terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Anjos e Arcanjos solsticiais e natalícios, um culto perene e frutífero. 2023. Boas inspirações e realizações.

Nos dias solsticiais (às 3:07 do dia 22) e natalícios é natural os Anjos e Arcanjos estarem mais próximos de nós, ou acessíveis, e assim dedicarmos-lhes algum tempo de sintonização, contemplação ou meditação, ou então apenas orar a eles ou orar com eles, é  frutuoso individual e planetariamente,  podendo-se realizar em qualquer local, embora na Natureza pura ou num templo sagrado seja melhor, intensificando tanto a nossa como a comunitária frequência vibratória espiritual e eco-amorosa. Dadas as bênçãos luminosas que dos seres celestiais nos podem advir, eis-me a partilhar algumas imagens, brevemente legendadas, a primeira de uma gravura de Bartolozzi, seguindo-se três de fotografias na Igreja de S. Paulo em Lisboa, e a última já obtida em Castelo Branco.

      Dos Mistérios Angélicos, e do Amor que é inerente à sua visão.

                                                       
Esta gravura do famoso Bartolozzi (1725-1815, em Lisboa), tão importante no desenvolvimento da gravura em Portugal, pode levar-nos a pensar que a devoção ou Amor aos Anjos e particularmente ao nosso Anjo da Guarda gera como que anjinhos ou cupidos, que são como que pequenas avatarizações, ou flechas, de Amor, numa amálgama de substância psico-espiritual nossa e deles. Desconhece-se bastante disto pelo que oremos e meditemos mais para que mereçamos e saibamos discerni-los, senti-los, vê-los e irradiá-los, ainda que possamos admitir que esse pequeno ser corresponde à nossa pequena concentração, aspiração e ligação aos Anjos... Logo, vemo-lo ainda muito pequenino...
Já esta escultura oitocentista da igreja de S. Paulo, exuda tanta doçura e amor suave e subtil dos Anjos e originado na Divindade, que contemplá-la angeliza-nos, espiritualiza-nos, impulsionando em nós a devoção e aspiração ao numinoso.

                                                      
Om Amen. Os anjos estão sempre a intermediarizar a Terra e o Céu, o plano físico e os subtis e espirituais,  a Humanidade e a Divindade e podem ser para nós pontífices, inspiradores, iluminadores, sobretudo quando meditamos, amamos e adoramos com eles ....
                                                        
Dançarmos e voarmos com os Anjos, em amor e adoração, mesmo que só interiormente, imaginalmente, ou com as memórias havidas com eles, eis um bom dinamismo face às limitações que o karma, a sociedade ou o Estado nos imponham....
                                                               
O Arcanjo São Miguel, surgindo pela primeira vez na história religiosa, de origem imaginativa ou visionária, num relato do séc. II A. C., o Livro de Daniel, com profecias absolutamente impossíveis, tornou-se com o tempo o espírito celestial mais importante no panteão cristão, quase um outro Cristo, um outro ser ungido ou mais pleno do poder divino e como tal auxiliar nas grandes batalhas cósmicas contra o mal e os maus, ou nas pequenas batalhas em que por vezes nos vemos envolvidos. Invocar e evocar S. Miguel e a sua espada, ou o poder divino da vontade que nela é simbolizada, pode ser então para alguns seres, por auto-sugestão fortificadora da vontade ou por bênçãos do alto, um instrumento vitorioso nas lutas e limpezas astrais em vigília ou nos mundos tão interactivos e que nos sonhos se manifestam algo enigmaticamente.

