quarta-feira, 24 de julho de 2019

Uma Peregrinação Portuguesa ao Irão, 2013, (8º cap.), por Pedro Teixeira da Mota.

2 de Maio, 2013, Quinta-feira.Teerão.
Nader Agahi, o engenheiro agrónomo, chega de manhã a esta residência para investigadores onde estou instalado e, pouco depois, Nasrin Fagih, a professora universitária de Literatura que me convidou a vir ao Irão conferenciar sobre os poetas persas Hafiz e Saadi.
                           


Ele leva-nos no seu carro, ao santuário do Emamzadeh Davood, nas montanhas, a cerca de 80 quilómetros de Teerão, numa bela viagem com algumas paragens para desfrutarmos das vistas das montanhas e vales, povoações e neves e finalmente de um fabuloso e perfumado cerejal em flor. 
                                                 
                          
                  
Já dentro do santuário, que é antecedido por escadarias e um grande terraço, depois de termos admirado a profusão de espelhos ou vidros reflectores nas paredes e tectos escavados ou em abóbadas talhadas em degraus da mesquita a qual, albergando no seu santuário os restos mortais do santo, recebe ainda hoje muita veneração e pedidos dos fiéis, oramos, meditamos.





Nader Agahi explica-me junto ao mausoléu do santo (Pir Davoud, um neto de Ali e de Fátima), a zona mais sagrada desta mesquita, que segundo o Alcorão há três tipos de pessoas, conforme o modo com recebem as orientações religiosas: os primeiros procedem harmoniosamente com elas. Os segundos são os fanáticos de qualquer religião, que se tornam violentos com elas; e os terceiros são os que não acreditam e as menosprezam.
                         
Depois de considerar que as orações e prosternações islâmicas são uma forma compacta de se fazer exercício físico, adoração e meditação, diz-me em persa e em inglês as pequenas orações principais e ensina-me que as pessoas fazem pedidos e prometem como agradecimento o pagamento de cinco refeições a cinco pessoas que encontrarem no santuário, ou mesmo o sacrifício de um carneiro.
 Como ele me andou a industriar que é fundamental uma pessoa casar-se, mesmo com a minha idade, eu acabo por fazer dois pedidos, atando a fitinha verde ao túmulo: evolução espiritual e casar-me, de preferência com uma iraniana… 
Ele também ata de verde e faz o seu pedido, mas já está casado, e ainda mais feliz por estar para unir o seu filho com uma mulher muito apropriada (suitable) para ele, após a preparação que lhe ministrou nesse sentido, já que ele estava algo renitente…
Agahi tem uma grande fé neste Imam Zadeh Davood, que é um descendente do segundo filho de Fátima, e que foi martirizado com o seu escravo pelos adversários dos descendentes de Fátima e Ali. Explica-me que ele não foi tanto um homem santo mas sim um homem iluminado, com uma santidade activa e participando na vida social não de acordo com o seu querer mas com o da Vontade de Deus.
                                   
Como ele costuma vir todas sextas-feiras orar a este santuário, não foi preciso pagar numa espécie de controlo na estrada para parqueamento à chegada à aldeia, onde se viam algumas camionetas, com peregrinos, uns mesmo vindo do Afeganistão. Nasrin entrou pela porta das mulheres e teve outro acesso ao templo, enquanto eu e ele estivemos na outra zona.
                                               
A saída, vendo a caixa com os selos em argila ou terra terra com inscrições ou desenhos religiosos para serem usados nas orações, de modo a que a cabeça de quem se prosterne toque nele em vez de se apoiar no chão, perguntei a Agahi se podia escolher e levar um e dar uma esmola e ele achou bem. O que me disse mais pela sua forma e talvez mensagem foi um redonda com a caligrafia simples dos nomes de Fátima, Ali, Hasan e Husayn,(1), a família fundadora dos Shiitas, denominada os da Casa do Profeta. Virá comigo para Portugal e irradiará o que tiver de ser…                                              
                       
                       
Tirei algumas fotografias belas no interior da mesquita e no terraço à volta às pessoas, decorações e túmulo do santo, onde oramos.
                           
Atravessamos depois o resto da pequena aldeia montanhosa de uma só rua debruada de lojas, restaurantes e produtores de iogurtes, mel e biscoitos para subirmos um pouco pela montanha e podermos comer ao ar livre, com vista tanto para a montanha nevada e como para para o aglomerado de casas e o santuário, onde outros peregrinos abancados no chão do amplo átrio também convivem e comem. Ainda vimos passar dois homens regressando da montanha com uma colheita de alhos silvestres…
                                                   
                            
                            
                        
Ao descermos, sugeri atravessarmos de novo a bela mesquita, fotografando-a melhor, e no regresso a Teerão passamos ainda pela casa de Agahi, onde tomamos uma bebida quente e algumas bênçãos, seja da sua sala com tapetes e imagens religiosas, seja já no seu quarto com bastantes  livros religiosos de várias tradições, entre os quais, extâse dos extâses, os Upanishads mandados traduzir do sânscrito para persa pelo príncipe mogol Dara Shikoh, numa reimpressão de 1978, de Teerão, (2), que levei mais de uma vez à testa (para sorriso deles…), tal como o avô de Dara Shikoh, o grande imperador mogol Akbar, fizera quando os padres enviados da Goa portuguesa lhe ofereceram uma edição monumental bela da Bíblia, a Plantiniana, realizada em Antuérpia pelo sábio humanista espanhol Benito Arias Montano. E fotografei algumas das imagens de pinturas e gravuras antigas de Dara Shikoh, contidas no livro, já com a máquina de fotografar da Nasrin, pois na minha acabara a bateria.
Muitos calmos e prestáveis, Nader e Nasrin levaram-me ainda a um centro comercial moderno já em Teerão, igual aos do Ocidente, onde comprei uma camisa por cerca de dois euros e umas calças de fazenda por três. Mas quanto ao casaco acabei por ter de ir a um alfaiate e, após ter gostado de um já pronto, escolhi ainda um tecido azul condizente para as calças, comprometendo-se ele a talhar ou acertar o conjunto em três dias, ficando tudo muito barato. Assim já poderei apresentar-me em Shiraz e palestrar com melhor aspecto… 
 Foi um dia com bons momentos com a Natureza, em que pedi para pararmos uma ou outra vez para poder  admirar e fotografar as linhas de perspectiva de sucessivas montanhas e horizontes. 
 
 
 
 E além dos diálogos tanto divertidos como sérios com Nader e Nasrin, houve bons momentos de comunhão com o sagrado, mais forte quando encostei a cabeça e testa às grades de metal do santuário uns minutos, pensando nos pedidos e aspirando à ligação maior com Deus...
                     
 Notas:
1 - Do grande amor de Maomé e de Deus por   dirigido a Ali, Fátima, Hasan e Husayn, escorre um dito do profeta, ou hadit: “Eu estou em guerra com aqueles com quem vós estais em guerra e eu estou em paz com aqueles com quem estiverdes em paz.” Citado por al-Tirmidhi, no seu Kitab al-Manaqib, nº 3805.
2 - Eu poderia ter-lhe comprado os Upanishads e pagar-lhe um preço razoável, o que para ele deveria ser bom. Mas não me passou tal pela cabeça na altura, seja pelo tamanho volumoso seja por não o querer ofender, já que ele depois  provavelmente poderia até querer oferecê-lo.

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