quarta-feira, 3 de julho de 2019

"O Livro do Deus Vivo", de Bô Yin Râ. Cap. XII. Guerra e Paz.


                                     Cap. XII. Guerra e Paz

«Quem uma vez conheceu as forças formadoras deste mundo aparente da matéria física na sua potência assustadora e na inapreensível simplicidade da sua inexorável tendência voluntariosa, - foge imediatamente à ilusão superficial de que tudo o que é apreensível pelos sentidos só corporiza visivelmente a " Harmonia do Espírito".--
Observa a vespa icnêumone que tem de colocar os seus ovos no ventre da lagarta viva para que as suas jovens vespas possam viver pela morte dolorosa da lagarta,- e ficarás para sempre curado dessa crença ilusória!-
O mundo sensível é o efeito da Força Primordial do Espírito no mundo espiritual.
Mas para se manifestar espiritualmente sob a forma de mundo espiritual esta Força Primordial eterna e una tem de se reflectir em aspectos infinitamente diversos dela própria e, gerada em cada um desses aspectos como Elemento do Ser Primordial, tem de se afirmar nele de cada vez, pelo que cada um destes elementos só tenta realizar-se a si próprio, de tal modo que para ele todos os outros elementos do Ser original surgem como formas vazias, porque ele só se conhece  como Força Primordial em si próprio.
Cada aspecto da Força Primordial do Espírito, - cada "Elemento do Ser Primordial",- torna-se assim causa de que a forma manifestada da sua acção no domínio físico receba um impulso para viver apenas para si mesma e para consumir todas as outras formas manifestadas a fim de preservar a sua existência.
Em cada elemento do Ser Primordial a Força Primordial mantém-se indivisível quer  na sua acção seja a causa da mais inferior ou da mais sublime forma de manifestação.
Sucede assim que toda a força física, toda a forma manifestada fisicamente, tenta afirmar-se, como se apenas a sua existência e mais nenhuma outra fosse querida.
A minúscula célula só se afirma a si mesma, mesmo quando é temporariamente constrangida, em conjunto com biliões de congéneres, a servir uma vontade de forma superior, para quem, por sua vez, a existência dessa célula só tem valor na medida em que precisa  dela e a usa para se afirmar a si própria.—
O universo sensorial fisicamente visível é o polo oposto extremo  do Ser espiritual
A "vida" do Espírito requer uma formação espiritual com infinitas possibilidades de desenvolvimento nela mesma, nos elementos do Ser Primordial, e a actuação deles, por sua vez, requer por fim a manifestação da forma fenomenal física igualmente "coagulada": - uma força espiritual infinitamente "ampliada"  que fica por fim num estado enfeitiçado, de impotência relativa, por estar atada em específicas e rígidas formas de vontade.
Desta forma adversa de expansão e rígida limitação em extrema tensão, estas forças do Espírito elevam-se porém de novo, devido à poderosa atracção da região mais elevada do Ser Espiritual formado e convertem-se em novas formas, menos densas e rígidas, até que, por mutações inúmeras, libertam-se cada vez mais da ânsia de expansão e, finalmente, sentem-se elevadas ao seu estado Primordial no íntimo da vida espiritual...
O que, porém, nos é dado a conhecer através dos sentidos físicos, não são as formas tipo dos elementos do Ser Primordial, mas apenas os resultados da acção através das forças por eles produzidas...
Interiormente, porém,  os elementos do Ser Original tornam-se perceptíveis numa forma tipo muito elevada, como, - as nossas "forças anímicas"...
Este é o eterno, - eternamente renovando-se a si - ciclo da "Vida" no Espírito substancial,  de si próprio "sendo"!
Tornando-se "alimento" para si mesmo, mergulha em si para se erguer de novo e elevar-se até à sua mais alta seidade, livre de toda a rigidez da forma.--
Só através desta "Vida Eterna" pode  Deus no Espírito configurar-se,- no "Homem" espiritual.---
Se não fosse a haste de erva do caminho e o verme, que se nutre das suas raízes, também tu não existirias, e não haveria o Espírito e nem Deus no Espírito!!
Se não existisse o micróbio, que talvez amanhã poderá começar a destruir o teu corpo, - então também o teu corpo não existiria, nem a tua alma, nem a centelha do Espírito, que em ti se experiencia!!
Então também não existiria a vontade do Espírito que, em tempos,  no teu espírito se constituía como o  teu Deus e  agora de novo  quer dar-se ti como teu Deus!!
Mas por maior que seja a fúria com que as forças no universo físico se agridam mutuamente na sua ânsia de se afirmarem, a natureza não conhece qualquer "ódio".-
