Finalizando as comemorações dos 561 anos do nascimento de Pico
della Mirandola (24.2.1463-1494) partilhamos a tradução de uma das suas cartas. Imagem provinda das comemorações dos 500 anos do aniversário, organizada por José V. de Pina Martins...
Giovanni Pico della Mirandola viveu bastante retirado do mundo, nos últimos anos da vida, dedicado aos estudos e à vida espiritual. Trabalhava numa obra que veio a ser publicada postumamente as Disputationes adversus Astrologos, extensa defesa da incognosbicilidade do futuro face ao livre arbítrio human e as múltiplas causalidades circunstanciais, mas foi escrevendo cartas algumas bem valiosas que deixam transparecer tanto a sua espiritualidade interna e universalista como a sua piedade religiosa e crença católica, além de serem testemunhos da sua psicologia e estado psicológico.
Pico della Mirandola, numa pintura quinhentista que pertenceu José V. de Pina Martins, sábio confabulator espiritual de Pico, Erasmo, Ficino e Thomas More... | |
«(...) Feliz és, filho, quando Deus não só te atribui o que precisas para viver bem, mas porque tu vivendo bem, ouves dizer mal de ti pelos maus, precisamente por viveres bem. É o mesmo louvor seja os que são louváveis louvarem-te seja os que são improbos denegrirem-te.
Mas chamo-te feliz, não pela razão que tal calunia é gloriosa para ti, mas porque o S´senhor Jesus, que é verdadeiro, ou mais ainda a própria verdade, afirma que a nossa mercê [ou graça, ou ganho] será copiosa nos céus quando os homens disserem males de nós e disserem mentirosamente todo o mal contra nós por causa dele [a Verdade, e Jesus, o verdadeiro].
(...) Finalmente, se o mundo te aplaude, é difícil que a virtude que devia estar toda erecta para o alto, e só agradar a Deus, não se torne ela a pouco e pouco inclinada para às graças dos homens que a aplaudem; e se não perde a sua integridade perde contudo o prémio, pois este ao começar a ser pago neste mundo onde todas as coisas são exíguas, pequeno será no céu onde todas as coisas são imensas.
Bem aventuradas as afrontas que nos protegem e impedem que a flor da juventude não estiole sob o vento pestífero da glória inane, ou que o nosso prémio na eternidade não seja diminuído pelo rumor vão popular. Abracemos filho, estas afrontas e orgulhemo-nos, na santa ambição de servidores fiéis, somente da ignominiosa Cruz do Senhor.
(...)
Cogita quanta seria a tua insânia, se o juízo dos insanos te demovesse
da vida recta estabelecida. Pois todo o erro deve ser removido pela sua
correção e não ser aumentado pela sua imitação. Que eles
relinchem, ladrem, rujam. Tu avança no teu caminho intrépido. E pesa
cuidadosamente quanto deves a Deus pela negligência e miséria deles. O
que estava sentado à sombra da morte ele iluminou, e tirou-o das reuniões dos que em trevas densíssimas se desviam
em frenesins sem guia, e associou-o aos filhos da Luz. Soe aquela voz
suavíssima do Senhor sempre nos teus ouvidos: «Deixa os mortos sepultar
os mortos, tu segue-me» [Lucas IX, 59-60]. Mortos estão de facto aqueles em quem Deus não toma lugar, e que, neste este espaço temporário de morte, adquirem para si laboriosamente a morte eterna.
(...) Portanto fecha
os ouvidos com cera, caríssimo filho, e o que quer que digam, o que
quer que pensem de ti os homens, tem como nada; considera só o juízo de Deus, que dará a cada um segundo as suas obras aquando da
sua revelação do céu, com os Anjos da sua virtude, libertando pela chama do
fogo aqueles que não conheceram Deus e que não prestaram atenção ao seu
Evangelho. A quem serão dados penas (como o diz o Apóstolo), em extinção
eterna da face do Senhor e da glória da sua potência, enquanto que todos os que acreditaram nele serão
glorificados na virtude dos seus santos e na sua admirável contemplação.
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