sábado, 24 de abril de 2021

Das relações dos seres humanos em si, com os outros e no Cosmos multidimensional.

                                            

Cada ser é único, irrepetível, em si e na sua inserção interactiva no Cosmos multidimensional.

 Cada parte de si mesmo influencia e é influenciada por todas as outras partes de si e de muitas dos outros, ainda que tão subtilmente ou minimamente que pouquíssimos seres estão conscientes das múltiplas interacções constantes não só ao nível físico mas também energético e psíquico, espiritual: quantos raios e correntes circulam..

Há partes e órgãos no ser humano mais importantes na constituição do ser interactivo, de tal modo que as pessoas se identificam a elas, pois  qualificam ou caracterizam bastante uma pessoa. A cabeça-pensar e o coração-sentir são dois dos centros energéticos mais sensíveis e determinantes na psicologia das pessoas: a sua capacidade e necessidade de pensar e compreender e a sua capacidade e necessidade de sentir e de amar. 

Quem consegue regular harmoniozamente estes dois níveis, nas suas interactividades, tem mais possibilidades de agir bem, de estar bem, de ser bom e verdadeiro, e logo gerar beleza.

As qualidades psíquicas que o coração e  a cabeça desenvolvem estão  bastante ligadas aos cinco sentidos pois estes são as portas principais para o  exterior e assim certos  órgãos e centros como  o nariz, a boca, o sexo, o ventre, a cabeça, as orelhas, as mãos e os pés estão constantemente interagindo com o compreender e o amar e são alteradas pelo que fazemos com eles, originando efeitos modeladores ou psico-mórficos, pois tanto a psique (ou alma coração-cabeça) influencia a morfologia ou forma corporal, como vice-versa. Pouca gente se consciencializa muito de tal e toma mais a peito o esculpir-se a si próprio, ou mesmo o saber ler a fisionomia dos seres e o que certos traços mais salientes revelam dos seus hábitos e gostos, características e capacidades.

Na realidade, a forma, o modo e a intensidade com que vivemos cada um dos cinco  sentidos repercute-se física e energeticamente nos órgãos que lhe estão ligados; e por sua vez o corpo no seu todo vai reflectir os estados e actividades desses  órgãos. De igual modo física, energética e subtilmente os sentimentos e as emoções modelam os corpo subtis e físicos: quem tem bons sentimentos e cultiva a boas emoções, esse ser gera corpos e estados energétcos mais harmoniosos, físicos e subtis, estes vulgarmente incluídos no termo vago de alma.

Mas também importante ainda são os instintos mais activos ou desenvolvidos pois devemos saber vivê-los harmoniosamente, isto é integradamente, generosamente, amorosamente, sabiamente, tanto mais que eles influenciam muito os órgãos e o tónus da nossa vida. Como os orientamos, como se manifestam sub-conscientemente e nos sonhos, que ilações e actuações devemos encetar, são questões que nos desafiam constantemente e por vezes de modos que nos escapam. Daí que a observação ou registo dos sonhos ou das meditações e intuições é bem importante de se realizar para nos apercebermos de quem somos e estamos constituídos, onde estamos, o que desejamos, o que valemos e para onde nos encaminhamos.

Na realidade, cada ser está numa estrada que é a sua vida, e em inter-relação multidimensional, embora  poucas pessoas discirnam e se vejam a  percorrer um caminho, isto devido tanto à intensidade ou premência do presente e da visão curto prazo que as domina, como pela diversidade de circunstâncias que a compõem e finalmente pela falta de visão de cima sobre nós próprios pela qual se vê que dia, semana, mês após mês, essa pessoa avançou ou recuou, peregrinou, caminhou, seja em relação a certas metas ou objectivos, seja  nos relacionamentos humanos, na qualidade e profundidade das suas relações com outros seres, seja pessoas de família, seja amiga(o)s, seja já seres em estados subtis de existência, tais como antepassados, guias, mestres, anjos e, finalmente, o Ser Divino nas suas faces...

Na realidade diária a pessoa enfraquece ou fortalece esta ou aquela relação ou amizade, caminha nesta e naquela direcção, seja de cumprir uma tarefa, seja de satisfazer certos desejos e metas, algumas delas mais interiores, tais como as que são as suas crenças, devoções e aspirações. Mas também há  avanços, amadurecimentos, recuos no ainda mais interior e subtil nível, que são os seus sonhos, ou mesmo as suas intuições e visões... 

Mas quem consegue estar atento e bem consciente do percurso já realizado, das forças desenvolvidas, dos campos a que já se poderia ter acesso, e trabalha neles, para não se dispersar nem deixar enfraquecer qualidades ou capacidades, e para no fundo fortificar a sua realização individual e espiritual, esta já em função do Todo?

 Não é fácil de facto as pessoas aprofundarem as suas linhas mais próprias de energias anímicas e de realização, tanto mais que à sua volta existem muitas forças ou seres, seja  em conflitos ou com atracções ou propostas para a envolverem, ou mesmo apenas para distraírem e desviarem, por vezes sem sequer as pessoas aperceberem-se que estão a ser joguetes de forças colectivas supra-pessoais que vivem, proliferam ou enriquecem à custa de não haver pessoas mais lúcidas e determinadas sociologicamente e   espiritualmente. Ora a sociedade de consumo em que vivemos caracteriza-se por essa oferta constante de distracções, de novos estímulos à curiosidade, de manipulações e brainwashs, por vezes em certos momentos tornando-se mesmo dramática a tentativa de influenciar e manipular nas pessoas, como os governos e meios de comunicação, em geral já hoje completamente vendidos ou arregimentados, tanto abusam.

Uma pessoa não se dispersar dos seus propósitos torna-se então muito difícil. Há quem se agarre aos pequenos propósitos, a pequenas tarefas diárias ou pontuais, outros às suas cartilhas políticas, filosóficas ou religiosas, mesmo estas todas elas em queda à excepção de certos baixos astrais de grupos pseudo-evangélicos, mas discernir o que é verdadeiramente mais importante e perene pode escapar a muitos, mesmo que pensem que estão a fazer o bem e acreditam numa ideia de Deus que receberam exteriormente. 

