Um belo poema da Alice Moderno (1867-1946), de 1893, publicado em 1916, na revista Escola Móvel. À beleza e idealidade, ao facto de ter namorado alguns anos um ilustre companheiro e discípulo de Antero de Quental, o infausto Joaquim de Araújo (sobre quem já publiquei alguns artigos no blogue, nomeadamente o seu fabuloso poema à morte de Antero como iniciação), junta-se o quase desconhecimento do poema desta notável açoriana numa das muitas revistas em que colaborou ou dirigiu, para além de inicialmente o ter enviada para o o jovem poeta André Louro pelo seu amor a ela, fez-me autonomizar o poema neste artigo do blogue.
«A Humanidade é o Ahasvero errante,
Vitima estranha de um destino escuro;
Na interminável senda do futuro,
Não repousa, não pára um só instante.
O seu ideal é cada vez mais puro,
A luz que fita é sempre mais brilhante;
E segue, e segue, activo caminhante,
Na senda interminável do futuro!
Começou a imperar a força bruta:
Venceu-a à luz do dia, em franca luta,
O pensamento humano—esse arrebol!
E hoje, apenas, em voo alevantado,
Orgulhosos herdeiros do passado,
Nos curvamos ao Génio—eterno Sol!»
Ponta Delgada, 1893. Alice Moderno.
Imagem do Ahasvero nas cartas de Épinal. É possível que o arcano do Louco, ou Mat, do Tarot, seja uma manifestação da mesma lenda da ignorância e irresponsabilidade dos que negam a luz e o amor. |
Realcemos apenas o considerar a Humanidade uma espécie de Judeu Errante, Ahasvero, uma tradição cristã de remota origem, quanto a um judeu que nos instantes dos passos da cruz de Jesus lhe teria dito para se despachar em vez de o ajudar, recebendo como karma, destino ou paga ficar condenado a permanecer na Terra errante e desassossegado, havendo várias versões desta trágica insensibilidade egoísta ou falta de amor de um ser por um mestre, messias ou ungido sacrificial.
Contudo, evolutivamente, ad astra per aspera, Alice Moderno, como extraordinária trabalhadora, escritora, poetisa, professora, e como pioneira activista da educação, dos direitos da mulher, dos trabalhadores e da República, vê, intui, a Humanidade avançar para estágios de cada vez mais luz e despertar do seu génio solar ou espiritual, fazendo assim que as trevas da ignorância, insensibilidade e egoísmo, se vão dissipando e dando lugar à progressiva e esforçada luz da psique criativa e fraterna...
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