É insensato comparar o ódio humano ao instinto dos animais, que esforçam-se por destruir outros animais, porque eles, - tal como qualquer forma em cuja manifestação vivem os elementos do Ser Original,- só se querem afirmar a si mesmos.
O "ódio" é pelo contrário uma expressão da impotência desesperada do Homem!
Só na forma humana de sentir é possível chamar "ódio" à expressão dos instintos agressores próprios de animais ferozes, e não é difícil reconhecer que está em erro quem pensa encontrar nos animais a mesma sensação à qual, no Homem, se dá esse nome.
Até às zonas invisíveis do mundo físico o Homem trouxe o ódio, pois mesmo os seus piores inimigos no mundo físico invisível são incapazes de tal sentimento de ódio, e é de motivos essencialmente diferentes que deriva a sua hostilidade para com o Homem...
Os espíritos malignos mais pavorosos do mundo físico invisível foram também outrora homens terrenos que, pela sua vida terrena, se "justiçaram" a si mesmos.
Quanto mais alto se elevaram espiritualmente, tanto mais fundo caíram agora, abaixo dos mais desgraçados homens terrenos.
Aeons poderão passar antes que eles possam finalmente expirar no aniquilamento,- embora antes tentem sempre fazer baixar o que se coloca ao alcance do seu ódio...
Além disso estes invisíveis auto-justiçados só são incitados ao seu ódio implacável pela sensação da sua impotência.-
O poder [macht] é portanto o mais nobre vencedor do ódio...
A pessoa forte e  consciente do seu poder, ama o seu poder, e isso fá-lo gradualmente tornar-se um ser de amor.
O amor contudo não tolera o ódio!
Quanto mais a humanidade, nas suas múltiplas células a que chamamos "povos" e "nações", se tornar consciente do seu poder espiritual, mais depressa desaparecerá o ódio, pois quem está consciente do seu poder, não inveja o poder dos outros,- e a inveja é quase sempre a infernal instigadora do ódio...
Todas as guerras têm o ódio como o seu pai, e não é bom para a guerra quem não sabe odiar.--
Grita-se ainda: "Guerra à guerra"! -- porém eu aconselho-vos, gritai antes:
"Desprezado seja para sempre o ódio!"
Só quando o ódio se tornar desprezível, chegará o tempo que vos ensinará a condenar a guerra!---
Só quando se tornar para vós desprezível aquele que ainda quer através de massacres dirimir os litígios cuja solução deveria ser alcançada pela exposição de argumento e contra argumento perante a compreensão de juízes, - só então poderá o Homem da Terra gabar-se da sua "dignidade humana"!
Sempre ocorrerão divergências de opinião entre os homens, já que aí é uma vontade que se opõe a outra vontade, e cada vontade quer afirmar-se só a si própria.
Mas no Espírito humano a vontade é capaz de reconhecer-se igualmente nas outras vontades e, dessa forma, o Homem pode procurar conscientemente um compromisso, que salvaguarde a paz, se souber disciplinar a sua vontade, que então já não se quer só a si própria, mas também as vontades dos outros.---
Enquanto cada um não matar o ódio no seu íntimo, permanecerá sempre este caminho de domesticação da vontade do género humano só transitável em curtos troços.-
Como consequência sempre haverá guerras até que o último vestígio de ódio não encontre  no coração dos homens mais acolhimento.--
Todos os outros impulsos que levam à guerra deixam-se superar pela boa vontade, mas perante o mar encapelado do ódio mesmo a melhor das vontades é arrastada nos turbilhões e abismos...
Os antagonismos e disputas entre argumentos e contra argumentos desenvolvem energias e activam o fluxo da vida,- mas não têm necessariamente que levar à guerra, tal como o vencedor num jogo não precisa necessariamente de arrasar o adversário vencido.--
Todo aquele, porém, que tentar aniquilar em si o ódio, empreende a única guerra verdadeiramente "justa" - a guerra que, um dia, tornará impossível qualquer guerra de genocídio!---
No entanto, mesmo a supressão definitiva de todas as guerra de massacres pelo Espírito humano não pode fazer com que as forças opositoras, que estão à obra na natureza física, se possam unir numa mesma aspiração, já que tal união significaria a destruição de todo o universo exterior... 
 O reino da "Paz eterna", a que tantos seres nobres na continuidade do Tempo sempre ardentemente aspiraram, só poderá ser outorgado aos homens terrenos que somos quando,- após esta vida terrena,- nos encontrarmos de novo na Luz, que une  eternamente em si tudo o que ao princípio estava unido a ela. --»
[Pinturas de Bô Yin Râ.... Tradução, nesta versão última, de Pedro Teixeira da Mota]
     

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