Ora nestes níveis não podemos entregar-nos a qualquer fera feita pastor, nem tornar-nos cegos conduzidos por cegos ou meio cegos e temos mesmo que por nós próprios, lendo, dialogando e meditando, obtermos as nossas vivências e gnoses. 

Para isso todos os dias devemos recuperar tanto o nosso coração e sentir puro, transparente e original, unitivo, connosco e com os outros e a Natureza, como também a mente pura, calma, silenciosa, observadora, isto mais se obtendo ou recuperando ao observar a respiração, ao concentrar-se interiormente e ao meditar. 

Para quem não consegue fazer mais facilmente o silêncio, recomenda-se apenas rezar ou usar alguns mantras para prender o macaquinho da mente numa corda, e gerar com essa qualidade uma intensificação qualitativa vibratória valiosa, que depois no fim é já portadora de ressurreição do coração e do Amor. E mesmo mais simples ainda para os ocidentais pode ser o dedilhar da oração Pai Nosso, ou mesmo só a petição Seja feita a vossa Vontade, assim na terra como no céu. Ou até só a palavra de entrega e adesão: Amen, correspondente ao Aum indiano e ao Amin islâmico.

Se não fizermos tais práticas  arriscamos a que forças que nos rodeiam ou que com que nos interrelacionamos frequentemente perturbem a paz de alma e criem sombras, inquietações e dúvidas, fazendo assim esfumar-se a serenidade e logo a capacidade de se sintonizar e abrir as janelas ao espírito, aos mestres e a Deus. Com isto não nos realizamos tanto na Terra  e chegaremos à hora da morte desprovidos de forças espirituais assimiladas para entrarmos conscientes no além


O invocar-se o mestre, o anjo, uma face divina é fundamental. Certos tipos de esoterismos, new age e espiritualidades que negam a individualidade, os mestres, a Divindade são perigosos. Temos de sintonizar, sentir ou ver tais realidades dentro de nós, algo certamente difícil e para o qual a devoção amorosa e o apelo ou invocação perseverante são fundamentais: Om sri Gurabe namah, Saudações ao mestre, cantam os indianos... Ou Deus nasce mais em nós, diremos nós...

Para conseguirmos estes momentos de alinhamento e interiorização temos de resistir  às tentações e curiosidades dispersantes, as seduções e desejos que nos fazem sair constantemente nós e que nos  afastam de sentir as ligações verticais interiores..

Na realidade, as pessoas não tem muita consciência dos efeitos de uns sobre os outros causados pelos encontros e as conversas, mesmo que seja pelas redes sociais ou os whatsaps, em certos casos as pessoas vivendo mesmo bombardeadas e apanhadas nessa roda viva de mensagens e notícias, frequentemente inúteis, superficiais ou mesmo nocivas.

Assim podemos conversar com uma pessoa uma hora ou duas e mesmo sobre temáticas espirituais e subitamente ficarmos com uma dor de cabeça grande durante horas porque captámos as energias psíquicas da outra pessoa e as oscilações vibratórias que ela tem. Cada pessoa tem a sua oscilação própria e há algumas que são muito dessincronizadas connosco e devemos estar atentos à nossa capacidade de adaptação.  Há então que meditar, silenciar, invocar as bênçãos do alto logo que por fim se está só, ou em casa, por vezes sendo mesmo necessário regar-nos mesmo com uma chuveirada higiénica e purificadora, e colorida subtilmente, gratamente.

Intuirmos quais as pessoas com quem deveríamos trabalhar mais e agir nesse sentido é sempre uma arte óptima embora difícil, sejam elas pessoas amigas sejam já dos níveis subtis e espirituais do Universo.

Medite e ore então com mais frequência, mesmo que seja por pouco tempo, e harmonize-se e receba as intuições e a visão de cima para um seu peregrinar melhor aqui na Terra e que ajuda o amor, a sabedoria, a justiça e o bem na Humanidade, em Gaia e no Cosmos.


As três pinturas são do livro Welten, ou em português Mundos, de Bô Yin Râ.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

O Livro Divino, o Livro do Amor Libertador, O Livro da Verdade e da Realidade... Dia do Livro de 2021.

Escrito manualmente no dia do Livro de 2021, entre as 19:20 e as 19:58, e abençoado a meio por um forte arco-íris, duradouro, assinalado no texto. Espero transcrevê-lo rapidamente para quem não o conseguir ler. Com breve vídeo, de 56 segundos, do arco-íris no fim...

Boas leituras e assimilações, e luminoso despertar anímico-espiritual, com este livro bem especial, dedicado a si e ao Si...

                                                      

Entrando no interior dos livros estamos a entrar em nós próprios, nos seus autores e também na alma do Universo, na demanda do Livro Primordial, aquele que primeiro se formou na alma-espírito do Ser 
Divino e que Dele emanou para os primeiros espíritos gerados, que foram depois escrevendo a história da manifestação, a qual os livros de História, Religião e Filosofia tentam abarcar.
Mas como intuir a explosão solar de mil sons e mil letras que brotaram do Amor divino que se quis manifestar nos espíritos e almas, seres, palavras, letras, ideias e ideais, livros sem fim que chegam hoje até nós neste último, que eu e tu criamos aqui e agora?

A escrita é sempre um acto de invocação e evocação mágica, de tentarmos trazer ao papel e à nossa consciência na terra o que se passa em níveis subtis.

O livro que se quer divino tem obrigatoriamente de nascer de uma grande chama de aspiração e amor, para que as bênçãos divinas possam descer sobre quem o escreve, e passarem pela sua mão ou mãos, e depositarem-se não só no papel mas no infinito mundo de inter-relações que se vão originar de tal acto mágico, sacralizante e invocante do mais elevado, eterno e divino em nós: O Espírito. *

 
Este livro contém, invoca, transmite o Espírito Divino, o Ser Primordial, a força do Amor viva e actuante.
Paro, Oro. Ergo as mãos. Invoco a Divindade e Ela... manifesta-se no arco-íris que subitamente esplende no céu e nas nuvens, atravessa o vidro e fere-me os olhos; e me faz erguer para ele me dirigir e expor, e assim receber o ouro alquímico das suas cores que se derramam pela aura, as mãos, as letras, as palavras, o papel, as nossas almas e corações... Assim o Livro sagrado é cósmico, comungou da união do Céu e da Terra, rejubilou no arco-íris.


