terça-feira, 23 de julho de 2019

Uma Peregrinação Portuguesa ao Irão, 2013, (7º cap.), por Pedro Teixeira da Mota.

1 de Maio. Quarta-feira. Dia muito activo, agora passando mesmo já uma hora da meia noite. No Irão, foi o dia da Mãe e da Professora.  
Recebi de manhã pelas 11:15 a visita de Nader Agahi, engenheiro agrónomo que viveu profissionalmente 27 anos na Índia tendo participado na trágica guerra do Irão-Iraque (1980-1988). Conversamos bastante, em especial à volta da religião e do Alcorão e presenteou-me com um livrinho contendo a sua explicação dele.
 Agahi é um grande devoto das Escrituras Sagradas de todos os povos, que vê originadas ou enviadas por Deus através dos profetas. Deus falou em todos os tempos a todos os povos, e por isso devemos ler todas as Escrituras para termos a informação completa em vez de ficarmos acantonados, limitados ou até fanatizados numa só. Cita-me Buda, Confúcio, Rama, Krishna e Jesus, confessando a maravilha que foi para ele a descoberta e leitura dos Evangelhos, onde Jesus e o Amor surgem tão forte e claramente. 
                   
Diz-me isto com uma tal expressão na face e nos olhos que sinto bem como Jesus, ou o Amor divino, terá tocado este ser de outra seara ou mansão , a islâmica, mas tão aberto à verdade, bem de acordo com o que o mestre da Palestina declarou nos Evangelhos que recolheram partes do seu ensinamento: “onde dois ou três se reunirem em meu nome, eu estarei no meio deles.”
Gravei uma parte da conversa e ele dedicou-me o seu livro, The Last Sripture, a theocratic translation, que é uma teocrática tradução (acrescentada…) dos dois primeiros capítulos do Alcorão e em cujo prefácio vem as fotografias de três lutadores pela libertação do homem: o russo Karl Marx, o indiano Swami Vivekananda e o iraniano Ayatolah Khomeini, cada uma delas com uma citação significativa, sendo a do Imam Khomeini a de que “sempre que encontremos um problema vejamos qual é a palavra de Deus e ajamos de acordo”. E, esta “palavra”, Nader Agahi explica-a como sendo a de qualquer Escritura sagrada de qualquer religião, algo que alguns seguidores do autor da frase, o Imam Khomeini, não entenderão ou interpretarão tão alargadamente…
É por isso que Agahi publicou o seu livro do Alcorão alargado ou explicado, independentemente de receber autorização de um departamento oficial da religião e cultura, considerando mesmo que embora a democracia seja frequentemente um “demoniocracia”, também a “sacerdoteocracia” reinante em alguns povos ou áreas de religiões não é verdadeiramente a Teocracia que deveria orientar os povos, sendo esta assente ou dependente da leitura, conhecimento e valorização de todas as Escrituras e Religiões. Agahi considera o Islão a última e portanto a mais perfeita e completa.
Crê ainda que virá ou emergir do seu ocultamento o Madhi, o 12º e último Imam,(1) para limpar a atmosfera terrestre e purificar a Humanidade, abrindo caminho para Jesus vir instaurar o Reino dos Céus na Terra.
Porei em causa alguns aspectos das suas crenças e discursos, aceitando o amor, o bom senso, o sermos práticos e úteis, mas desvalorizando as escrituras tão cheias de patranhas e visões limitadas do Divino. Realização espiritual interna e maior abertura do olho espiritual são indispensáveis para o despertar interior e a melhoria da humanidade.
                      
