que tinha o poder de iniciar as pessoas no Caminho espiritual, ou seja, de lhes dar um mantra, tocar no 3º olho e ao meditar tentar transmitir ou despertar no iniciando uma ligação maior com o espírito, com a luz interior, com a felicidade. 

                                                                                 Estive com outros mestres, tal Swami Shuddhananda Bharati (1897-1990), um yogi, escritor e poeta, do sul da Índia que tinha vivido com Ramana Maharishi e Sri Aurobindo muitos anos em silêncio e que peregrinara muito, vivia asceticamente e tinha uma prática espiritual e uma realização boa, tendo escrito dezenas de livros. Vivi quase três meses com ele no seu pequeno ashram e tipografia em Madras. Ele iniciou-me na linha Shaiva (Shakti) Siddhanta e desejava que eu fizesse algum centro em Portugal ou em Gibraltar, todavia fui apenas um yogi itinerante que ensinava espiritualidade e dava aulas de Agni Raj Yoga durante vários anos em alguns locais de Portugal e em dois estrangeiros. 

                                                              Outros gurus houve que apenas ouvi, como foi o caso de Krishnamurti, em duas palestras que realizou em Adhyar, Madras. Nele senti que tinha um nível de realização elevado, um certo contacto com um plano de unidade espiritual, mas que sem querer criava nos que o ouviam uma certa dependência, na medida em que não valorizava muito uma sadhana, uma prática espiritual de meditação (algo que ele fizera bastante em adolescente), apenas pedindo atenção e desprendimento do passado e comunicando um certo tipo de estado psíquico de paz mas que nos outros que o ouviam e repetiam não correspondia verdadeiramente a uma realização interior de presença interna, de desprendimento e de liberdade.
Senti que algumas das pessoas estavam a dar-lhe a resposta que ele esperava mas que não correspondia a uma realização interior. É o problema de muitas comunidades de seguidores ou discípulos, nomeadamente nos que se deixam envolver numa mitificação da realização extraordinária do mestre. Por isso um dos melhores mestres de sempre, para mim, Bô Yin Râ, que era mestre do mestre do meu primeiro mestre de Kriya Yoga, Sri Rishi Atri, avisava que na sua quase totalidade as comunidades tornam-se cemitérios das melhores esperanças ou mesmo potenciais realizações.

                                         Bô Yin Râ (1876-1943)
Com efeito, a realização interior exige do nosso ser uma sensibilidade e capacidade de consciencialização espiritual profunda e o mais frequente possível no dia-a-dia, para se manter a ligação ao espírito e a abertura ao Divino, o que implica uma prática de vida harmoniosa, com ascese, meditação, adoração, e as concomitantes graças do Alto.
Esta pessoalidade frequentemente não se concilia com a diversidade das estações ou estados das pessoas num grupo, tornando-se assim a comunidade algo limitadora ou mesmo opressora, para não falarmos de casos de gurus manipuladores ou demasiado hipnotizadores-sugestionadores, sendo o amor, a devoção ou a boa disposição, em geral, as características mais manifestadas e atractivas da submissão dos discípulo, ainda que certamente outras forças menos positivas circulem por entre os participantes do grupo ou da comunidade, tal como inveja e competição...