Felizes dos livros que são gerados no forno alquímico, no athanor da alma espiritual e que aspira a Deus, ao Amor, ao Bem e que vê entre as nuvens formar-se ora o arco-íris ora a estrela do espírito, e que assim o abençoa, e incarna mais nela e se avatariza.
Assim o livro é investido pelo vento, as nuvens, pelo arco-íris, pelas aves (gaivotas e andorinhas...), pelo amor que alguns seres partilham mais connosco e que estão presentes na redacção mágica de um livro, que é de Deus e das suas faces femininas, como Hygeia, como a Amaterasu, ou a Fatimah, ou Maria, ou todas as almas amigas que mais nos apreciam e impulsionam o livro na sua dimensão de comunhão de grupo de almas afins.
                                                    
 Encerrar num livrinho todos os segredos do Caminho que gostaríamos de transmitir e realizar entre nós, entre mim e ti, é um desafio imenso: implica que sempre que lemos estas palavras e frases estamos a tentar despertar o nosso ser espiritual e assumimos as suas melhores qualidades e assim vencendo todos os obstáculos, medos e negatividades, irmos manifestando mais o bem, o amor, a sabedoria, o corpo místico da humanidade, a fraternidade e a ecologia salvíficas.
A folha dobrada em oito páginas, o in-8º da descrição de um livro, vai comprimindo o Verbo, o Logos, o Sermo que aqui se pronuncia. Ergo então a memória viva ou de cor (coração)  de algumas pessoas ou seres que mais amo, que mais me tocam e espero que este Amor Divino que nos une abra também mais o teu ser e coração à Divindade, que em ti deve manifestar-se, e que tanto beatifica e harmoniza. »

                                        

                                        
Segue-se, no pequeno vídeo, o Livro exposto aos raios do Sol do arco-íris e do Logos....
                                                                 
                                                          
Possamos nós diariamente expor-nos ou abrir-nos por algum tempo, e em aspiração espiritual, aos raios e correntes de Amor, Sabedoria e Força Divina....
Veja o vídeo de um minuto em: https://youtu.be/5wwsBr9GVhs

Dia Mundial do Livro, 2021. Pequena reflexão e um improviso frente a uma estante repleta de livros...

Nestes tempos de crescente digitalização da vida os livros representam sem dúvida uma das mais lídimas frentes da batalha pela preservação das melhores qualidades da Humanidade, pois são certamente o invento mais importante, logo a seguir aos alfabetos e escritas, enquanto fomentador e preservador do conhecimento, e assim por eles resistimos e avançamos, aos ombros dos que nos antecederam, face a todos charcos em que nos querem atolar.

Comemorarmos o dia Mundial do Livro com algumas formas de culto aos livros, à escrita, aos pensamentos e ideias que melhor possam inspirar os seres na suas peregrinas vidas terrenas é uma obrigação moral, sobretudo para os que mais amam os livros, que os escrevem ou lêem ou que mesmo trabalham com eles, como tem sido o caso de algum de nós mais particularmente.
Todavia, todo o ser em sua vida, é um gerador de amor, de beleza, de sabedoria, de bondade e que o fez, disse, pensou e sentiu de um modo ou outro mais valioso foi escrito e fica no Cosmos nesse grande Livro subtil e divino das vidas humanas.
Sabermos, para além do agir e viver, escrever mesmo, seja em diário, apontamentos, artigos ou livro, melhor, pois enriquecemos o património mundial e passamos aos vindouros algo da chama ardente dos nossos amores e ideais, e assim vamos mantendo um tradição espiritual viva, benéfica e contribuindo para que o planeta e a humanidade não sejam muito destruídos pelos diversos egoísmos, ganâncias, ódios, fanatismos e imperialismos.
O acto de escrever, ou de ler, diariamente, algo com valor é uma obrigação nossa seja para o nosso ser mais profundo, seja para os nossos antepassados e mestres, que aspiram a que os seus testamentos sejam cumpridos ou continuados por nós, e até para a Divindade, fonte primordial de toda a Luz e que tanto se consubstancia nos livros, ainda que subtilmente para o leitor menos atento e sensível.
Frequentar bibliotecas se possível ou termos algumas estantes, ou que seja, apenas prateleiras, com os livros que mais gostamos ou que sentimos que são bons e valiosos sobre certos temas, ou cujos autores e suas vidas e ensinamentos investigamos ou mais ressoam connosco, é também um dever ético e espiritual de cada um de nós que não quer ser apenas um ser manipulado e consumidor, um número controlado pela máquina do Estado, mas um ser criativo e no caminho de vida eterna luminosa.
Sendo hoje o dia Mundial do Livro de 2021, quando o soube ao meio dia, através da Fátima Mateus Ramos, e depois pela Cristina Ferreira, decidi gravar um pequeno improviso, que ficou de cinco minutos (por um telefonema...), diante de uma estante e dos seus livros e autores representados, e que encontrará no fim. Revi depois alguns artigos do blogue escritos no ano passado sobre os livros, e entre as sete pouco e as oito escrevi um livrinho manual de oito páginas, a dado momento às cores do arco-íris, que partilharei brevemente.

Possa o amor aos livros e à sua sabedoria, e logo à biblioterapia, manter-se sempre ou mesmo crescer naqueles que mais os amam, protegem, cultuam e partilham. E neste sentido vão os agradecimentos da ordem do Universo, e da Divindade a todos os escritores e leitores, tipógrafos e encadernadores, designers  e ilustradores, livreiros e alfarrabistas, compradores e vendedores, aos que os oferecem e os que sendo autores os dedicam, aos bibliotecários e catalogadores, aos bibliófilos e amigos dos livros, às poetisas e às narradoras de histórias, a quem nos ensinou a ler ou ainda hoje ensina...

 Um novo ano com belos e valiosos livros e leituras, investigações e descobertas, escritas e partilhas, para que nós e a Humanidade e o Planeta melhorem...

                         

quarta-feira, 21 de abril de 2021

"Apologia da Árvore", por Guilherme Felgueiras. Palestra no Dia da Árvore em 1917, em Cortegana.

