Neste interessante vídeo do pensador, pedagogo e mestre sem o querer ser, Jiddu Krishnamurti (1895-1986), vêmo-lo a responder algo contrariado a uma pergunta que alguém da assistência escrevera num papelinho, exclamando mesmo em voz baixa, "que pergunta maluca":
«Com a prática de Yoga, tal como é realizada na Europa e na USA, ajuda-se o despertar espiritual? É verdade que a prática de Yoga vai despertar uma energia mais profunda, chamada Kundalini?»
Após lê-la, a sua exclamação foi: "Do sublime descemos ao ridículo", mas responderá valiosamente e com alguns aspectos a cogitarmos: 1º considera que esse chamado Yoga, de exercícios para ter bom e saudável corpo por força, disciplina e controle, e para despertar as ditas energias superiores, foi inventado no século XVII e XVII, não dando contudo nenhuma prova ou exemplo de tal, e não me parecendo correcta tal datação, pois sempre houve exercícios muito físicos e faquires.
2º Contrapõe a tal yoga praticado hoje ocidentalmente, a verdadeira Raja Yoga, a Yoga Real, o rei ou rainha das Yogas e cuja essência é levar-se uma vida altamente moral, não moral de acordo com circunstâncias e cultura, mas sim uma verdadeira actividade ética na vida, não ferir, não beber, não drogar-se, ter a quantidade correcta de dormir e de comer, ter pensamento claro, e agir moralmente, fazendo o que é justo. E que esses especialistas que consultou sobre Yoga nunca mencionam fazerem-se exercícios, apenas o andar, nadar, pois o enfâse era o de uma vida altamente moral, com uma mente bem activa.
Aqui há que reconhecermos que está talvez sem querer a desviar-se da verdade porque o principal texto codificador da milenária Raja Yoga, os Yoga sutras de Patanjali, refere os exercícios físicos e respiratórios (asana e pranayana), ainda que de facto brevissimamente e apenas como preparativos para o recolhimento interior, a concentração, a meditação, e a contemplação-unificação-samadhi. Krishnamurti esquece isto tudo e irá saltar para o corresponderia ao samadhi, que verá mais apenas num estado mental limpo e energético.
3º Tendo conversado com muitos especialistas de Yoga, Krishnamurti conclui que lhe disseram que Yoga significa União, unir o superior e o inferior. A Yoga ocidental de exercícios deve ser chamado apenas Exercícios (o que não vende tanto, sugerirá...), mas as pessoas poderão fazer muitos anos desses exercícios que nunca despertarão espiritualmente no interior, nem nessa energia, a que se deu o nome de kundalini, e praticamente nunca encontrou ninguém que realmente falasse por experiência dessa energia kundalini, pois a maioria das pessoas mesmo que se tornaram especialistas falam dela, mas referem-se sempre a um originador mistificador, e apenas sentem certas experiências. Ora esse despertar de mais energia também pode resultar de um bom modo de vida, uma alimentação certa e o respirar correctamente.
Tal só pode acontecer quanto o Eu (Self) não estiver, quando deixar de existir o sentimento eu, então há uma energia completamente diferente que mantém a mente (mind) fresca, jovem, viva. Tal só acontece quando conseguirmos libertar-nos absolutamente desse sentido de eu, que está sempre em conflito e luta, deseja isto ou não quer aquilo. Havendo tal luta, perde-se muita energia, mas quando já não há tal luta então uma verdadeira energia nova é sentida.
Podemos comentar nós agora que sem dúvida a diminuição das ondas de pensamento e da actividade projectiva do ego, ou seja conseguirmos controlar o que pensamos e silenciarmos mais interiormente é fundamental para um estado anímico mais unificado e que permita mesmo a tal yoga ou união do inferior e do superior, que Krishnamurti aludiu mas da qual não falou, tal como também no fim da resposta e vídeo (que está muito entremeado de risos..) não diz o que é que não se consegue pela via normal dos exercícios tão divulgados ou seja comercialmente explorados por federações e seitas. Poderemos pensar então que há aqui uma certa omissão de ordem espiritual, o que acaba até por facilitar tanto instrutor de yoga charlatão...
Krishnamurti, ao lado da sua "mestra" Annie Besant, quando estava já para fugir à encenação e karma de ser o novo Instrutor do Mundo, o novo Messias, o que sucederá em Agosto de 1929. |
Há algo de Gautama Buddha em Krishnamurti, e não é despropositado pensar-se que tal como Gautama, o Buddha reagiu contra tanta certeza e mistificação sobre o espírito e Deus-Deuses do hinduísmo, recusando-se mesmo a explicitar melhor o nirvana, assim Krishnamurti recusou rotundamente os ensinamentos e pretensões da Sociedade, nomeadamente a existência dos mestres que Helena Blavatsky lançara tão mistificadoramente, e o que Annie Besant e Charles Leadbeater (biografara-o em vinte nove reincarnações, ou vidas de Alcyone) lhe impingiram quando o tentaram educar para o papel de mensageiro divino, instrutor, messias ou avatar da Nova Era (algo que na época Fernando Pessoa registou, bem antes de 1929:«Só a Teosofia é que, finalmente, declarou o Segundo Advento»), deixando de falar em Mestres, ou no espírito individual ou na Divindade, tal como vemos neste e nos seus vídeos e ensinamentos. Mas esta reacção foi demais, e logo houve menos consciência do espírito e dos espíritos, mestres,anjos e do Divino. E assim mais uma vez a grande claridade sobre os mistérios do Ser humano e divino não foi atingida nem partilhada ou ensinada...
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