segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Um conto espiritual: O fim do mundo, os cavalos apocalípticos dos medos e das seitas. E o cavalo ou o dragão do discernimento libertador.

O Kalki avatar (de Vishnu Narayana), do Sanatana Dharma ou tradição indiana, montado no seu cavalo branco do discernimento libertador.

Já há muitos séculos que tanto as datas como os sinais dos fins dos tempos eram profetizados, anunciados ou imaginados. Para a entrada no ano de 2000 tal intensificou-se e já não apenas a um nível popular, de seitas religiosas ou de pastores evangélicos norte-americanos e brasileiros, mas até de alguns tidos como gurus modernos e mais cultos. Uns citavam, de origem popular ou bíblica, o dito: “aos mil chegarás, dos dois mil não passarás”; outros acreditavam nas Centúrias do astrólogo francês Nostradamus, nas quais, segundo certas interpretações, o ano de 1999 estaria apontado como o começo do fim; e outros baseavam-se em "canalizações" de espíritos ou de extra-terrestres. 
Não foram portanto poucos os que começaram a perscrutar o famoso Apocalipse, um dos falsos ou fakes do Novo Testamento, atribuído ao apóstolo S. João mas escrito já depois dele e num estilo e escopo bem próprio do visionarismo zelota e messiânico da época e que nada tem a ver com o helenismo ambiental dos escritos joaninos, embora ao longo dos séculos tenha tido, pelo seu visionarismo, uma fortuna grande na arte e literatura religiosa, tal como podemos ver em Albrecht Dürer.
Alguns recorriam aos sinais dos céus nesse mesmo ano de 1999, guiando-se pelas tabelinhas astrológicas ou pelas previsões de reputados astrólogos, mais ou menos estudiosos, imaginativos ou exploradores.
E como os satélites
, as televisões, os jornais os rádios e a internet levam a toda a parte o que se passa no mundo, muitos começaram a destacar os desastres e cataclismos que estavam a acontecer, para comprovarem o crescimento de tragédias que anunciavam o fim dos tempos. 
É claro que numa questão destas a mistura de superstição e medos pode engendrar imagens com tal poder energético, emotivo e logo de contágio no invisível das almas das pessoas que grupos ou mesmo populações podem vir a reagir violentamente, irracionalmente.