APOLOGIA DA ÁRVORE, por Guilherme Felgueiras, Agricultor Diplomado e Regente Florestal. Trecho duma palestra realizada na Cortegana – Arbor Day - 1913, e impresso em 1917 na Tipografia Sequeira, Porto, é uma obra muito bela e que revela notáveis conhecimentos do que mundialmente se fazia com as árvores, e com indicações, quem sabe, que nos motivarão a certos trabalhos com elas. Destinada a crianças e jovens, está numa linguagem simples que dispensa comentários, embora com termos hoje já raros. Li-a há uns meses a um sábio do Gerês transmontano, o Manuel Afonso, de Sirvozelo, já nos seus oitenta anos e que apreciou e confirmou  alguns dos costumes etnográficos referidos por Luís Guilherme Felgueiras. Esta seria a parte que mais se poderia aprofundar em comparativismos etnográficos valiosos, mas fica para outros ou para outra vez. Realcemos apenas o conhecimento amplo por parte de Guilherme Felgueiras do importante papel que as árvores e os espíritos da natureza (embora não mencione as dríades) tiveram nas religiões antigas e como ainda hoje se conservam em alguns aspectos ou tradições delas, e destacaríamos o Shinto, e como tantos dos melhores escritores testemunharam o seu amor ou culto das árvores.

Avancemos então no amor às árvores, algo tão necessário face à moda arboricida e descartável que alguns presidentes de Câmaras e de Juntas de Freguesias têm intensificado em Portugal, em especial nas grandes cidades, algo que alguns grupos no Facebook denunciam infrutiferamente quase diariamente, ou propõe reflorestações e alternativas agro-biológicas, tais como a Plataforma em Defesa das Árvores,  Alvorecer Florestal e o Montado do Freixo do Meio.

Foi dedicada "A meu querido pai e meu santo amigo". E numa bela letra manuscrita a tinta azul-violeta, no exemplar que a amiga Cláudia Lopes graciosamente transcreveu, lemos a dedicatória ao escritor e amante da  Natureza,  Mário Kol de Alvarenga (1892-1967):


* Breves noções históricas sobre a árvore; seu papel nas práticas religiosas; seu valor e propriedades. A lã, o leite e o marfim vegetais. A árvore julgada por notabilidades literárias. 

«Coube à árvore, desde a infância dos tempos, uma missão generosa e divina. Quando o homem, ingénito aventureiro, se arriscou a pastorear os bucólicos rebanhos e a agricultar os terrenos maninhos, tornando-os fecundos, foram as árvores, cheias de pompa e fragância, que lhe indicaram, num doce sorriso de irmãs, a quadra propícia para a oportunidade dos amanhos: na primavera toucando-se de flores, no estio e no outono cobrindo-se de frutos, no inverno despojando-se de folhas que, ao cair, são «lágrimas das árvores em reza». (Garcia Pulido.)

As árvores constituíram objecto de veneração dos povos primitivos e tiveram um papel preponderante nas práticas religiosas. Os Faunos e Silvanos foram os primeiros ídolos de nossos avós, os bosques espessos e maciços escusos seus primitivos templos, como assevera a mitologia e Plínio o constatou nesta frase substanciosa: «Hœc fuere numinum templa» [Estes foram os templos dos numens ou deuses]. O carvalho era consagrado a Júpiter, o loureiro a Apolo, a oliveira a Minerva, o pinheiro a Pan, Demeter, Artémis e Cybele. 


                                              'Orpheus' by Jan Brueghel (I).JPG 

Segundo a lenda, Orfeu, personagem mitológica, arrancava da lira sons tão harmoniosos que, para ouvi-lo, as torrentes sofreavam as águas, as árvores desciam das montanhas alterosas e as feras acudiam ao tropel, selvagens, velozes, desenfreadas…; fascinados pelos seus cânticos, os homens trocaram a quietude das densas florestas, povoadas de mitos, pelo tumulto citadino onde progressivamente se elevaram pela ciência e pela civilização. 


A coroa que cingiu por demorados anos, nas escolas de medicina, a fronte dos doutorados, era feita de vergônteas de loureiro, guarnecidas dos seus frutos baciformes, como o confirmam os títulos de bacharel e bacharelado (bagas de louro, baccœ laureœ). As estátuas de Esculápio, deus da medicina, coroadas de loureiro e os ramos desta árvore colocados à porta dos enfermos, anunciavam a plena confiança que se tinha nas suas virtudes medicinais. Os ramos de louro e de carvalho, entrançados em coroa, ornavam entre os romanos a cabeça dos que se distinguiam (Garcia Pulido)  pelos seus feitos heróicos. Hoje, nestes tempos positivistas da telegrafia sem fios de Marconi, dos couraçados de Lome e da fotografia da palavra de Marage, o loureiro é querido pelas suas folhas condimentares e o emblema imaculado e transcendente foi-lhe desvirtuado, como o atestam aqueles satíricos versos da Morte de D. João:

« A coroa de loureiro, a coroa eterna
Que de Homero cingiu a larga fronte,
Vejo-a agora, nem sei como isto conte,
Pendente dos umbrais de uma taberna!»

Nossos errantes antepassados, hercúleos e sóbrios, divagavam pelas florestas, munidos de machados de sílex, gravando nas árvores patriarcais as suas imortais descobertas e buscando nas mesmas árvores o seu frugal alimento: frutos cor de oiro e cor de púrpura e pão grosseiro feito de landes de carvalho. Pernoitavam no côncavo das árvores e veneravam o altivo pinheiro, considerando os seus verticilos, como dóceis protectores das neves e desabridas ventanias. Ainda hoje perduram reminiscências deliciosas do culto primitivo e nas solenes festas do Natal não falta o pinheiro legendário, ajoujado de brinquedos hilariantes, onde os olhos da gárrula pequenada descansam elevados. Quando o Natal se avizinha, os lavradores mais devotos e opulentos das nossas rústicas aldeias sertanejas mandam cortar um ramo ao mais vigoroso pinheiro, que é solenemente posto sobre a lareira. Na tradicional e festiva noite de 24 de Dezembro, acende-se o ramo que rechina até alvorecer, guardando-se com devotado recato o que escapar das chamas, pois, segundo crêem os ingénuos camponeses, tem, além de outras miríficas propriedades e virtudes, o condão de os preservar dos raios.
Os gregos, que tudo foram em matéria de beleza, dignificaram a oliveira, convertendo-a em símbolo da sabedoria, da abundância e da paz; em alguns países os aldeãos, de costumes puros e simples, colhem ramos dessa árvore quando pressentem que o granizo lhes ameaça as culturas. Nos nossos bíblicos olivais nota-se, durante a faina da colheita da azeitona, um ressurgimento bárbaro, um regresso à animalidade, tal a maneira impiedosa como são açoitadas essas árvores de pacífica folhagem, a que o lírico [António Correia d'Oliveira] delicadíssimo do Coração das Árvores e do Pinheiro Exilado, notou «um ar compassivo de enfermeiras». 