                                                       
Por vezes S. Miguel é mesmo representado sobre o mafarrico, o endemoninhado, o diabo, o mal, personificação ou chefe de variadas forças e entidades negativas, vencendo-o, controlando-o, qual S. Jorge dominando o dragão das forças instintivas e telúricas desregradas. Esculpidas no exterior das igrejas (nesta imagem em Castelo Branco) têm a função de tanto evocar as entidades celestiais e o Arcanjo, como afugentarem as forças e entidades do mal e protegerem a Igreja e quem nela se encontra. Não há ainda estudos sobre a eficácia de tal evocação, a não ser a partir de alguns relatos hagiográficos.
Contemplarmos estas representações e sentirmos quais as energias anímicas nossas que
estão menos controladas e harmonizadas é um bom exercício de auto-conhecimento. E ao mesmo tempo invocarmos o Anjo da Guarda e até o Arcanjo S. Miguel para nos fortalecerem mas, claro, com sensibilidade e humildade, pois mais do que decretar isto e aquilo, ou saber os intrujados nomes dos anjos, como alguns pseudo-esoteristas da nova Era (seguindo contudo alguns mais antigos) lançaram e espalharam, tal Elizabeth Claire Prophet, Raziel, Monica Buonfiglio e outros, cada um  de nós deve é invocar, meditar, interiorizar e descobrir por si a inefabilidade do anjo da guarda íntimo, e não se enredar no intrujado nome do anjo que lhe pertenceria pela data de nascimento, e assim por mérito próprio e verídico poder merecer sintonizar ou acolher, vendo-o até interiormente...

                                                 
Alegre-se, não se disperse tanto nestes dias solsticiais, natalícios e do novo ano e persista em algum tipo de sintonização, pois eles constituem-se organicamente, e assim no solstício de inverno celebram algumas tradições a entrada como regente o arcanjo Gabriel, como  auspiciosas ocasiões para os invocarmos mais e melhor, seja na natureza, na família, em sodalidade ou na soledade! 

                       Arcanjo S. Gabriel, num ícone russo, tentando trazer mais luz ao mundo e aos nossos corações.
Possam vibrar mais em nós na nossa alma tanto interiorizada como expandida os Anjos e demais entidades celestiais, e para isso lembremo-nos e aspiramos mais a eles, nomeadamente quando oramos, invocamos ou adoramos a Divindade, ou lúcida e abnegadamente esforçamos por trilhar o caminho da justiça, do bem e da Verdade, na fé dos nossos antigos lutadores  idealistas e mestres, para que a Terra e a Humanidade estejam mais transparentes à ordem e intencionalidade logóica Divina, e logo em harmonia, fraternidade, paz...
Igreja da Conceição em Beja, altar de S. João Baptista, em pietra-dura tão bela.... Que sobre o teu coração em amor vivo paire o Anjo... Que no teu coração em Amor entre mais do Anjo, ou até a bênção Divina... Que haja sensibilidade, justiça, fraternidade e Amor na mente dos desgovernantes!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 5ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota por António Paiva.

          Sarada Devi, a mulher de Ramakrishna, como corporização da Shakti, num Sri Yantra

  Eis-nos na quinta parte (das talvez 17) da entrevista, primeiro oral e depois ampliada  livremente para constituir o livro O Rosto e a Obra 12 entrevistas pelo António Paiva, editado pela Espiral. Agora ao partilhar no blogue também modifiquei ou ampliei, um pouco...

António Paiva – Essas pessoas [da nova Era] procuraram viver mais do que apenas saber?

