sábado, 18 de maio de 2024

"O Caminho da Rússia". Ensaio de Alexander Dugin, traduzido a partir da versão inglesa de Lorenzo Maria Pacin.

                                     

 Alexander Dugin é um os pensadores mais tradicionais e conhecidos da Rússia, com um percurso numa linha de filosofia perene, nacionalista e imperialista (no sentido de Julio Evola), assumindo corajosamnte uma concepção ideológica anti-liberalismo Ocidental, razão pela qual tem sido vilipendiado e diabolizado tanto pelos políticos, analistas e meios de informação ocidentais  como por esses outros instrumentos manipuladores da oligarquia ocidental que são as dezenas de Institutos, Centros e Conselhos (tal o Atlantic Council, o Wilson Center, o Europe Center, etc.) de propaganda pró-americana e anti-russa, além do Google e a Wikipédia. 

Em geral é apresentado no Ocidente como o guru de Putin quando na realidade não há certezas ou fotografias de tal encontro e em muitos aspectos têm visões diferentes, para além de que Putin procurou muito tempo amizade e compromissos com os Ocidentais e entrar até na NATO, e foram estes que o foram enganando com acordos de papel, e armando e preparando a Ucrânia para entrar em guerra com a Rússia, ao contrário de Dugin, que embora cristão ortodoxo, sempre foi muito crítico da degeneração do Ocidente e dos males do neo-liberalismo oligárquico anti-tradicional, anti-valores morais e nacionais, contrapondo uma educação tradicional firme na Rússia. 

 Tendo nascido em 1962, Alexander Dugin sofreu em 20 Agosto de 2022 um rude golpe quando a sua filha de 32 anos, Daria Dugina Platonova, uma filósofa já de grande valor, foi assassinada por uma extremista ucraniana, pelo que a sua visão guerreira e dramática da vida ainda mais se acentuou e assim a sua forte linguagem ou mesmo estratégia de combate, de luta ao máximo contra todos os inimigos, não é bem vista por muita gente. De qualquer modo é bem valioso conhecermos e compreendermos a sua cosmovisão estando ou não de acordo com ela, tanto mais que Aleksander Dugin é considerado hoje o mais importante pensador e filósofo do mundo russo, havendo já  traduções suas em língua portuguesa e brasileira, ainda que muito soterradas pela contra-informação internética anti-russa...

A alma do povo russo, por Mikail Nesterov.
               
                   O Caminho da Rússia, por  Alexander Dugin
 
«Muitos admiram-se por é que os ucranianos resistem tão ferozmente? - A razão é que eles não estão em guerra connosco, mas sim com a imagem que vive nas suas mentes. Houve um episódio da série de televisão Espelho Negro em que as pessoas lutavam com monstros terríveis, mas afinal eram apenas monstros feitos por dispositivos ópticos especiais que as próprias pessoas tinham que usar (havendo punição se não cumprissem) e o que parecia serem 'monstros' eram as próprias pessoas.
Os ucranianos  veem-nos como monstros, estão em guerra com uma quimera que lhes foi imposta e esta quimera é terrível, mas eles não veem mais nada.
Nós não nos preparamos para esta guerra, não entendemos com o que estamos lidando, não criamos tal imagem do inimigo. Portanto, não compreendemos plenamente o que está a acontecer. Talvez seja correcto não termos seguido esse caminho, mas a gravidade do que está a acontecer está a ser claramente desvalorizada.
Quanto mais feroz a luta, maior a fúria de nosso povo; ao mesmo tempo, a imagem do inimigo já foi relativamente formada nas frentes. Na frente doméstica,  estamos ainda perplexos. Como podem eles fazer isso? Na frente já não fazemos tal pergunta: a questão é outra: como derrotar o inimigo e, francamente, como destruí-lo. Só se pode destruir o que se destesta ou odeia e aqueles que mais odeiam, lutam mais ferozmente e alcançam o máximo nesta guerra.
Estou convencido de que a Rússia não deve deixar este processo seguir por si só; se o deixarmos, o ódio da frente espalhar-se-á gradualmente  para a rectaguarda e  tornar-nos-emos mais como o inimigo, ou seja, o ódio entrará em nossos corações. Ele entrou nos corações dos ucranianos há muito tempo. Agora depende de nós. Afinal, não podemos deixar de notar que, à medida que a guerra avança, gradualmente adoptaremos os traços do inimigo. Relutante e tardiamente, mas ainda assim.
Neste momento, as autoridades estão apenas a tentar conter o processo mas ele é como um rio. A dado momento, a "barragem humanista" vai estourar e toda a sociedade vai se lembrar das linhas de Konstantin Simonov [1915-1979]: "Quantas vezes o encontrar, quantas vezes o matará". Ninguém mais se vai  importar com o que as autoridades permitem ou proíbem.
Precisamos de um caminho diferente, precisamos de uma verdadeira ideologização da guerra. Uma ideologização completa e sistemática. Não fragmentada e fragmentária, como é o caso agora.