Bem possuído das belezas do arvoredo, Fialho [de Almeida] escreveu aquela frase mística, cheia de candura evangélica: «se eu tivesse uma filha, ensinar-lhe-ia a ouvir a missa das florestas, e a pedir a bênção às árvores, como a velhos vovós»; e Junqueiro, cheio de fervor religioso, escreveu aquele trecho rutilante, velado de misticismo, a propósito dessa majestosa catedral de verdura, que se chama Buçaco: «…é uma floresta sagrada, espiritual. Paisagem para um santo, para uma grande alma contemplativa e cheia de amor: Beethoven ou S. Francisco de Assis». 
É justificável a aspiração de Tolstoi, o excelso pensador russo e sublime evangelizador, em desejar uma sepultura humilde, rodeada de árvores rumorosas, no retiro da sua propriedade de Isnaia Poliana; teve razão Alfred de Musset, em pedir em versos harmoniosos, um salgueiro de ramaria graciosamente pendente, debruçado na sua campa:

«Quand je mourrai, mas amis,
Plantez moi un saule au cemitière».

Petrarca, numa hora de preito e de saudade, plantou na sepultura de Virgílio, o doce épico latino, um loureiro simbólico e verdejante.
                                                                        * **
As árvores – essa glória da floresta – como as define o delicado autor da Via -Láctea, são sempre divinas, sempre amorosas, sempre sublimes…nas orlas dos parques, nos flancos das montanhas ou refrangindo-se nos arroios murmurantes.
As árvores têm arquitecturas delicadas e transcendentes. Parece que as suas viçosas frondes, onde as toutinegras derriçam, foram buriladas por artistas hábeis. Que airosidade nos meneios dos choupos, chamando-nos em acenos de carícia! Que altivez nas perfiladas silhuetas dos pinheiros, graves e bravios como uma lição heróica! Que sentimental poesia nas desgrenhadas ramarias dos salgueiros, verdes como lágrimas de ondinas!
As árvores são «criaturas de Deus» [Justino de Montalvão] e deveriam merecer-nos o mais enternecido amor neste ridente país de céu divino, de poentes esbatidos e de madrugadas rutilantes e virginais. É do adorável e dulcíssimo Michelet, este conceito sublime: «a árvore é semelhante à mulher: virgem em Abril, mãe no Estio, avozinha no Outono».
Ao contemplar as árvores, a alma lusa sente-se humilde, pois elas falam-lhe enternecidamente da grandeza do passado. O freixo, a árvore de Marte, era escolhido para construir as lanças de Ulisses, o prudente grego; de madeira se formaram as carcaças das altaneiras caravelas dos feitos gloriosos de Gil Eanes, Pêro de Alenquer, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Fernão de Magalhães.
As árvores acham-se povoadas de harmonias – música dos ninhos, murmúrio da folhagem, ramalhar das frondes – e têm contribuído, desde épocas remotas, para as longas hora de prazer espiritual que nos deleitam. Atribui-se a descoberta dos instrumentos músicos de sopro, ao sibilar do vento nos colmos perfurados dos densos canaviais que escoltam as margens do Nilo. As flautas primitivas eram de lódão, buxo ou formadas de traços de cana. Stradivarius escolheu uma variedade de abeto – abies pectinacta – para construir os seus feiticeiros e gemedores violinos, em que adquirem supremo enternecimento as suavíssimas composições de Beethoven e os inspirados trechos melódicos de Schubert.
Foi a árvore que, no final do século dezasseis, suscitou ao insigne sábio inglês Newton, a descoberta imutável das leis da atracção universal, a que o poeta alude nestes versos singelos e conceituosos:

«Nos livros há muita asneira,
Nos campos muita razão:
Caiu duma laranjeira
A lei da gravitação».

                                                                   * * *

Tudo se deve às árvores, a essas «verdes amigas» [Afonso Lopes de Oliveira]: a sombra discreta e consoladora, os frutos saborosos, o rústico arado romano, a grade, o carro que passa gemendo ao peso da carrada, o jugo, o poceiro das alegres vindimas, a nora gemedora…enfim, todo esse tema infindável da literatura bucólica e da pintura dos costumes.
Guerra Junqueiro, no seu livro Os Simples, exalta com razão um castanheiro venerando, nestes deliciosos versos, em que o bucolismo virgiliano transparece:

«Como não sentir um entranhado afecto,
Como não amá-lo com veneração,
Se lhe dera a trave que sustenta o tecto,
Se lhe dera o berço onde repousa o neto,
Se lhe dera a tulha onde arrecada o pão!

Fez com ele o jugo e fez com ele o arado;
Fez com ele as portas contra os vendavais;
E com ele é feito o velho leito amado,
Onde se deitara para o seu noivado,
E onde já morreram nos seus avós, seus pais!»

Abençoado povo nipónico que, quando as cerejeiras se toucam de flores, num dia de sol radioso, alvoraçado de alegria, identificado com a Natureza, presta a sua adoração enternecida à árvore. 