Transcrevo para este diário, para maior fidelidade ao diálogo, uma parte da gravação realizada: 
N- A aproximação às religiões deve ser o que está expresso numa palavra: Bayena.
P. - Em que Sura do Alcorão está? - Está em todo o Alcorão. Deus diz lá, “Dei Bahena através de Jesus. “
P- Significa então bençãos? 
N- Vou dar uma história, para compreender Bayena.
 E mostra-a em Jesus quando ele quebra a lei de Moisés de não se poder trabalhar ao Sábado, para curar um doente, dizendo-lhe: “Vai, estás curado”. Os judeus zangados questionam-no “como é que és um profeta e seguidor de Moisés e não respeitas a Lei?” Jesus replica-lhes: Bayena”, e interpela então os que o criticam: “Quem é que tendo um burro e caindo ele a um poço ao Sábado vai esperar pelo dia de amanhã?” Sim, Jesus trouxe Bayena, o ensinamento de como utilizar o bom senso.
P- Então significa bom senso, ou seja, amar num modo prático e justo? - 
N - Sim, lógica básica.
P. - Logicamente, com compaixão, com justiça. E aspiração à fraternidade com os outros seres. E penso que isto, a irmandade, é também muito forte no Alcorão.
N- Oh, sim, Deus ensina muito no Alcorão. Se o começar a ler entusiasmar-se-á para lê-lo.
P- Tem razão, já li algumas partes mas tenho de o ler todo. Então qual é a sua ideia acerca do futuro ou como vê a evolução da Humanidade? - É um processo natural…
P. - Haverá mais gente mais pura, que lê o Alcorão ou os Evangelhos e torna-se melhor, ou haverá tanta confusão que as pessoas não sabem o que fazer? Qual é a sua expectativa?
N. - Também noutras Escrituras sagradas, além do Alcorão, tal como o Mahabharata indiano se encontra muita sabedoria [interrupção da gravação, mas conhecia a Bhagavad Gita, lera-a, achava excelente e ainda citou uma frase] (….) Jesus era um homem de mente aberta a Deus e não era uma pessoa dogmática.
P. - Então é um optimista quanto ao processo da humanidade. Tem esperança que Deus terá algumas pessoas a receber as suas bênçãos?
N.- Temos de ser realistas e não optimistas… Realista é ver que a humanidade segue os processos naturais. O homem nasce, vive e morre de um modo natural. E porque na Natureza não há orientação (guidance), Deus envia orientação, para a humanidade viver não só de um modo natural mas também de um modo sensível e civilizado. Similarmente, as Escrituras são dadas por Deus.
P - Lê todos os dias as Escrituras? 
N - Sim. Leio e li muito, estudo-as e estou a trabalhar nelas.
P - Então para si, mais importante do que orar, ou adorar ou meditar é ler as Escrituras e meditá-las? - 
N - Deus manda orar mas um pouco e não estar todo o dia. Ele quer que gaste o dia, não para orar, mas para manter a sua vida. Manter uma vida dignificada, uma vida justa e de serviço para os outros, resolver os seus problemas e os problemas dos outros. Isto é o que Deus gosta.
P - Então para ter força e ter discernimento para tal, é bom, como o Imam Komeini diz, quando tivermos dúvidas, ver qual é a palavra de Deus e agir.
N - Quando estamos num beco sem saída, ou um dilema, deve-se procurar qual é a palavra de Deus. E agir de acordo. E estar certo ou seguro que é correcto.
P - Então, de tempos a tempos devemos ir às Escrituras, para procurar a solução para os nossos problemas? 
N - Como é que podemos saber qual é a palavra de Deus? Porque nesse momento não podemos consultar todas as Escrituras. A nossa fraqueza não consegue descobrir a palavra de Deus. Então, em cada dia deve-se ler um pouco, seja uma página ou um verso. Mas façamos disso um hábito diário. Se é um cristão leia os Evangelhos, se é um islâmico leia o Alcorão, se for…
P. – Se for uma pessoa universal, leia o que quiser!
N. - Não, não, se é Cristão deve ler primeiro os Evangelhos, depois as outras. Se é um Islâmico lê primeiro o Alcorão. E depois as outras. Porque Deus diz: “Não és um crente senão lês as outras Escrituras.” E Jesus no Evangelho de S. João diz:”Tenho muito mais coisas para vos dizer, mas vós não tendes capacidade para comprendê-las. Alguém virá depois que vos explicará tudo o que eu não vos disse.” Os Cristãos têm de ler as outras Escrituras, tal como os Islâmicos têm de ler os Livros anteriores. Isto dará bom senso, e o seguir-se a religião de um modo correcto, construtivo e lógico  e não destrutiva e dogmaticamente.
P. – Certo. Quando eu estiver a ler o Alcorão lembrar-me-ei de si…»
Depois virá Nasrin buscar-me para darmos uma volta de carro por Teerão e almoçarmos. E seguimos para Book City Institute, onde converso um pouco na sala do director Mohammadkhani com um poeta que apresentará um seu livro com outras pessoas.
 
 
 
 
  E regresso a casa cedo, vendo sempre novos aspectos do belo  e arrojado urbanismo de Teerão, cidade "resguardada" a norte pela vasta e elevada mítica montanha de Alburz, ainda tão bela e purificadora com a neve em Maio:
 
Nota:
1- A partir de Ali, o marido de Fatimah, a filha do profeta Maomé, houve mais 11 Imãs (líderes escolhidos por Deus), que foram sendo conhecidos como os seguidores ou a família de Ali, donde vem o nome de Shiitas, os quais foram sendo assassinados pelos califas sunitas ou outros opositores. O 12º, Al-Madhi, para evitar ser morto, desapareceu, enviando algumas mensagens durante alguns anos e, por fim, ficou oculto. Crê-se, a partir de uns hadith, ou ditos, do Profeta Maomé, que virá no mítico  fim dos tempos ou, segundo alguns místicos e visionários, a qualquer momento para os fiéis que o invocam e merecem. Ao longo dos séculos houve alguns seres que se proclamaram o Madhi, outros apenas afirmaram que a qualidade do Imanato ou que a liderança divina estava neles. 
Em Portugal, no tempo do Al-Andaluz e de D. Afonso Henriques, houve um, o famoso governador de Silves Abû al-Kâsim Ahmad Ibn Qasî, que morreu em 1151 durante a sua luta contra a dinastia violenta almorávida, já depois de se ter proclamado Imam e Madhi, e ter gerado um movimento sufi e guerreiro, os Muridinos, ao estilo templário, sendo talvez por isso aliado de D. Afonso Henriques. Fora um dos mestres  de Ibn Arabi, um dos maiores místicos de sempre do Islão, o qual relata alguns aspectos da sua vida em livros, tais como As Iluminações de Meca, o Fusûs al-Hikam e num Comentário ao Descalçar das Sandálias, a obra sufi de Abû al-Kâsim Ahmad Ibn Qasî que lhe sobreviveu, autor que em Portugal tem sido  bem estudado e divulgado por Adalberto Alves.

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