Ora precisamente em finais de 1999 assisti eu numa cidade, do interior, indiana, a uma cena verdadeiramente fantástica. Encontrava-me na praça central, que era também o local donde partiam as  camionetas em todas as direcções do distrito, quando repentinamente uma azáfama e excitação tremenda deflagrou impelindo todas as pessoas  a quererem fugir nos autocarros ou a pé, porque já não longe subindo em direcção à cidade e à praça ouvia-se  e era visível uma grande nuvem de
poeira, um estrépito  prolongado e crescente e que se desvendava como uma profusão de cavalos pretos à desfilada suscitando o medo e logo o pânico.
Tudo se pôs a fugir mas os que se
atrasaram na debandada viram-se a breve trecho envolvidos por dezenas de cavalos que na sua cavalgada e saltos os podiam ferir. Foi então que eu berrei: - Não se assustem, não se atirem pelas estradas, não receais os cavalos negros, entrem ou encostem-se às casas. Mas a atmosfera, exterior e interior, estava já tão poeirenta e conturbada que muitos continuaram a ferir-se escusadamente.
No meio da cavalgada e fuga geral, enveredei por uma rua estreita, e junto a uma casa branca
ouvi duma porta sair um som de orações, que me fez pensar: é aqui que eu devo entrar Bati, ouvi um Om, empurrei a porta e entrei.  Um mestre  indiano estava sentado em cima duma cama-estrado de madeira  junto a uma bela estátua de Krishna e Radha abraçados.  Ele respondeu ao meu juntar das mãos e inclinar-me e indicou-me  que arrancasse duma planta uma folha. Era o sagrado tulsi ou manjericão, e assim o fiz cheirando-o, passando-o pelo terceiro olho e mastigando-o. 
Indicou-me que me sentasse em  meditação, pronunciou algumas orações, das quais conhecia algumas, o que me possibilitou acompanhá-lo e entramos em silêncio. Não demorou muito o meu olho espiritual a abrir-se e pude contemplar a explicação do fenómeno que se passara: eram os medos das pessoas, os cavalos negros, os receios de se morrer com o fim do mundo, mais os de se adoecer, de se perderem as forças intelectuais ou as possibilidades de se sobreviver condignamente, pavores que são enxames no inconsciente das pessoas e que em determinados momentos da vida, duma pessoa ou de muitas, ao dominarem-nas, se tornam suficientemente fortes para se materializarem mesmo aos olhos físicos e logo a amedrontá-las, enfraquecê-las, adoentá-las, forçando-as por vezes a comportamentos selvagens, irracionais, violentos, impulsivos ou então a estados crédulos, hipnotizáveis, submissos. 
 Compreendia agora como, ao contrário  das pragas dos cavaleiros e cavalos do Apocalipse, os profetizados cavalos brancos do Kalki avatar da tradição indiana, ou o do Imam Madhi da tradição islâmica Shiaa, viriam para os seus fiéis em majestade, pureza e justiça e trazendo em cima de si a Divindade mais manifestada, seja neles seja num mestre reconhecido pelos  que aspiram à Divindade e à ligação com Ela, seja como a comunhão com um estado de justiça e de firmeza na ligação ao espírito no interior da comunidade (satsanga, sampradaya ou ummah) dos fiéis ou adeptos.
São mesmo daninhos os cavalos negros das ameaças e desgraças que relincham em nós e à nossa volta e que as televisões e as redes sociais nos transmitem de forma manipulada eficaz, obrigando constantemente a nossa alma a adaptar-se, a insensibilizar-se ou a resguardar-se, pois pensa-se que basta carregar num botão para acabar com tal, quando no fim de contas muito fica registado no interior, de tal modo que mesmo quando não ligamos nem acreditamos no que ouvimos ou vimos, tais energias de violência, mentira e medo podem envolver-nos e germinarem em associações subconscientes nós, com múltiplos efeitos adversos.
Por exemplo, agressividade na condução automobílistica, rispidez e sem tempo de escuta para os outros, tensões a subirem facilmente nos contrastes ideológicos que se tornam confrontos, indiferença ou insensibilidade para apreciar o ritmo e a beleza das manifestações da natureza, diminuição do estado de devoção e amor para os seres que amamos e a Divindade, tudo isso fazendo com que a nossa alma estiole ou se torne um canavial seco nos nervos e seivas, facilmente agitado por qualquer rumor, irritado por discórdias ou dificuldades, ou fendido e desnorteado ou desligado do Oriente luminoso...
Estaremos disposto a valorizar e a dar-nos mais pela harmonia da nossa trindade de corpo, alma e espírito, mais do que a deixar-nos conduzir pela vulgaridade das emoções que a sociedade moderna e os seus media arregimentados, mais do que informando desinformando e desimunizando, tendem a produzir em nós? Para quê continuar a encher-nos e a carregar com tanta ignorância, arrogância, selvajaria, ambição, exibicionismo, cupidez e vaidade de tantas figuras da cena política mundial e nacional, ao recebê-la nas televisões, jornais, internets, livros ou conversas?
E o mundo espiritual, os sábios eternos, as ideias e valores que eles contemplaram, intuíram ou deduziram e nos deixaram para continuarmos a melhorar a nossa acção e compreensão do Universo, da Divindade, da comunhão das almas-espíritos? Quais lemos e reflectimos, e o que queremos fazer deles, ou com eles? Porque oramos e meditamos tão pouco, e tanto nos dispersamos e enfraquecemos?
Com quantos seres nos relacionamos, com quantos continuamos os seus testamentos anímicos, com quantos estabelecemos relações que atravessam as distâncias e barreiras que há entre a vida e a morte, e asseguram-nos a continuidade da amizade e criatividade nos planos subtis da imortalidade da alma espiritual?
As portas daquela casa branca e templo íntimo estavam fechadas e só o rame rame subtil de litania me tocara, mas dentro dela vivi uma grande clarificação da minha compreensão das sombras do inconsciente e do universo,  recebendo mesmo no fim da meditação a sublime luz divina a abençoar-me. Despedi-me do mestre bem grato e ele sorrindo fez-me sentir como ele comungara comigo na meditação e fortuito encontro. Definitivamente, o mundo não acabará senão daqui a milhares ou milhões de anos, e outros mundos e planos existem mas as nossas ignorâncias, violências, injustiças e asneiras essas devem terminar, antes que arrastemos mais seres para tantas situações de sofrimento e de animalidade desnecessárias, frequentemente passando mesmo pelos fins dos seus mundos, ao serem mortas pelo egoísmo, nacionalismo ou imperialismo de alguns grupos e governos mais conflituosos e insensíveis aos valores humanos, éticos e espirituais, como tanto vemos nos nossos tempos..
Decididamente não devemos deixar-nos influenciar ou afectar senão dentro de certos limites pelo que se passa no mundo político e social, embora devamos agir com justiça e sabedoria face a qualquer situação que se possa tornar uma ameaça de fim de mundo, mesmo que seja apenas da justiça, paz e calma de alguém próximo, ou duma zona de Gaia e da sua terra santa.
Há então que trabalharmos criativamente por criar locais, famílias, relações e grupos onde predominem as vibrações da auto-consciência espiritual e cooperação, não-violência, equanimidade e espiritualidade, harmonia sábia e amorosa.
E em que os cavalos, tigres ou dragões do nosso interior ou mesmo do misterioso poder dinâmico não consciente sejam bem domados e guiados por cavaleiros e cavaleiras com discernimento e coragem, abnegação e fraternidade...
Acompanhe, guie ou comungue bem e luminosamente o Dragão azul em 2024! Aum Loong! Om!

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