terça-feira, 11 de janeiro de 2022

"O Ser Humano após a Morte". 1ª parte, por Paul Masson-Oursel. Traduzido e comentado, e com vídeo, por Pedro Teixeira da Mota.

L'Homme aprés la Mort, O Ser humano após a Morte, é o título de uma obra colectiva publicada nas Éditions Montaigne, Paris,  em 1926, e na qual colaboraram dezassete pensadores, embora o coordenador Fernand Divoire no prefácio tenha ainda referido quinze nomes que por uma razão ou outra acabaram por não participar, dos quais se destacam Maurice Blondel (por questões de saúde), Chesterton («extremamente ocupado»), Chestov («a questão posta é muito delicada e complexa») e G. Wells ( põe-me uma grande questão»)... 

Das dezassete colaborações destacam-se a do prof. Ehrhardt, teólogo protestante, com uma boa tentativa de leitura espiritual das visões cristãs do além, rejeitando a concepção materialista da ressurreição dos corpos carnais, o breve e intenso texto metafísico de Nicolas Berdiaev e os extensos textos teosóficos de B. P. Wadia e de Eduard Caslant, embora certamente outros haja também valiosos. Seleccionei  Paul Masson-Oursel (5-IX-1882 a 18-III-1956), por o conhecer há já algum tempo, por ser um valioso e pioneiro comparativista das religiões, um orientalista com bons conhecimentos linguísticos e filosóficos, e por a amiga Ana Salema ter aberto um portal dedicado a ele, onde recenseou e digitalizou centenas de documentos, livros, artigos. 

Como têm morrido recentemente algumas pessoas directa e indirectamente conhecidas, como refiro na gravação, tendo o livro, resolvi ler o texto e simultaneamente traduzir, comentar,  gravando, em três vezes, das quais partilho neste espaço do blogue a 1ª delas, onde Paul Masson-Oursel refere brevemente a visão judaico-cristã e a da Grécia e detém-se um pouco no Egipto e na China, entrando finalmente na Índia, a civilização e filosofia que conhecia mais profundamente.

Destaquemos dois momentos do texto e gravação, o 1º quando diz: «Os mistérios helénicos, como os mistérios egípcios, visavam imortalizar o indivíduo por ritos [e ensinamentos, iniciáticos]; mas os Cristãos, herdeiros do teocracismo judaico, fizeram depender do arbítrio divino a sorte dos seres humanos; eles deram tanta importância[ao ser humano]  que aos olhos deles não era demasiado uma criação especial para explicar a sua chegada ao ser com o nascimento, nem uma duração sem fim para retribuir as acções realizadas durante esta vida. Brotando de uma seita que esperava com muita brevidade o fim do mundo, é certo que o Cristianismo admite um julgamento último com a ressurreição dos corpos, mas não vê nisso senão uma selecção de diversos valores humanos, sem fazer resultar a persistência ou o desaparecimento das almas criadas. O Islão trouxe uma nova afirmação da dependência absoluta em que se encontra a criatura perante o criador».  Vemos assim Masson-Oursel desvalorizar de certo modo o exagero de um absolutismo e determinismo Divino sobre o ser humano...

O segundo, quando refere o valor de harmonização do microcosmo com o macrocosmo realizado na China, não só pelo Imperador mas pelas práticas populares ou «procedimentos empíricos, tais os do Taoístas: cumprir ritos, certamente, e sobretudo aqueles que sustentam ou nutrem a vida universal, através da alternância os dois princípios antitéticos, o yang masculino e quente, o yin feminino e frio; mas também economizar, mesmo capitalizar a vida do Filho do Céu; fazer que os seus sopros vitais [chi, prana] sejam conservados o mais longamente possível por uma ginástica respiratória apropriada, que o harmonizam ao Tao [Ordem cósmica] universal; e obter por uma droga ou preparado alquímico o indefinido prolongamento da existência. Aqui nenhum monopólio real da imortalidade; cada um pode recorrer a ritos, à ascese, a preparações mercuriais para prolongar a sua vida [e desenvolver luminosamente a sua alma], e correr o risco de aceder às Ilhas Bem-aventuradas».

Anote-se que entre nós subsistem alguns textos medievais alcobacenses, com raízes célticas, que falam dessas viagens imaginárias  ou astrais pelos mares até às ilhas misteriosas ou paradisíacas, e que a notável escritora portuense Dalila Pereira da Costa estudou algumas delas, tal a Visão de Tundâlo, o Conto do Amaro, e a Viagem de S. Brandão, em especial numa das suas melhores obras Dos Mundos Contíguos. Todavia, chegar ou passar por tal não é um risco, mas algo que todos devemos querer, já que elas significam não apenas a imaginação de paraísos que compensam a violência egoísta, mas a sobrevivência no além, e sobretudo a entrada consciente e interactiva em níveis subtis harmoniosos do Universo quando deixarmos o corpo físico. E para isso as práticas taoístas e indianas, de respirações e concentrações meditativas ou contemplativas, que encontramos também nos místicos cristãos e islâmicos, são essenciais... Boas orações e meditações imortalizantes, nomeadamente para os espíritos amigos partidos nestes dias, em especial o pai do Nuno e o Manuel Afonso, mestre do Gerês...

                         

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