Embora nascendo hoje 18 de Abril, mas de 1842, em Ponta Delgada, S. Miguel, Açores, há portanto 179 anos, Antero de Quental continua a viver não só enquanto espírito imortal mas sobretudo por muitas das suas gestações poéticas, literárias, polémicas, políticas e metafísicas transcenderem as limitações e condicionalismos temporais de escolas, modas ou historicismos, pelas suas qualidades.
Em verdade, Antero de Quental, ainda que confrontando situações históricas por vezes bem desafiante ou difíceis, conseguiu quase sempre abordá-las, contextualizá-las e clarificá-las na suas dimensões mais justas, profundas ou íntimas, e mais abrangentes e universais, ganhando jus com isso a um estatuto de perenidade, o de poder transmitir e impulsionar energias de demanda sincera da verdade, da justiça, do conhecimento, do amor nos que o lerem, ainda que certamente ele próprio estivesse sujeito às ondulações do seu corpo e personalidade, tão sensíveis e em certos aspectos frágeis, tal como a sua vasta e maravilhosa correspondência testemunha em tantas modulações e com tantos amigos...
Se as Primaveras Românticas nos mostram o jovem pleno de amor, se as Odes Modernas nos apresentam o ardente defensor da justiça, da educação, de um socialismo íntegro e espiritual, da revolução e emancipação dos povos e seres, serão os Sonetos que o imortalizarão mais, embora neles tenha pagado muito tributo às escolas pessimistas e niilistas que na época dominavam a Europa após as desilusões dos sonhos do romantismo. Saber discernir os sonetos que nos dizem mais, os que nos fazem mais bem e de quando em quando relê-los, meditá-los ou decorá-los é uma tarefa valiosa e útil.
Na sua obra em prosa abundam muitos textos valiosos, seja circunstanciais (mas sempre teorizando e contextualizando), seja já de teorização literária, política, sociológica, religiosa ou filosófica, como é o caso do seu último trabalho de vulto e testamento, as Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX. É porem na sua vasta correspondência, compilada beneditinamente por Ana Maria Almeida Martins, e editada pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, que podemos auscultar melhor e comungar a grande simplicidade e amor, a grande cultura e sabedoria, a grande aspiração de justiça que corria nessa geração de seres que abriam Portugal às correntes modernas europeias e que sonhavam e lutavam com grande esperança pelas modificações e reformas que Portugal tanto necessitava ,mas que em grande parte continuam por se fazer, nomeadamente as das consciências, da Justiça e dos partidos, que tanto atraiçoam o Bem comum, donde a sua grande actualidade...
Trabalhando numa biografia cronológica de Antero de Quental, e muito baseada nos seus escritos, resolvi hoje seu dia de anos fazer um pequena gravação para o homenagear, que foi de certo modo interrompida por alguém que chegava, mas está apresentável e segue no fim. Para substancializar mais este texto transcreverei brevemente algumas ideias forças ainda pouco conhecidas ou que não estão na net e que retiro da biografia em curso, convidando-vos a lê-las e a meditá-las, pois poderão dar frutos de harmonia social e de despertar ou inspirar espiritual:
Do Manifesto dos Estudantes da Universidade de Coimbra à Opinião Ilustrada do País, 8-12-1861.
«Que
querem os Estudantes da Universidade? Que se indague tudo da ciência,
que é património de todos, e nada da vida particular, que é asilo
individual e inviolável; que por detrás da cadeira do ensino se não
lobrigue o olho do esbirro; que se faça progredir a ciência, e se deixe a
moral desenvolver-se por si.
No final de 1863 carta a Mariano Machado de Faria e Maia: «Mariano, que fazes? (...). Pois deixá-los. Tu não precisas deles para seres belo e para que todos te amemos: tens dentro aquela luz cujo reflexo exterior se chama bondade e inteligência. Eu por mim, sei que o céu é suficientemente grande para que as cruéis abas das sobrecasacas negras desses burgueses mo possam tapar e encobrir tudo - e fio que a copa do chapéu-de-pelo deles, por mais alto que seja não chega precisamente a tocar nos astros... por mim sempre tenho sol que me aqueça de dia, e à noite estrelas para contar - como as crianças e os profetas. Mas tu que fazes? Disse-me aqui o João que trabalhavas muito. O trabalho é santo, porque é o modo de amar da inteligência. Não sei ainda se é para isso que nos deixaram cair lá de cima sobre este planeta ridículo...»
Para rirmos um pouco, acerca das prelecções à Faculdade de Direito que estavam a decorrer, escrevia no nº 76 d' O Jornal do Século XIX, de Penafiel, em 1865: «De maneira que o meu depoimento sobre prelecções é
todo de ouvido. Transcrevo pois as próprias palavras de um meu amigo,
muito competente nestas matérias. As prelecções, meu amigo, disse ele,
«tem-nas havido melhores e muita gente é capaz de as fazer pior».
Publicadas as revolucionárias Odes Modernas, em 1865, numa carta para João de Deus, Antero tenta diminuir o quase certo desagrado do poeta algarvio quanto ao livro e transmite-lhe a sua visão de espiritualidade universal que o caracterizou bastante:«Meu João, Sei que te não podem agradar as ideias por que este livro conclui. Ofereço-te todavia sem receio, porque tenho fé que não podes senão aprovar os sentimentos que o inspiram e são como o ponto de partida, a base moral das conclusões da inteligência. É uma voz sincera que pede justiça e verdade; vista assim a obra é aceitável para todos os crentes de todas as religiões, contanto que sejam religiões espirituais. O resto, a maneira por que entendo que a verdade e a justiça se devem realizar, isso, se for falso, é um erro de lógica, não de vontade. Antero».
Em Abril de 1865, sob o título O Sentimento da Imortalidade, que foi uma carta a Anselmo de Andrade, defende a imortalidade espiritual com bastante sensibilidade, força e intuição onde brilham algumas ideias perenes, tais como: «O que é belo não o é só porque alegra o olhar e fala aos sentidos a linguagem da perfeição. É-o, sobre tudo, porque o coração lhe sente a verdade eterna que o anima».
Fiquemo-nos no coração e em comunhão com Antero de Quental e os nossos antepassados, guias, mestres e anjos e na invocação e adoração íntima da Divindade, a fonte verdadeira do Amor e que por tantos modos se reflecte e nos anima...
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