AP – Falaste de modo de vida harmonioso e de ascese. E quanto às vias do excesso? Eu posso considerar, não sei se concordas, como uma via de excesso a que referiste de contenção, ausência ou renúncia. Mas existem também as vias de excesso por mergulho na intensidade e na exaltação dos sentidos. São vias complementares? Consideras a via do excesso por exaltação e não por renúncia como uma via possível? Gurdjieff pode ser um exemplo?
PTM – Gurdjieff, um arménio bem viajado pelo Oriente e a Rússia, considerava que o ser humano estava tão adormecido ou alienado no seu ego e no seu modo consciencial que eram preciso técnicas e acções que abanassem as pessoas, e destruíssem de certo modo o ego e a tendência de buscar o conforto, o normal, o que se gosta. Para isso ensinava movimentos, danças, respirações, provenientes ou adaptados em grande parte dos sufis e dos dervishes, para as pessoas estarem mais conscientes de si mesmas e assim integrarem ou unificarem os seus níveis físicos, emocionais e mentais. Isso é comum à maior parte das tradições místicas e iniciáticas, e a dança movimento, com alguma origem dervische, a que ele teve acesso, foi bem desenvolvida e musicada, bem num estilo próximo da Euritmia de Rudolf Steiner, com movimentações e gestos realizados muito conscientemente, com que se procura desautomatizar as pessoas e ligá-las mais à Presença.
Fazia alguns excesso com o vodka e comidas e também quando obrigava os seus discípulos, pois ele geralmente andou sempre com alguns, a fazerem coisas que não gostavam, em actos nos quais sofriam. Conseguia com isso abanar e enfraquecer o ego e trazer o Eu verdadeiro mais ao de cima?
Em certos casos sim, noutros não. Algo disto se passou mais tarde na comunidade de Osho, ou Rajneesh, onde os excessos e as asceses sobre os sentidos também aconteciam bastante. Todavia, cada um de nós é único, em si e nas suas reacções, e tem o seu próprio caminho interior que dificilmente é intuído pelos outros. Portanto não se podem estabelecer regras gerais imperiosas, e há que ter muito cuidado com o ser-se mestre dos outros, ou aceitar-se um instrutor, pois se para uma pessoa tal é acertado para outra já não será o melhor meio para ela se metamorfosear positivamente. Na Índia encontrei também alguns gurus que abusavam do serviço, seva ou karma yoga, que exigiam dos discípulos. Isto também tende a acontecer muito no Ocidente, nomeadamente em comunidades ecológicas ou espirituais.
Embora o que é normal para alguém possa ser já um excesso para outrém, pode-se porém conceber uma razão média, tanto mais que a palavra grega Cosmos significa um todo ordenado, e tal ordem presume-se ser infundida pelo Logos, que é tanto a Divindade nele como a Razão-Inteligência, e não a mero ratio, ou racionalidade. Podemos assim deduzir ou intuir, pelo menos para nós, princípios e leis do funcionamento do universo, do corpo, da mente e do destino ou karma.
Por isso os excessos e desequilíbrios, se podem ser estímulos fortes, também têm o seu preço ou desgastes, pelo que devemos saber utilizá-los bem quando é oportuno. Quais são os desequilíbrios ou excessos valiosos ou lícitos, com uma utilidade que compense as consequências negativas? Quando é que devemos deitar-nos, ou antes continuarmos em vigília meditativa, de escrita, leitura ou de diálogo? Quantas horas, quanto dias devemos jejuar? Quando devemos viver em castidade, quando devemos sublimar a energia sexual? Até onde devemos obedecer e curvar-nos, dobrando o ego humildemente, ou quando é que devemos repelir tal e seguir a via que nos liberta e dignifica? Quando devemos ser mais revolucionários ou heterodoxos, destoando da mediania do grupo, da submissão doutrinária, política ou de vacinas? Eis questões que as pessoas têm de pôr a si próprias e acerca do que os outros nos tentam sugerir ou impor, seja gurus, políticos, patrões ou chefes.

AP - E o que pensas sobre os cogumelos e bebidas compostas de plantas da América do Sul?

PTM - Pois esse é um exemplo actual dos processos do xamânismo da América, que em geral têm relações fortes com as entidades do mundo elemental e astral, sendo estas, ao que consta, desconhecedoras do bem e do mal, pelo que devemos discernir se a ingestão de uma bebida sacralizada das tradições das florestas da América do Sul, quase domesticada por séculos de utilização pelos índios, será útil ou não, pois entramos num terreno perigoso (face à fragilidade cerebral) de exploração de estados modificados de consciência e do cérebro, e embora não seja por um meio artificial, ou uma droga sintética, ainda assim é por algo que para nós é estrangeiro ou alheio e de que não sabemos os bastidores.
Algumas pessoas que a vão tomar, não se vão sentir bem e ainda que possam ter um certo tipo de revelação, será frágil a realidade ou verdade dela, não obstante possa ser sentida subjectivamente com grande intensidade.
Quanto às consequências pesadas ou nocivas no cérebro e no corpo, que têm de existir, pouco sabemos, embora se realizem catarses fortes e até dolorosas, orgânicas e psíquicas, que podem ser purificadoras e libertadoras. Parece-me contudo que quem, mais do que na investigação de estados alterados de consciência, está num caminho espiritual deve abster-se de tal, embora haja certamente circunstâncias que possam levar as pessoas por sua conta e risco a ingeri-las, sobretudo vivendo nesses locais naturais, ou então ao sentirem-se perdidas na massificação alienada e superficializada do neo-liberalismo materialista contemporâneo.