                                    

A flora dendrológica fornece-nos, além de preciosas madeiras para marcenaria, construções navais e civis, tanoaria, obras hidráulicas, máquinas, alfaias agrícolas, minas, postes telegráficos e travessas de caminhos de ferro, inúmeros produtos indispensáveis à indústria, tais como: gomas, resinas, essências, fibras, óleos, matérias gordas, borracha, pez, breu, essência de terebentina, negro de fumo, benzina, alcatrão, colofónia, creosote, matérias corantes, etc., etc. As árvore ornamentais e as árvores apícolas têm elevado merecimento, assim como as apropriadas para carvão, ou fornecedores de boa lenha para combustível.
Do sobreiro extrai-se a cortiça, um dos mais preciosos produtos florestais e que tem aplicações múltiplas; o salgueiro branco utiliza-se, nas imediações da romântica cidade do Mondego, na confecção de palitos; o vidoeiro é empregado na indústria de carrinhos de algodão; o zimbro e o cedro no fabrico de lápis; o amieiro em palmilhas de tamancos. As azinhas ou glandes da azinheira, cevam no Alentejo, Estremadura e Algarve muitas varas de porcos; o tecido fibroso que constitui o envoltório do coco – conhecido no comércio com o nome de cairo – é aplicado no fabrico de cordas e de estofos resistentes e os ramos delgados e flexíveis dos vimeiros empregam-se como vincilhos para arcos de vasilhas e fabrico de taipais, cestos, etc.
A pasta de madeira, formada das celuloses do choupo, pinheiro e salgueiro, é desde 1867 a principal matéria-prima do papel em todo o mundo. Da casca do eucalipto, que é fibrosa, fabricam-se cartões e papel comum e a entrecasca da broussonetia papyrifera é aproveitada no Japão e China para o fabrico de papel e tecidos e em Taiti na confecção de chapéus característicos.
As cascas e entrecascas taninosas do castanheiro, vidoeiro, carvalho, sobreiro, salgueiro, eucalipto, azinheira e de muitíssimas outras plantas, servem para curtimenta de peles.
Dos ramos e raízes da canforeira extrai-se, por destilação, a cânfora, empregada em medicina humana e veterinária; a casca da quina tem propriedades febrífugas e grande número de plantas lenhosas são utilizadas em farmacopeia: as coníferas, a tília, o freixo, o ailanto, o choupo, etc. 


A folhagem de algumas árvores é empregada como forragem e a serradura para embalagem de frutos ou, pelo seu grande poder absorvente, para camas de animais.
As árvores têm ainda benéfico efeito sobre o clima, melhorando-o consideravelmente e sobre os cursos de água, regularizando-lhes as directrizes; algumas, como o eucalipto, são saneadoras dos pântanos; o pinheiro bravo fixa as areias movediças, convertendo as dunas em terrenos cultiváveis.
Mas não cessam aqui as preciosidades fornecidas pela flora lenhosa; inclusivamente a lã, o leite e o marfim, são-nos prodigamente cedidos pelas árvores, derivando esta nomenclatura singular, da analogia desses três produtos com o marfim, o leite e a lã propriamente ditos. Assim, as folhas das variedades de pinus australis e sylvestris e de muitas outras coníferas, são utilizadas na cidade de Breslau, na Silésia, depois de fervidas num soluto de carbonato de soda, para o preparo da lã vegetal ou lã de floresta. A solução dissolve os principais resiníferos que impregnam as nervuras filiformes das folhas, permitindo que estas se separem. A substância filamentosa assim obtida, cardada e expurgada de impurezas serve para encher colchões, almofadas, travesseiro e sofás; fiada e tecida, fornece uma espécie de linho cru, muito resistente e higiénico, que se presta admiravelmente para confeccionar diversos tecidos coletes. A água resultante do preparo desta lã vegetal é utilizada pelos habitantes de Breslau contra certas afecções epidémicas e da substância membranosa obtida por filtração, servem-se como combustível, produzindo uma qualidade de gás, que é aproveitado para iluminação caseira.
Os galactodendruns ou árvores vacas, plantas lenhosas de grande porte, que vegetam em copioso número nas florestas do norte da América, dão, por incisão do seu tronco, um latex com sabor e as propriedades nutritivas do leite de vaca, que os habitantes de Caracas utilizam como bebida alimentar e a que propriamente chamam leite vegetal. Esta substância coagulada produz uma espécie de queijo de sabor delicado e uma cera que pode utilizar-se no fabrico de velas.
Uma espécie de palmeira que se desenvolve no Japão e na América do Sul, cientificamente conhecida pelo nome de Phytelephas macrocarpa, produz umas sementes esféricas e volumosas, contendo um perisperma de cor branca e contextura óssea, conhecido pelo nome de marfim vegetal e que, devidamente esculpido, serve para o fabrico de botões, castões de bengalas, broches e bijutarias variadíssimas. Estas sementes – corozo – são susceptíveis de um delicado brunido e recebem com facilidade colorações várias. O suco do fruto dá origem a um licor leitoso, agradável, que pode sujeitar-se à fermentação alcoólica. As sementes pulverizadas e adicionadas à cera, produzem uma substância alva, de extraordinária rijeza, que arde com luz intensa.

                                                                    * * *

O  Dia da Árvore, festa enternecedora, cheia de singeleza e de suavidade, vai-se popularizando nesta bem-amada terra lusitana, cada vez mais considerada no convívio das nações progressivas. Sobre este tema solene – A árvore - soarão por este país fora, alocuções de uma sublimidade grandiosa. Acedendo gostosamente ao amável convite que me foi feito, não quero deixar de também concorrer, com esta palestra frívola e pueril, para a apoteose das árvores, dessas alminhas vegetais, no frasear elegante de Teixeira de Pascoaes o inspirado autor do Sempre.

                             . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 Há entre estes rosados pequerruchos de cabelos anelados que me escutam e estas graciosas arvorezinhas que aguardam, frementes de desejo, o seio ubérrimo da terra, uma dualidade fecunda, uma suave harmonia, um certo alvorecer de esperanças, que enternece e deslumbra.
Os antigos romanos adoptavam a legenda que nesta hora tem uma oportunidade flagrante: "até mesmo brincando se pode ser útil".
Ide, pois, oh santa pequenada, numa romagem garrida e feliz, chalrando de prazer, palpitando de afecto, entoando cânticos de amor, plantar as árvores verdejantes, sob o prazer antegozado de lhes mordiscar, numa ânsia insofrida, os frutos sedutores.»

