quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Sabedoria Persa (14); "Bebe e alegra-te". Um ghazal de Hafiz, o poeta nacional do Irão amoroso, comentado por Pedro Teixeira da Mota

« Bebe, Hafiz, e vive alegre!
Não sejas como o hipócrita
que imagina disfarçar a sua astúcia
       com o Alcorão citado em voz alta.»

                                   

Comentário:
Alegra-te. Não te castigues com reprovações e penitências. Descontrai-te e bebe da taça diária que a existência, a prática espiritual e a fortuna te possam oferecer, harmoniosamente, sem regras opressivas, sem expectativas frustrantes nem diminuições.
Beber o vinho, na linguagem de Hafiz e dos sufis ou espirituais do Islão, e em especial do Irão dadas as raízes masdeístas (com o seu cálice graal,  jam-e jam, ou Djam Djehan Nema), significa sintonizar com amor os seres e Cosmo, viver em amor, sentir a presença ou a ligação Divina, estar livre das hipocrisias de querer parecer isto ou aquilo, ultrapassar os formalismos e fluir na naturalidade inspirada.
Quem bebe o vinho místico, quem cultiva o amor à Divindade e até se inebria nele, é sincero, fala transparentemente e entrega-se sem falsidade ao diálogo, à fraternidade, à compaixão, ao caminho espiritual, à demanda da Divindade Amada, ao Amor. 
 
Bebe e come, anda e fala com consciência, amor e gosto. Não te afirmes ou mascares de asceta ou renunciante quando sentires que o convívio pode trazer mais luz aos que contigo querem dialogar.
O Espírito sopra ou (explique-se) pode ser respirado ou sintonizado, em toda a parte, e tanto as tabernas como os jardins, o quarto íntimo ou a cela do convento podem ser locais de hierofanias, isto é, de momentos de hiero, sacro, sacralização, consciencialização tanto do Amor divino em acção como do espírito que, no mais profundo ou íntimo de nós, culmina ou coroa a Manifestação e é a nossa razão de ser...
Tua deve ser a via universal que consegue abranger e dialogar com todos, e ainda que discernindo o justo e o injusto, repudiando-o, sabe complementarizar os extremos que se digladiam, frequentemente desnecessariamente.
Que a tua alma e corpo espiritual sejam capazes de se ir abrindo e expandindo no universal, com o fogo do amor divino mais forte e profundo a arder e inebriar-te de quando em quando, ou mesmo a tocar e inspirar outros.

                                   

O conteúdo desta quadra de Hafiz (de seu nome, Sams-al-Din Moḥammad, já que Hafiz significa que sabia o Alcorão de cor, viveu entre 1325-1390)m um dos poetas místicos mais amado do Irão e dos que amam a civilização persa, extraída do seu Diwan, repete-se bastante na sua poesia e nas dos Fiéis do Amor como ele, tal Ibn Farid, Maulana Rumi, Saadi, Jami, Attar, Sheik Bahai e outros, e põe em causa os ortodoxos, os seguidores das narrativas oficiais, os que seguem os hábitos ou vestes que não fazem monges, e se esquecem do silêncio e mergulho interior para resgatarem o fogo divino do Amor e nele se intensificarem e poderem consumir mais  o que os separa da harmonia, da justiça, do espírito e do Ser Divino e Amor Primordial...

                                     

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