domingo, 12 de maio de 2024

Princesa Santa Joana. Convento de Jesus, em Aveiro. Algumas interrogações no 534º aniversário da sua desincarnação

A vida psico-espiritual da princesa Santa Joana contém ainda mistérios que só por grande investigação e intuição conseguiremos clarificar e iluminar:
Quando começou  verdadeiramente e não hagiograficamente a sua capacidade ou mesmo vocação  religiosa a afirmar-se? Quais foram as influências e factores determinantes?  Como caracterizar a sua religiosidade? Como discernir o que era espontâneo, tendência própria, ou pressão do exterior e imitação de exemplos de santas, nomeadamente da rainha Santa Isabel, como ela recolhida vários anos como soror no mosteiro de Santa Clara, em Coimbra?
Dois cronistas contam que ela até aos 15 ou 16 anos, e nascera a 6 de Fevereiro de 1452, manifestara as suas afectividades ou paixões; Rui de Pina diz mesmo que se dava ao luxo e ao esbanjamento. Contudo, aos 20 anos, a 4 de Agosto de 1472, deixou a corte e entrou no convento de Jesus, em Aveiro, de freiras dominicanas, fundado em 1461, e que a acolheu não como soror professa, mas como infanta religiosa, retirada do mundo.
                                     
 A morte da sua mãe, a rainha D. Isabel de Lencastre, com 23 anos, mulher de D. Afonso V, quando ela tinha apenas três anos, certamente traumatizante, pode ter contribuído para a sua via religiosa e paixão.
Quem fez de mãe foi a sua tia Filipa, mais velha quinze anos, pessoa muito culta e que desenvolverá na sobrinha os estudos precoces de gramática e latim, bem como as práticas religiosas, embora o rei D. Afonso V tivesse passado todo o séquito ou corte da sua mulher falecida, para a filha, num total de quase trinta pessoas.
Esta tia Filipa, tal como Isabel, a mãe de Joana, filha do infante D. Pedro, certamente lhe falou da tragédia de Alfarrobeira.
Terá essa tragédia influenciado na renúncia ao mundo e à corte? Ou será que ela era incómoda na corte, e por isso o rei D. Afonso V a impulsionava a partir para o mosteiro?
Sentia-se ela mais ligada à mãe D. Isabel e ao infante seu avô, de que por exemplo, o seu irmão, o qual se sentiria mais ligado ao pai D. Afonso V, ou também este sentia o mal de terem morto o avô infante D. Pedro, desocultando-o ao fazer mais tarde justiça pelas suas mãos, já como rei D. João II, ao matar o chefe da casa de Bragança, a principal motora da morte trágica na batalha de Alfarrobeira do infante D. Pedro das Sete Partidas?
Quando ela escolheu a coroa de espinhos como sua divisa ou emblema, poderá haver uma assunção não só da paixão de Jesus, mas também da própria paixão do infante D. Pedro, de quem recebera, via a filha dele e sua mãe,  um espinho da coroa de Jesus, relíquia muito venerada e que só recentemente desapareceu, embora conservando-se uma fotografia? 
 E a sua mãe D. Isabel, que morre aos vinte e três, quando Joana tinha só três e pouco e o seu irmão D. João sete meses apenas, como conseguiu ela, com que sofrimento, ter relações e gerar três filhos do seu marido,  o rei D. Afonso V, que mandara matar o infante D. Pedro, seu pai?
Que repugnância não devia sentir Isabel por tal ser e rei cruel, embora o seu amor por Portugal e sentido de Estado a fizesse orar fortemente para ter filhos, como se descreve beatamente no famoso Memorial da vida de santa Joana escrito por uma sua companheira do mosteiro, Margarida Pinheiro?
Que repulsão à vida marital e à corte não terá transmitido ela à filha?
Que desejo de morrer não se gerou na princesa Joana, que desencarnará assim aos 38 anos, em 12 de Maio de 1490, estando sepultado o seu corpo (num túmulo belíssimo em mármores incrustados e coloridos, ao estilo italiano da pietra dura, do arquitecto régio João Antunes) no mosteiro onde viveu, e tornando-se desde 1693 santa e podendo logo ser mais venerada e rezada, e logo abençoadora e inspiradora.
O ascetismo violento sobre seu corpo era uma repulsa da própria humanidade, desiludida tão fortemente? Visava purificar-se? Visava diminuir as culpas ou penas dos familiares ou de almas no purgatório? E por quem, além de se sacrificar e disciplinar, pediria ou rezaria mais? Seriam sua mãe, seu pais, seus avós, seu irmão e rei, pelo reino, pela comunidade?
Será que S. Joana estava também a querer dar uma lição aos seus contemporâneos e suas vaidades? 
Quando teve as suas primeiras visões da Paixão de Jesus, qual era a génese principal delas?
 A sua vida individual e da família, ou a sua intensa vivência de tal momento crucial da vida de Jesus? 
 Ou mesmo uma descida de forças psico-espirituais com essas características, talvez para a irem preparando para uma doença muito dolorosa, desgastante, ardendo de febre, sem poder beber água e com feridas diversas no corpo?
E teria ela pedido esse sofrimento em vida, como tantas outras freiras ou sorores pediam, para partilhar o sofrimento de Jesus e para diminuir o mal no mundo, além do redimir pecados de família?
Tornara ela abnegadamente a sua vida  um processo alquímico da via seca, directa, dolorosa para chegar a uma renúncia plena do corpo, do ego, da vida, como alcançou ao longo da sua curta e abnegada vida e foi ratificado ou demonstrado plenamente na doença da morte e ainda confirmada por milagres que rapidamente lhe foram atribuídos?
No séc. XXI, o que nos ensina esta beata portuguesa, que sacrificou a sua beleza e felicidade fácil a uma vida de humilhação ou humildade, renúncia e sofrimento?
A sermos talvez um bocadinho mais ascetas, e limpos no eu, receptivos ao que vier de meditação e visão do mundo espiritual. E  proporcionarmos ao corpo as condições para que ele não seja um estorvo mas antes um impulsionador da nossa realização individual e espiritual.
E desenvolvermos algumas qualidades que lhe foram reconhecidas no Memorial da Infanta Santa Joana: «a muito santa vida, o amor divinal [isto é, a aspiração amorosa à Divindade, e ao seu Logos e Cristo, ou ainda amor divino em nós, o amor à Presença Divina], fervente caridade e profunda humildade, pura e inteira castidade», saber exercer a prudência, conseguir discernir os espíritos e profetizar, e saber morrer bem ou santamente, no amor divinal!

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