Imagens: As três iniciais são do livro de Guilherme Felgueiras; a quarta, Orpheus, é de Jean Breugel, o ancião; a quinta é do livro Paradiso, de Dante, na bela versão de Giuseppi Campi; o sexto é do livro de Guilherme Felgueiras; a sétima é uma imagem (íntima...) da famosa propriedade de Tolstoi, a Isnaia Poliana, onde o Jaime de Magalhães de Lima foi encontrar-se com Tolstoi e falar-lhe de Antero de Quental (como conto algures no blogue); a oitava é um postal japonês de 1900, de sakura, o florescer das cerejeiras, em Yokohama, da Biblioteca de Estudos Espirituais; a nona é uma pintura do mestre alemão Bô Yin Râ, e a décima é a vinheta final do livrinho de 18 páginas.

terça-feira, 20 de abril de 2021

Poemas da Luz anímica e do Amor perene. Do I ao VII dum ciclo de XXII, escritos há já uns anos.

 Estes poemas foram escritos em Setembro e Outubro de 2005 após ter visitado no Porto a Dalila Pereira da Costa e ter estado com ela, o Fernando Echevarria e a Maria João Reynaud, que me ofereceu então o seu livro Luz de Intimidade, Edições Afrontamento, onde fui escrevendo os poemas ora em diálogo com os dela ora em folhas de título ou de breve citação. Há dias arrumando os livros de poesia, e os que me foram oferecidos ao longo dos tempos, subitamente abriu-se a Luz de Intimidade e a minha letra sobrenadou. Escritos não para alguém particular, mas pelo Amor...

                                                         

                                                 I -  ALBA

Brilham as estrelas no céu,

Palpitam sorridentes a chamar-nos.

Quantos abrimos o cimo da cabeça

às vibrações e bênçãos delas?

 

Começar o dia com as estrelas

saudá-las ao longe, das janelas.

Ou caminhar sob elas,

recebendo seus eflúvios

na noite imensa que se despede.

 

Assim entrei a manhã

E chamei-te à distância:

- Meu Amor, onde estás tu

Porque esta distância entre nós?

 

Dizes-me que os nossos passos

nos encaminham um para o outro,

Seja de noite ou de dia,

Hoje, amanhã ou sempre.

 

Descanso, calmo,

Sei que nos encontraremos

E estreitaremos as almas 

Na Unidade do Espírito.

 

 II 

  Trevas e torpores,

pântanos e remoinhos,

tudo isso atravessamos

com os remos forçando.

 

Batalha de barcas,

de viagens e travessias.

Quando se encontrarão por fim 

as nossas almas de luz? 


Cruzarei as distâncias todas,

Não deixarei o altar esfriar.

Nele sacrificarei o meu ego

Aos teus adorados pés.


Teceremos arquitecturas

de palavras, significados e valores,

vivendo e transmitindo

a sabedoria imensa que nos anima.


Haverá alegria

 Na barca da nossa alma.

O lampião dará luz,

Os peixes virão à tona.

III

    Nestes nossos estios quentes

não sei que admirar mais:

se a cor vermelha das folhas

se a pujança perene das árvores,

se o amor humano

que não se deixa cair

nem com as estações e idades

e sempre renasce novo

manifestando a perenidade do Amor.


IV

Lá no longe,

marcando o encontro

do céu e da terra,

Aqui em mim,

nos olhos semicerrados

entre a luz e a obscuridade,

assim vou talhando o olho espiritual,

assim vou abrindo o coração,

até  abranger o Oceano,

 Sanmudra de Om namo Narayana

e passar ao horizonte longínquo

e contemplar admirado Narayana.

V

Atravessas o céu da minha alma

como uma aparição de Deus

deixando sulcos de amor

que ainda agora reverberam

 

Como o voo rápido duma gaivota

fendendo os ares abruptamente,

aceito que também a passagem

seja um relâmpago na noite,

um clarão na madrugada.

 

Virei pé ante pé

bater à janela da tua alma

ciciar teu nome

às tuas pálpebras e orelhas.

Segredar-te mistérios

aos teus cabelos escorridos,

acariciar teus lábios

e dedos finos.

 Depois, no céu,

reinarei coroado por ti

da mirta dos poetas,

da amrita dos místicos,

Pois o nosso Deus nascerá em nós. 

VI

Vezes sem conta

meditámos no santuário

invocando as bênçãos divinas

e o regresso da Luz.


Cores fulgurantes e luminosas,

sentimentos puros e exaltantes,

assim vou tecendo

a teia dos meus dias.

Mas quando tu chegaste

arrancaste-me da solidão

e abriste tal corrente no meu peito

que de noite ou de dia

meu coração sangra por ti.


Esculpo a aura e alma nossa

traço sinais e desígnios,

sinto-te mais desperta e luminosa.

 Seremos justos, corajosos e ardentes

na irradiação da harmonia e da felicidade,

na transmissão dos estados de consciência

que curam, iluminam e salvam.

 VII

Trarei aos teus pés

léguas de antiguidade,

depositarei no teu regaço

braçadas de flores milenares.

Voaremos juntos como gaivotas

rasando as ondas brancas e altaneiras,

daremos as mãos à borda d'água

e escreveremos os poemas da Eternidade...

domingo, 18 de abril de 2021

Antero de Quental: evocação no dia do seu aniversário, em 2021. Com vídeo de 6:00.

Embora nascendo hoje 18 de Abril, mas de 1842, em Ponta Delgada, S. Miguel, Açores, há portanto 179 anos, Antero de Quental continua a viver não só enquanto espírito imortal mas sobretudo por muitas das suas gestações poéticas, literárias, polémicas, políticas e metafísicas transcenderem as limitações e condicionalismos temporais de escolas, modas ou historicismos, pelas suas qualidades.

Em verdade, Antero de Quental, ainda que confrontando situações históricas por vezes bem desafiante ou difíceis, conseguiu quase sempre  abordá-las, contextualizá-las e clarificá-las na suas dimensões mais justas, profundas ou íntimas, e mais abrangentes e universais, ganhando jus com isso a um estatuto de perenidade, o de  poder transmitir e impulsionar energias de demanda sincera da verdade, da justiça, do conhecimento, do amor nos que o lerem, ainda que certamente ele próprio estivesse sujeito às ondulações do seu corpo e personalidade, tão sensíveis e em certos aspectos frágeis, tal como a sua vasta e maravilhosa correspondência testemunha em tantas modulações e com tantos amigos...

