domingo, 13 de fevereiro de 2022

Sabedoria Persa (12), Omar Khayyam, Não sejas apenas uma sombra vã. Um ruba'i, ou quadra, comentada por Pedro Teixeira da Mota.

                                      

Esta quadra de Omar Khayym  será em geral interpretada no sentido da ilusão e evanescência do mundo e dos seres, podendo despertar várias associações na cultural anima mundi nossa, tal como uma primeira, a da famosa roda da Vida, ou roda do Destino, ou como Omar Khayyam lhe chama ainda a Roda dos Céus, que gira, gira e ora nos faz descer em desgraças e dificuldades ou elevar em ganhos e realizações.

Ou ainda à Deusa Fortuna, que rola sobre a esfera do mundo ao sopro dos ventos, ora bafejando-nos nos momentos de êxito ora abandonando-nos numa tempestade e naufrágio. Contudo, a imagem que nos brota logo directamente é da lanterna mágica, a antiga predecessora da maquina de projectar filmes: O Sol, ou a Fonte de Vida emana raios luminoso para o  écran do mundo ou, noutra imagem, para as paredes da sua esfera roladora, e nós somos apenas evanescentes imagens ou sombras que aí passam, sofrem, amam e desaparecem.

«Esta roda sobre a qual giramos
É semelhante a uma lanterna mágica.
O Sol é a lâmpada, o mundo o écran,
Nós somos as imagens que passam.»

Comentário:
Encontramos então nesta quadra o sábio às voltas com os enigmas e mistérios do Universo e como tudo parece sombra e ilusão, algo muito patente entre nós noutro poeta que oscilou entre a gnose e a descrença, e também cultivou o vinho como meio alquímico, Fernando Pessoa, e que tanto traduziu quadras de Omar Khayyam como  escreveu as suas próprias, para além de em muitos poemas denotar tal influência e nem tanto na linha do vinho do amor mas mais da consciência da sombra e sonho que é a vida...
Encontramos na versão maturamente preparada por Fernando Couto e bem prefaciada (embora tingida de certo agnosticismo e pouco conhecimento da essência sufi) por Eugénio Melo e Castro, pequenas variantes de tradução deste ruba'i, o nº115: 
«Esta abóbada celeste, sob a qual nós vagueamos,
compara-o a uma lanterna mágica
de que o sol é a lâmpada.
E o mundo é a tela» 
 
Todavia, na realidade por outras quadras de Omar Khayyam vemos que ele sentiu que era no amor e no vinho material, afectivo ou espiritual que estava a chave que rodava a porta do coração, o "abre-te sésamo" bem pronunciado, e que nos faz comungar com a Unidade da vida divina ou, se quisermos e conseguirmos, mesmo com a Divindade íntima...
Poderemos então pensar que nesta quadra Omar Khayyam, dando conta do misteriosa origem e destino dos seres nos alerta para não sermos meras sombras evanescentes, mas que saibamos assumir a nossa vontade e livre arbítrio e conscientemente religar-nos tanto à nossa essência ou espírito que perdura e é eterna, como à Divindade, o Sol do Amor primordial, e logo agirmos na roda da vida como actores-autores responsáveis, despertos, lúcidos, amorosos e clarividentes.
É em outras «ruba'i»s que encontramos mais fundamentação para esta última hermenêutica espiritual transmitida, e esperamos apresentá-las e comentá-las brevemente. 
                                                 

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