quinta-feira, 18 de julho de 2019

Antero de Quental e a defesa do espírito de independência local e do génio inventivo em Portugal. Com os penedos esculpidos do Gerês.

                       
No dia 27 de Maio de 1871, no centro de Lisboa, no Largo da Abegoaria, na sala do Casino Lisbonense, Antero de Quental pronunciava a segunda (e a primeira, cinco dias antes, também dele, O Espírito das Conferências fora mais uma apresentação do Programa das Conferências Democráticas, publicado a 17 de Maio) das famosas Conferências Democráticas, tendo como título e tema  Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos
Já realizamos neste blogue uma transcrição e comentário aos cinco primeiros parágrafos, que são como que uma apresentação de ordem metodológica ao diálogo e fermento que as palestras aspiravam a ser, e assente numa visão muito profunda e elevada do ser humano e das suas capacidade de procura da verdade, e vamos agora partilhar, o começo da conferência propriamente dita, transcrevendo o sexto parágrafo, pela sua tremenda actualidade, enquanto lembrança do que fomos e sugestão do que podemos ou devemos ser, perante as tendências cada vez mais alienantes, uniformizantes e opressivas manifestadas pelos governos ocidentais, liderados ou obedientes ao imperialismo anglo-saxónico do petrodólar e mais recentemente, face ao sar corona, a exagerados lockdowns e confinamentos.
Leiamos então o jovem líder Antero de Quental, com sublinhados meus, nesta sua obra prima de análise vigorosa histórico-filosófica, tanto idealista como realista, tão elogiada entre nós no séc. XX por pensadores como Sant'Anna Dionísio e Eduardo Lourenço.
                           
«Meus Senhores:
A Península, durante os séculos 17, 18 e 19, apresenta-nos um quadro de abatimento e insignificância, tanto mais sensível quanto contrasta dolorosamente com a grandeza, a importância e a originalidade do papel que desempenhámos no primeiro período da Renascença, durante toda a Idade Média, e ainda nos últimos séculos da Antiguidade. Logo na época romana aparecem os caracteres essenciais da raça peninsular: espírito de independência local, e originalidade de génio inventivo. Em parte alguma custou tanto à dominação romana o estabelecer-se, nem chegou nunca a ser completo esse estabelecimento. Essa personalidade independente mostra-se claramente, na literatura, onde os espanhóis Lucano, Séneca, Marcial, introduzem no latim um estilo e uma feição inteiramente peninsulares, e singularmente característicos. Eram os pronúncios da viva originalidade que ia aparecer nas épocas seguintes. Na Idade Média a Península, livre de estranhas influências, brilha na plenitude do seu génio, das suas qualidades naturais. O instinto político de descentralização e federalismo patenteia-se na multiplicidade de reinos e condados soberanos, em que se divide a Península, como um protesto e uma vitória dos interesses e energias locais, contra. a unidade uniforme, esmagadora e artificial. Dentro de cada uma dessas divisões as comunas, os forais, localizam ainda mais os direitos, e manifestam e firmam, com um sem-número de instituições, o espírito independente e autonómico das populações. E esse espírito não é só independente: é, quanto a época o comportava, singularmente democrático. Entre todos os povos da Europa central e ocidental, somente os da Península escaparam ao jugo de ferro do feudalismo. O espectro torvo do castelo feudal não assombrava os nossos vales, não se inclinava, como uma ameaça, sobre a margem dos nossos rios, não entristecia os nossos horizontes com o seu perfil duro e sinistro. Existia, certamente, a nobreza, como uma ordem distinta. Mas o foro nobiliário generalizara-se tanto, e tornara-se de tão fácil acesso, naqueles séculos heróicos de guerra incessante, que não é exagerada a expressão daquele poeta que nos chamou, a nós espanhóis, um povo de nobres. Nobres e populares uniam-se por interesses e sentimentos, e diante deles a coroa dos reis era mais um símbolo brilhante do que uma realidade poderosa. Se nessas idades ignorantes a ideia do Direito era obscura e mal definida, o instinto do Direito agitava-se enérgico nas consciências, e as acções surgiam viris como os caracteres.» 
«Logo na época romana aparecem os caracteres essenciais da raça peninsular: espírito de independência local e originalidade de génio inventivo.»
As partes mais importantes por mim sublinhadas permitem-nos compreender qual é a Tradição orgânica, cultural, política e espiritual de Portugal, e como nos temos afastado cada vez mais dessas linhas de força. E face ao diagnóstico de Antero constata-se alguma recuperação com a República e com o 25 de Abril, mas nas últimas décadas temos estado a ficar demasiados submetidos aos grandes interesses económico-financeiros, nacionais e internacionais, e aos partidos que os servem, ou por eles se deixam corromper....
Realcemos ainda assim, e portanto, a necessidade de conseguirmos defender melhor os direitos e liberdades tanto individuais como locais e comunitários, face ao centralismo nacional ou europeu frequentemente vendido a interesses não populares nem sequer nacionais, ou ainda da verdade e bem comum internacionais.
Este discurso a ser pronunciado actualizadoramente, nos nossos dias, por Antero de Quental, em que direcções se encaminharia? Teria ele muito a verberar tanto nos políticos como nos portugueses? Fundaria ele um novo partido, apoiaria algum ou poria em causa as mentalidades egoístas e a partidocracia?
Inspirados por Antero de Quental, saibamos pelo menos desenvolver caracteres justos e profundos e, unidos por interesses e sentimentos nobres e do bem comuns, agirmos virilmente e deste modo aprofundando a auto-consciência  da energia, da ética e do espírito em nós, para o Bem de muitos.                                    
  Faces do Gerês transmontano ecoando Antero: «Espírito de independência local e originalidade de génio inventivo.». Saibamos vencar as covinagens....

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