Pedro Teixeira da Mota – Há vários níveis de saber, de conhecer e certamente viver-se o que se sabe, levá-lo à prática, assumi-lo, é fundamental. Podemos dizer que houve tanto os que aprofundaram o saber, como por exemplo nas relações da Física moderna com as antigas Religiões orientais, tais como David Bohm, Jean Charon, Fritjof Capra e outros, como os que valorizaram os aspectos de acção e da experiência interna, esta frequentemente realizada em grupo ou em comunidade, e destacaram-se em tal associações na Califórnia, como o Instituto de Esalem, e as dos gurus indianos e seus ashrams. Simultaneamente, começaram a constituir-se ensinamentos, doutrinas, mensagens e mestres com um saber discutível e frequentemente incomprovável a predominar, nomeadamente as histórias de vidas passadas, onde se destacou, além do famigerado reverendo teosofista Leadbeater, o Edgar Cayace, (visionário de vidas nas civilizações antigas da Lemúria e da Atlântida), as prodigiosas iniciações, as canalizações de extra-terrestres, os mundos intra-terrenos, etc., perdendo-se frequentemente o caminho mais simples e directo do auto-conhecimento, da meditação, da religação espiritual.
O que é verdadeiramente o saber que devemos procurar é uma questão a pôr-se. Até que ponto o S. Tomás de Aquino na sua Summa Theologica, considerada a grande suma, no sentido de concentração do pensamento medieval católico, era mesmo um saber essencial, verdadeiro, perene, ou era antes meramente mental, intelectual, formal, já que ele tem quase no fim da sua vida uma ou duas revelações interiores, no fundo visões meditativas, e diz que tudo o que tinha escrito era como palha face ao que vira e realizara?
São portanto as dimensões internas, subtis, espirituais, universais, que ao longo dos séculos místicos, gnósticos,  mestres espirituais e yoguis conseguiram vislumbrar, alcançar ou viver, que alguns seres e grupos da New Age pretenderam realizar, estudar e continuar, infelizmente em muitos casos com bastante superficialidade e falta de seriedade, e com maior ou menor sucesso.
Podemos dizer ainda que uma das fontes ou raízes históricas das movimentações da nova, Aquariana, pouco conhecida, fora em 1893 o Parlamento das Religiões do Mundo, realizado em Chicago, onde estiveram numerosos especialistas, sacerdotes e líderes religiosos, embora com predominância dos ocidentais também teve bastantes orientais, dos quais o que veio a ser mais conhecido foi sem dúvida Swami Vivekananda, o discípulo do grande místico indiano sri Ramakrishna e de sua mulher Sarada Devi...
Foi um estímulo para as pessoas ocidentais, e particularmente as norte-americanas, saírem duma polarização excessiva no protestantismo e  catolicismo, no materialismo e  mecanicismo. Entretanto, mundialmente, foi brotando uma diversidade grande de propostas de aprofundamento do auto-conhecimento, com múltiplas práticas psico-somática e doutrinas e métodos espirituais, e poderemos nomear (omitindo alguns fatalmente) na primeira metade do séc. XX, e depois já na segunda, Rudolf Steiner, Gurdjieff, Bô Yin Râ, Nicholai Roerich, Carl Gustav Jung, Conde de Keyserling (que chegou a vir a Portugal e Fernando Pessoa a escrever-lhe uma carta-desafio, que eu publiquei pela 1ª vez no livro A Grande Alma Portuguesa), Alice Bailey, Paul Masson Oursel, Jean Herbert, Aldous Huxley, Krishnamurti, Wilhelm Reich, Aleister Crowley (da via esquerda, mas que impressionou muito Fernando Pessoa) Robert Assaglioli, Allan Watts, Erich Fromm, Buckminster Fuller, Carlos Castaneda, Renée Guénon,  Julio Evola, Henry Corbin, Louis de Massignon, Giuseppe Tucci, os búlgaros Peter Deunov e Omraam Aïvanhov, Lanza del Vasto, Bede Griffiths, John Blofeld (dos melhores sobre o Taoísmo), ou ainda orientais como Rabindranath Tagore, Kalil Gilbran, Sri Aurobindo, Paramahamsa Yogananda, Ananda Coomaraswamy, Gurudev Ranade e Gopinath Kaviraj, Swami Yogeshawaranand Saraswati, Dalai Lama e Trungpa Rimpoche (com a sua crítica ao “materialismo espiritual” contemporâneo), ou os mais populares Shivananda e Vishnudevananda, Sri Anandamurti, Sri Chinmoy, Mahesh Yogi, Guru Marahaj e Osho. 
Do Extremo Oriente nipónico, Daisetsu Teitaro Suzuki, iniciando a partilha maior do Zen, e George Oswava, Michio Kushi e Tomio Kikushi, estes abrindo a ligação à macrobiótica, ao Yin e o Yang e aos cinco elementos chineses, e daí a acupunctura e o shiatsu, que se juntaram às bio-energias e outras terapias corporais, para libertarem as pessoas de muita rigidez e condicionamento.
A partir destes catalizadores, uns bem mais sãos, profundos e verdadeiros que outros, foram-se  gerando ondas de despertar individual a vários níveis, com muitas pessoas a melhorarem, a expandirem os seus conhecimentos, a curarem-se e a vivenciarem níveis mais profundos e subtis de si e do universo.
Daí que tenha surgido, como tu dizes, um arco-íris multifacetado, por vezes fascinante mas também com muitos aspectos claramente de superficialização, comercialismo, manipulação e alienação, algo que neste século XXI tem predominado devido à difícil sobrevivência a que as pessoas estão submetidas, ao crescente desassossego e uma certa ausência de discernimento profundo dos melhores valores e caminhos. Disto resulta as pessoas poderem ficar enlaçadas ou presas em pseudo-instrutores ou mesmo pseudo-mestres e iluminados, como hoje em dia tanto formigam, em especial na USA e nos domínios da não-dualidade, do Advaita, mas também no Brasil e na Europa, ou ser-se explorado e iludido com tanta variedade de canalizações, merkabas, reconexões, regressões, coachings, leituras de aura e curas quânticas...

