quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Vida, morte e ressurreição, livre-arbítrio e predestinação. Arte de bem morrer e gestação do corpo espiritual.

                                                
A morte e a origem da V
ida e do Universo terão sido ao longo dos séculos da história da Terra humanizada os mistérios maiores enfrentados, pensados e investigados mas ainda hoje pouca gente tem ideias  relativamente claras e acertadas sobre eles, embora os que seguem religiões e tradições ou investigam filosófica e cientificamente tenham em geral algumas ideias e compreensões melhores, ou mesmo intuições felizes.
Para uns, pouco in
teressa o que possa vir a suceder no além, embora, quando lhes morrem pessoas queridas ou amigas, sofram e se interroguem, e das religiões recolhem ou aceitam alguma base explicativa  que serve mais para não terem que pensar num assunto algo desagradável, e adoptam uma crença vaga, quase como um anestesiante.

                                                                    

Outro seres, porém, desde cedo sentem o confronto com o mistério da morte, ora apenas apreensivos pela sorte de quem mais amam, e rezando por eles, ora questionando de frente o mistério, estudando-o, investigando-o, tanto dentro como nas margens ou fora das religiões, nomeadamente nas investigações psíquicas.
Outros deixam-se prender pelo rom
antismo da Morte libertadora e quase se apaixonam por ela, poetizando-a, cultuando-a, chamando-a, e por vezes ela não demora  muito a vir.  Sucedeu bastante no século XIX e começos do XX entre os poetas, mas ainda hoje há almas que se deixam atrair pela ideia da morte libertadora que o suicídio proporcionaria, quando é o contrário que colherão, dramaticamente.
Podemos admitir que alguns desses poetas e poetisas, dos quais temos mais testemunhos históricos, por vezes tinham já uma intuição interna do que de facto precocemente lhes iria chegar.
Na realidade, na tradição
das Letras portuguesa encontramos Camilo, António Nobre, Antero de Quental, António Fogaça, António Molarinho, Manuel Laranjeira, Florbela Espanca, Maria da Silva Vieira como alguns dos seres muito sensíveis e inteligentes que, na vida terrena, a partir de certa altura, se ligaram demasiado à Morte, desejada e libertadora, sob a qual soçobraram precocemente, e  podemos interrogar-nos se tais seres  tinham em si essa matriz (ou mesmo destino) demasiado viva ou próxima,  como se a sentissem dentro de si ou sobre eles, e em sensações psico-somáticas, sonhos, poemas e intuições surgisse mais fortemente, influenciando-os, atraindo-os.. 

Talvez o que Antero nos segredasse hoje...

 Não é fácil certamente, ao ser parte do mistério da morte e dos seus campos de força, discernirmos se há uma predestinação, se há um "destino que marca a hora", se "o casamento e a mortalha no céu se talha", e sabemos como ao longo dos séculos graves pensadores se afrontaram entre si, nomeadamente defendendo uns a predestinação, que proviria até da Divindade, e outros o livre arbítrio, nomeadamente na questão da salvação das almas.  Uma das mais importantes batalhas numa época de fractura no Ocidente, no começo do séc. XVI, foi a travada entre Lutero e Erasmo, o primeiro com o determinismo protestante, o segundo, com a responsabilidade criativa e livre da persona humana. E que escreveu também um sábio livro de preparação para a morte, e ascensão espiritual...