Se as Primaveras Românticas nos mostram o jovem pleno de amor, se as Odes Modernas nos apresentam o ardente defensor da justiça, da educação, de um socialismo íntegro e espiritual, da revolução e emancipação dos povos e seres, serão os Sonetos que o imortalizarão mais, embora neles tenha pagado muito tributo às escolas pessimistas e niilistas que na época dominavam a Europa após as desilusões dos sonhos do romantismo. Saber discernir os sonetos que nos dizem mais, os que nos fazem mais bem e de quando em quando relê-los, meditá-los ou decorá-los é uma tarefa valiosa e útil.

Na sua obra  em prosa abundam muitos textos valiosos, seja circunstanciais (mas sempre teorizando e contextualizando), seja já de teorização literária, política, sociológica, religiosa ou filosófica, como é o caso do seu último trabalho de vulto e testamento, as Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX. É porem na sua vasta correspondência,  compilada beneditinamente por Ana Maria Almeida Martins, e editada pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, que podemos auscultar melhor e comungar a grande simplicidade e amor,  a grande cultura e sabedoria, a grande aspiração de justiça que corria nessa geração de seres que abriam Portugal às correntes modernas europeias e que sonhavam e lutavam com grande esperança pelas modificações e reformas que Portugal tanto necessitava ,mas que em grande parte continuam por se fazer, nomeadamente as das consciências, da Justiça e dos partidos, que tanto atraiçoam o Bem comum, donde a sua grande actualidade...

Trabalhando numa biografia cronológica de Antero de Quental, e muito baseada nos seus escritos, resolvi hoje seu dia de anos fazer um pequena gravação para o homenagear, que foi de certo modo interrompida por alguém que chegava, mas está apresentável e segue no fim. Para substancializar mais este texto transcreverei  brevemente algumas ideias forças ainda pouco conhecidas ou que não estão na net e que retiro da biografia em curso, convidando-vos a lê-las e a meditá-las, pois poderão dar frutos de harmonia social e de despertar ou inspirar espiritual: 

Do Manifesto dos Estudantes da Universidade de Coimbra à Opinião Ilustrada do País, 8-12-1861.
«Que querem os Estudantes da Universidade? Que se indague tudo da ciência, que é património de todos, e nada da vida particular, que é asilo individual e inviolável; que por detrás da cadeira do ensino se não lobrigue o olho do esbirro; que se faça progredir a ciência, e se deixe a moral desenvolver-se por si.

 No final de 1863 carta a Mariano Machado de Faria e Maia:  «Mariano, que fazes? (...). Pois deixá-los. Tu não precisas deles para seres belo e para que todos te amemos: tens dentro aquela luz cujo reflexo exterior se chama bondade e inteligência. Eu por mim, sei que o céu é suficientemente grande para que as cruéis abas das sobrecasacas negras desses burgueses mo possam tapar e encobrir tudo - e fio que a copa do chapéu-de-pelo deles, por mais alto que seja não chega precisamente a tocar nos astros... por mim sempre tenho sol que me aqueça de dia, e à noite estrelas para contar - como as crianças e os profetas. Mas tu que fazes? Disse-me aqui o João que trabalhavas muito. O trabalho é santo, porque é o modo de amar da inteligência. Não sei ainda se é para isso que nos deixaram cair lá de cima sobre este planeta ridículo...»

Para rirmos um pouco,  acerca das prelecções à Faculdade de Direito que estavam a decorrer, escrevia no nº 76 d' O Jornal do Século XIX, de Penafiel, em 1865: «De maneira que o meu depoimento sobre prelecções é todo de ouvido. Transcrevo pois as próprias palavras de um meu amigo, muito competente nestas matérias. As prelecções, meu amigo, disse ele, «tem-nas havido melhores e muita gente é capaz de as fazer pior».

Publicadas as revolucionárias Odes Modernas, em 1865, numa carta para João de Deus, Antero tenta diminuir o quase certo desagrado do poeta algarvio quanto ao livro e transmite-lhe a sua visão de espiritualidade universal que o caracterizou bastante:«Meu João, Sei que te não podem agradar as ideias por que este livro conclui. Ofereço-te todavia sem receio, porque tenho fé que não podes senão aprovar os sentimentos que o inspiram e são como o ponto de partida, a base moral das conclusões da inteligência. É uma voz sincera que pede justiça e verdade; vista assim a obra é aceitável para todos os crentes de todas as religiões, contanto que sejam religiões espirituais. O resto, a maneira por que entendo que a verdade e a justiça se devem realizar, isso, se for falso, é um erro de lógica, não de vontade. Antero».

 Em Abril de 1865, sob o título O Sentimento da Imortalidade, que foi uma carta a Anselmo de Andrade, defende a imortalidade espiritual com bastante sensibilidade, força e intuição onde brilham algumas ideias perenes, tais como: «O que é belo não o é só porque alegra o olhar e fala aos sentidos a linguagem da perfeição. É-o, sobre tudo, porque o coração lhe sente a verdade eterna que o anima».

Fiquemo-nos no coração e em comunhão com Antero de Quental e os nossos antepassados, guias, mestres e anjos e na invocação e adoração íntima da Divindade, a fonte verdadeira do Amor e que por tantos modos se reflecte e nos anima...

                     

sábado, 17 de abril de 2021

Poesia de alecrim, medicinal e do caminho...


Ramos de alecrim, vindos da Beira, da típica vila de Monsanto (oferecidos por um Jorge e Mariana), que resolveram elevar-se por entre livros e folhas, e assumirem suas dimensões subtis vivas e inspirarem-me a dois pequenos poemas, quais exercícios  de os retratar por imagens e palavras sentidas e vividas, num diálogo da alma no Caminho e no Mundo...


Sílfide que chegas,
voando de braços abertos
em dança misteriosa,
que apelo da Terra transmites
aos que te vêem e intuem
na alma em demanda,
num mundo tão dilacerado,
insanavelmente conflituoso?
 
- Ouve-me na voz do teu espírito,
pois só esse te pode valer
para seres o que deves ser: 
Sê em Amor e Justiça! 
 

 
 
Ergue-te da terra
Abre teus braços e peito,
Humilha-te no silêncio
E em seres só tu.

Do tronco partem os ramos e folhas
Da alma saem desejos e pensamentos
Mas do Espírito sai apenas Luz,
Ò Alma, abre-te mais à Luz!