sábado, 6 de julho de 2019

"Antero político" e profético, por Sant'Anna Dionísio. Os últimos números ou voos da revista "A Águia", em 1932. Com vídeo...

José Sant'Anna Dionísio (Porto, 23-II-1902 - Porto, 5 -V-1991), foi um dos ilustres pensadores do movimento da Renascença Portuguesa, fundada por Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes e Jaime Cortesão (e que teve como seu órgão a revista A Águia, de 1910 a 1932), aprendendo e convivendo com eles e tendo-se notabilizado como professor e ensaísta, destacando-se os seus estudos acerca da vida e obra de Leonardo Coimbra e de Antero de Quental.
                                 
Aos 32 anos era um dos directores da revista A Águia, e no nº 1 dessa quinta e última série de uma das revistas literárias mais importantes portuguesas de sempre, escrevia um valioso apontamento sobre Antero de Quental, que resolvemos ler, comentar brevemente, gravar e partilhar.
                                  
Dois anos depois, em 1934, saia numa edição da editora e revista lisboeta Seara Nova, uma série de reflexões valiosas em livro sob o título Antero, algumas notas sobre o seu drama e cultura. Oito anos depois,  em 1942, no nº 733-34 da revista Seara Nova,  escreveria um polémico texto Tentativa de definição do que talvez seja permitido chamar o fracasso de Antero.
                             
E em 1946 dava à luz o Testamento Filosófico de Antero de Quental (Antologia), prefácio e anotações por Sant'Anna Dionísio. 
                              
Seria em em 1949 que publicava em edição de autor, no Porto, o seu último livro sobre Antero, A Sinceridade Política de Antero, aqui reproduzido com uma dedicatória que me fez "como singela lembrança de uma boa quadra, em boa parte, de convívio anteriano"... Muita luz e amor para a sua alma!
                                      
                                                          Segue-se a gravação do artigo da Águia, mas transcrevamos algumas linhas, para quem não tiver tempo de ouvir...
« (...) A obra anteriana, apesar de fragmentária, tem o suficiente para que avaliemos a envergadura o seu pensamento político e a seriedade da cultura de que este pensamento se alimentava. Nenhum homem de propaganda republicana possuiu em tão alto grau estes dois requisitos dum político de ideias; diremos mais: nunca em Portugal um homem aliou, como Antero de Quental, as faculdades de alta especulação, a profundidade e largueza duma cultura europeia, como ele possuía, com a viva preocupação de actuar sobre sua geração e rectificar os rumos incertos da nacionalidade. Herculano, Oliveira Martins e Bruno, conseguiram decerto realizar uma obra de cultura mais inteira e duradoura, sem deixarem, todavia, de exercer certa acção sobre os homens do seu tempo; mas nenhum depôs, como Antero, tanta humanidade, isto é, tanto ardor juvenil, nas análises e exortações que saíram da sua pena ágil e da sua alma límpida como a água dos seus olhos azuis».
 Mais à frente, escreve Sant'Anna Dionísio:
(...) Por aqui se vê claramente que Antero não era, como insinuam algumas vergônteas do nosso barresismo [de Barrés, integralista francês], um desenraizado, um iconoclasta ignaro e colérico das «venerandas glórias da Grei» - era simplesmente, um pensador sério e profundo, guiado nos seus julgamentos por uma consciência límpida, inflexível e superior a todas as mentiras convencionais de que se alimentam ainda muitos portugueses. Antero estava longe de ser, efectivamente, um  negativista, um destruidor por sistema; ele sabia bem que a revolução não é sinónimo de convulsão ululante, desordenada, sangrenta (1) como ainda hoje muita gente timorata, e provocadora destas aparentes revoluções, pensa. Mas ele sabia também que a missão construtiva do revolucionário, embora "obra de paz, de reflexão, quase de ciência», não pode deixar de ser extremamente lúcida e impiedosa na pesquisa dos agentes mórbidos do organismo social que pretende tonificar. Nessa pesquisa foi ele, realmente, implacável. "Portugal, escreve, é uma nação enferma e do pior género de enfermidade, o languor, o enfraquecimento gradual, que sem febre, sem delírio, consome tanto mais seguramente quanto não se vê o órgão especialmente atacado nem se atina com o nome da misteriosa doença. A doença existe todavia", Três anos depois, Antero mostrava ter descoberto as três causas profundas e complexas da misteriosa enfermidade: o catolicismo, o estatismo absoluto e a mentalidade imperialista». Hoje no séc. XXI, Antero certamente apontaria como outra causa um Estado (e consequentemente o povo) explorado e manipulado pelos partidos e pelas grandes corporações e grupos obscuros internacionais.
                           

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