                                O verdadeiro inimigo
 Em primeiro lugar, a guerra é travada com o Ocidente. Portanto, o principal inimigo é o Ocidente. Os ucranianos não são o principal inimigo;  é
portanto o Ocidente que deve ser verdadeiramente odiado, e aqui Konstantin Simonov [herói da 2ª grande guerra e escritor] é relevante. Devemos, portanto, expulsar o Ocidente de nós mesmos, caso contrário teremos uma duplicidade de padrão: ele mata-nos e nós adoramo-lo. O liberalismo é mais perigoso do que o nazismo ucraniano, porque foram os liberais ocidentais que lançaram, criaram e armaram o nazismo ucraniano. É necessária uma desliberalização consistente (pois é mais importante do que a desnazificação que está a acontecer do país). A desnazificação também é necessária, mas é uma consequência, não uma causa, um sintoma, não a essência da doença. Além disso estamos a lutar contra o nacionalismo, mas não nos  devemos tornar em nacionalistas. Nós somos o Império e como herdeiros da monarquia e como sucessores da URSS, somos mais do que uma nação.
A nossa ideologia deve ser imperial,
aberta, clara e agressiva. O Império deve ser representado de forma carismática. Nosso império, Roma, está travando uma batalha mortal com o "Império" oposto, e em essência o Anti-Império, isto é, com Cartago.
Só quando o exército, o povo, o Estado e a sociedade estiverem em guerra com Cartago, com o Ocidente liberal, é que derrotaremos o nazismo ucraniano. Tudo o que faremos é calcar com os pés a Ucrânia. Diante desse terrível e sério inimigo, essa pequenez obsessiva parecerá insignificante.
Se disser a um russo "a Rússia não existe", ele encolherá os ombros. Se disser a um americano "a América não existe", ele encolherá os ombros. Se  disser a um ucraniano "a Ucrânia não existe", ele se tornará violento e gerará uma altercação. Porque a Ucrânia existe, mas não existe quando somos o Império, e nossa consciência é imperial, uma consciência firme, forte, auto-confiante, ofensiva.
A forte identidade do inimigo pode ser esmagada não pela forte identidade em si (nacionalismo russo), mas por uma identidade mais forte que é a identidade imperial.
Esta transformação ideológica da sociedade é inevitável. Ela pode ser adiada por algum tempo, mas não pode ser evitada. Estou convencido de que o nosso governo não queria esta guerra. Eles tentaram tudo para adiá-la. Ela pode ser adiada, mas não pode ser impedida e agora não pode ser detida. Ela pode ser ganha ou pode desaparecer. É compreensível que uma parte da elite esteja em pânico. Eles não podem aceitar a fatalidade do que está a acontecer, e esperar, contra todo o senso comum, que possam de alguma forma retornar a situação ao passado, é impossível; adiar e procrastinar sim, é possíve
l.
Parar e v
oltar à estaca zero não é possível; tudo o que nos espera é a guerra e uma vitória difícil, incrivelmente difícil. Nosso país será alterado irreversivelmente ao longo do caminho. O Estado terá mudado, a sociedade terá mudado.
Ninguém desesperadamente quer mudar por conta própria, mas isso já é impossível. É o destino. A mudança será imposta por uma necessidade de ferro. A todos e em tudo.» 

Eis-nos com uma ante-visão que desagradará a muita gente: uma visão bem dramática, guerreira, imperial e de luta frontal com o neo-liberalismo autocrático e excepcionalista Ocidental, que arma o exército ucraniano, quer explorar a sua população "até ao último ucraniano", como alguns políticos norte-americanos afirmaram.
Também a sua visão de que haverá, ou é necessária, uma
mudança radical da educação e das mentalidades dentro da sociedade russa, no sentido de se compenetrarem de que estão numa guerra difícil, ou quase total, com o Ocidente e o seu liberalismo corruptor e desvirtuador e que portanto não podem pactuar com ele, não agradará a muita gente, com mentalidades de mais compromissos e menos cortes radicais.

                                

Por isso mesmo, face a um futuro que ninguém sabe prever com exactidão, é valioso ouvirmos uma das grandes almas da Rússia que, ainda que traumatizada pela morte da sua filha Daria (e muita luz e amor no seu ser), ecoa grandes pensadores cristãos e espirituais como Soloviev, Berdiaev, Florensky, ou ainda Julio Evola, e transmite aqui e na sua já vasta obra uma compreensão e visão profunda metafísica, espiritual e geo-estratégica do devir da Rússia, da Europa e até da Humanidade, nomeadamente pela sua defesa e valorização da multipolaridade que o BRICS vai concretizando, sob a liderança da China, da Rússia, da África do Sul, do Brasil e do Irão...

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