AP – Há pois, no teu entender, a necessidade de termos bastante cuidado nas abordagens nova Era e espiritualistas?

PTM – Sim, cuidado, discernimento e coragem, pois em muitos dos grupos os participantes estão iludidos ou mesmo vigarizados por instrutores pouco harmonizados e realizados humana e espiritualmente,   meramente papagueando o que os fundadores deixaram por escrito (e que frequentemente é incomprovável, ou os autores de que mais gostam ou lhes dá mais jeito, muitas vezes achando que detém a verdade e que não podem ser questionados. E sair de tais grupos, onde em geral se fazem muitas amizades, é difícil, pois há vários medos...
Temos de nos manter atentos e discernir bem o que é que cada pessoa realizou dentro de si, tem em si. Quais são as energias predominantes, quais as ligações que ela tem mesmo aos mundos espirituais e subtis, ou a que entidades, e quais serão consequentemente os efeitos que vai ter dentro de nós um ensinamento qualquer, uma associação a uma pessoa, instrutor ou mestre. Discernirmos se tal instrutor está mesmo a impulsionar-nos na harmonização psico-somática, na realização espiritual e na ligação divina, ou se está a encher-nos a mente de fantasias, ou de grandes esquemas mentais e a prender-nos, desviar-nos da nossa verdadeira realização...
"Nem tudo o que luz é ouro", diz o nosso provérbio popular, e onde se fala muito de amor, de grandes iniciações, canalizações, mestres ascensos, pleidianos, frequentemente são apenas miragens, ilusões, manipulações colectivas a que as pessoas se entregam ou se deixam enredar e quase hipnotizar, em vez de se unificar, libertar, harmonizar, plenificar...
 

domingo, 20 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 4ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota por António Paiva.

Avançamos para a quarta parte da entrevista contida no livro "O Rosto e a Obra,  12 entrevistas pelo António Paiva", editado pela Espiral.....
 
António Paiva. – Achas portanto, que as pessoas normais no mundo, que não estão demasiado envolvidas nas suas religiões, cada vez menos crêem nas doutrinas, livros e mesmo nos profetas e filhos de Deus?

Pedro Teixeira da Mota - Sim, as pessoas mais evoluídas, com a consciência já mais desperta, expandida, tendendo ao universal ou também à não-dualidade, ao darem-se conta de tantas limitações e barbaridades feitas em nome de religiões começam a tentar aprofundar outras formas de religação consigo próprias e os outros, com seu espírito, com a Ordem do Universo, com a Divindade, sem estarem dependentes de tantos intermediários desequilibrados ou impuros, seja em livros, pessoas ou concepções e ritos...                                   Podemos pois considerar que mestres, movimentos e grupos espirituais, no seu melhor, têm aprofundado as metodologias de auto-conhecimento e os modos de viver e de se ter uma alma harmoniosa, mais apta à religação com o espírito e com o Divino e que já não estão tão dependentes dos mitos e crenças do passado, de cultos e rituais ligados com tradições ultrapassadas e saudosismos inférteis, ameaças e promessas dualistas e radicais.

