Embora a palavra espírito tenha uma pluridimensionalidade de sentidos, que deveríamos conhecer melhor, sobretudo se consideramos que ele é seja a nossa identidade seja a terceira pessoa da Trindade, seja o espírito universal, seja a força vital ou sopro animante cósmico e humano, podemos aproximar-nos dele segundo o Cristianismo e admitir, seguindo os relatos evangélicos, que consciencializado, soprado, infundido ou despertado (e é bem complexo discernir o melhor verbo a ser usado) o Espírito, santo e divino, nos primeiros discípulos de Jesus, operada depois a espectacular manifestação ígnea no Pentecostes grupal, nunca mais o mistério do Espírito ou do Espírito Santo deixou de desafiar milhões e milhões de cristãos que, por vários modos ou razões, tomaram conhecimento tanto desse conceito, pessoa ou energia como de tais acontecimentos que, em belas imagens e ferventes invocações ou orações, foram tão trabalhados por artistas e religiosos ao longo dos séculos.
Se no Cristianismo houve uma efervescência grande inicial religiosa entusiástica, que as cartas de S. Paulo dão testemunho, do encher-se do espírito e obrar maravilhas, cedo essa possível irrupção do espírito libertador, ou de estados psico-somáticos mais libertos da modorra do ritualismo, do convencionalismo, do judaísmo, ou se quisermos ainda que permitiam melhor acesso ao espírito e ao divino, e que davam energia e voz impactante aos crentes reunidos nas primeiras assembleias, cedo tal despertar começou a ser visto em certos aspectos como perigoso e por isso necessitando de ser controlado ou mesmo reprimido por uma crescente estruturação tanto hierárquica como funcional e dogmática, proveniente dos apóstolos e seus sucessores dirigentes das pequenas igrejas que se formavam, os quais, por razões compreensíveis, tiveram de controlar tais dons, de certo modo tendendo a reservá-los para si ou para a sua jurisdição e controle.
Quanto à estruturação ou mesmo acentuada afunilização dogmática do mistério do Espírito santo, ela foi-se fazendo através de sucessivos concílios que, melhor ou pior, isto é, mais verídica ou inveridicamente, criaram uma unidade doutrinal que foi resistindo, por vezes mais violentamente, face ao que se convencionou chamar como heresias, mas de tal forma que não poderemos dizer se a Igreja se aproximou mais do Espírito ou se os fiéis puderam experimentalmente conhecer melhor o Espírito com tais definições e dogmatizações, ou mesmo, especulando-se, se o Espírito se sentiu mais ou menos configurado ou desfigurado por tais narrativas e dogmatizações. Quantas pessoas sabem o que é o espírito individual, ou conhecem ou sentem mesmo o Espírito santo, sem ser por imaginação ou por crença no que aprenderam?
Certamente houve grandes diálogos e disputas e houve bons contributos nos milhares e milhares de livros que se foram escrevendo sobre esse tão infixável ou indefínivel Espírito Santo, mas que acabou por ficar lata e abrangentemente caracterizado ou definido como o amor que liga o Pai e o Filho, e que portanto o Pai e o Filho podem transmitir a quem quiserem ou a quem o merecer.
Talvez
a expressão “inspirados pelo Espírito”, por uma força divina,
ou então pelo Pai e Filho que se amam e adoram, será o que de mais
prático e compreensivo terá ficado, com aplicação na criatividade nomeadamente literária ou paranética, para além dos sete dons do
Espírito santo, estes uma boa forma catequética de se estimularem
as pessoas a desenvolverem um espírito bom, ou a manifestarem o
espírito divino que está neles pelas virtudes, ou, mais
passivamente, de se abrirem ou receberem esse dom, essa inspiração
e acção do Espírito, divino, individual ou universal.
O que ficará ainda de mais visível, a par da invocação do espírito feita nas missas e em alguma orações, e porque o subtil, o religioso, o sagrado incorporam-se mais facilmente no corpo e na vida das pessoas em momentos de maior emoção e alegria, serão sem dúvida as celebrações do Pentecostes e as festividades do Espírito santo, no fundo invocações e manifestações da presença e dos dons divinos e que se estabelecerão como devoções e cultos do Espírito santo na história do Cristianismo desde os séculos VIII.
E hoje, Domingo de Pentecostes, já no século XXI, quantas pessoas conseguiram invocar ou meditar e sentir ou contemplar o Espírito, seja o seu, seja o Espírito santo, terceira Pessoa da Trindade?
E quantas pessoas conseguiram participar seja em missas vivas e invocadoras do Cristo e do Espírito Santo, ou das nossas tradicionais festas do Divino Espírito, celebradas sobretudo nos Açores e Brasil?
Pois então, medite, ore, invoque, contemple e incarne mais o Espírito nestes dias...
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