Parece-me que esta é a melhor linha de aceitarmos como base de investigação e confirmação, pois torna-nos responsáveis do que pensamos e fazemos e logo de irmos gerando uma vida mais ou menos higiénica, alegre, criativa, harmoniosa, benéfica e feliz, para nós e para os outros.
Todavia, sab
emos que, seja por hereditariedade, seja por acidentes externos, a morte pode irromper aparentemente inesperada e injusta, e por causalidades que frequentemente abstraem de razões pessoais e inserem tais mortes em karmas ou causas que abrangem várias pessoas, um local, ou mesmo os cidadãos de uma cidade ou país.
Duas linhas de força podemos talvez trazer à cola
ção: ora hereditariamente já estava programado geneticamente, embora mais tarde ou mais cedo, dependendo da vida, e então há a doença e morte, ora ela surge por causas exteriores, e a desatenção, o azar de se estar no local errado, o ataque por forças opostas ou de mal e o envolvimento em karmas familiares, grupais ou colectivos serão os responsáveis da precocidade do desenlace terreno.
Face a algumas pessoas que têm certas pr
emonições em relação a esses casos, podemos admitir que as suas almas conseguiram dar-se conta dos processos em curso conducentes à desincarnação,  ou então usufruíram de uma consciência acima da linearidade do tempo, ou mesmo tiveram acesso a uma dimensão mais elevada, quem sabe se a do eterno Presente Divino, que inclui toda a História, e nesse sentido entre nós o P. António de Vieira escreveu a sua utópica imaginação da História do Futuro. Mas a um nível mais seguro e modesto são muitos os casos das pessoas que anteveem a sua morte e talvez possamos admitir que é o espírito delas que passa alguma energia, imagem, informação ou abertura do olho espiritual, que lhes permite ver-antever a desincarnação próxima ou mesmo na data exacta.
                                          
Outras pessoas praticam uma antevisão da morte dentro duma arte de bem morre
r, a ars moriendi do Renascimento, ou seja, para se prepararem para a morte, e tentam-se ver mortos, sentir que o momento está quase a chegar e assim sentirem o eclodir das transformações necessárias, arrependimentos ou conversão, e sobretudo desprendimento, e assim compreenderem melhor o que deveriam ainda fazer antes de morrer, tal o congraçar-se com certas pessoas,  distribuir isto e aquilo,  publicar ou dar à luz, etc. Mas talvez o mais forte e profundo seja o provocarem um desdobramento, uma acuidade de auto-consciência, um choque iniciático interno, um maior discernimento do nosso verdadeiro ser espiritual e, identificados a ele, sabermos melhor partir desprendidos das transitoriedades e apêgos.
Convém saber que n
ão deveremos partir ainda agarrados a muitos desejos insatisfeitos, ou projectos,  e por isso a sabedoria iniciática recomendava não se desejar nem começar o que não se pode realizar, ou seja, devemos desenvolver uma certa comensurabilidade, estar bem conscientes no que deve avançar e realizar, e o que se deve evitar já que dispersará a pessoa e pode a morte vir com ela a meio e logo a alma voar para o além ainda dependente dessas energias emitidas e não realizadas...

Um dos objectivo fulcrais da meditação da morte é o de nos religar e identificar mais ao corpo espiritual, que sobrevive ao corpo físico, e que na maioria das pessoas é pouco ou nada sentido e desenvolvido, o que dificulta depois o despertar no além, atrasando as pessoas, mantendo-as em estados letárgicos ou limitados, em planos baixos astrais, passando a depender de outros espíritos o seu despertar e a sua ascensão a planos ou mundos subtis mais luminosos. Daí as razões e utilidades das orações, jaculatórias ("avança para a Luz divina", "Luz e amor, luz e amor para ti"), missas, promessas, ofertas sacrifícios, etc., pelas "almas penadas", como outrora se dizia ou, melhor, "alminhas", que de facto o são, ao não frutificaram em si mesmas, ao não terem crescido consciencialmente ou frutificado eticamente...
Saibamos então tornar a semente ou a pouca forma da nossa alma num corpo luminoso ou de glória, como outrora se dizia,vencendo instintos e medos da morte, mas também vivendo psiquicamente de modo a que quando ela chegar, estejamos com o corpo espiritual já desabrochado e pronto a deixar o corpo físico e avançar para os níveis mais elevados possíveis, algo que se procurou persistentemente realizar em vida, através da oração e meditação e daa vida justa, criativa, amorosa, abnegada e espiritual, na aspiração de religação maior nossa ao Bem e à Verdade, ao Espírito e à Divindade...

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