AP - Não haverá perigos de as pessoas ficarem numa terra de ninguém e poderem logo ser exploradas por gurus e grupos manipuladores, e acabarem por ficar pior de que quando eram meras ovelhas e carneiros?

PTM - Sim. Esta modernidade de abertura plena a todas as doutrinas, vias e técnicas, e já pouco submetida a dogmas, pode gerar muita mistificação e basta olharmos para muitos ensinamentos transmitidos por “canalizadores” ou médiuns, frequentemente ditos como provindo de anjos, de mestres ascensos, de seres extraterrestres mas que no fundo são bastante mais incursões no inconsciente do que leram ou ouviram, ou então fragmentos que entidades invisíveis lhes transmitem, explorando-os a certos níveis.                           Casos típicos deste tipo de nova Era libertadora superficializante e mistificadora, encontramos nos livros de Neale Donald Walsh, que clama mesmo ser directamente de Deus que recebe, embora numa linguagem tão corriqueira como tendenciosa, em Silvya Brown que dava mensagens do Anjo da Guarda da pessoa por uns tantos (não pouco) dólares ou ainda nos que canalizam uma entidade Kryon, para não falar de outros "canalizadores e decretadores", frequentemente evocando os mestres e mestras ascensos, que Elizabeth Claire Prophet reinventou a partir dos já mitificados mestres que teriam estado em contacto na Índia com Helena P. Blavatsky, uma ocultista também algo mistificadora em certos aspectos, mas que continua a ter os seus fervorosos seguidores apesar de terem sido expostas algumas das suas menos correctas afirmações, autorias e metodologias, entre outros, por Vsevolod S. Solovyov e Réne Guénon, este com o seu Le Theosophisme, histoire d'une pseudo-religion, de 1921, tal como já fizera com o Espiritismo. 
       René Guénon, um crítico da quantidade que mata a qualidade, e das contra-iniciações...
Uma patranhice de reinvenções celestiais foi a lançada pelo francês que se drapejou com o nome de Haziel, com os seus anjos kabalistas, e que tanto alastrou no movimento da nova Era e no Brasil, e em autoras como Doreen Virtue (que depois se veio a arrepender e a renegar esse passado de nova  Era, convertendo-se a Jesus), ou na brasileira Monica Buonfiglio, e que ainda hoje é seguida por muita gente convencida que cada dia do ano é regido por um Anjo, a quem se pode dar ordens, e que quem nasce nesse dia o tem como o seu Anjo da Guarda. Embora passando por tais patranhas, a sociedade livre e dialogante acabava frequentemente por abrir os olhos e ajudar tais pessoas a saírem dos enredos e a evoluírem, pelo que nos anos 80 era frondosa e esperançosa a miragem da nova Era, com tantos “seres luminosos” activos, tantos seminários e, colóquios, tantas comunidades fermentando, tantas profecias de datas fabulosas acontecendo.                                             Todavia, as constantes crises que foram sendo lançadas pelo sistema mundial financeiro e político imperialista, dirigente e opressor, acabaram por diminuir os rendimentos da classe média, e as possibilidades de despertar e de interessarem-se mais por uma vivência harmoniosa e plena na vida em todas as suas dimensões. Por outro lado as propostas e práticas não deram muito resultados bons e visíveis, dada a proporção elevada de instrutores pouco desenvolvidos ou apenas sérios em muitos grupos esotéricos, de curas, de magias, de teurgias, de kabalas, de gnoses, de templários ou mesmo de seitas mais radicais e perigosas que volta e meia vieram ao conhecimento do grande público por motivos trágicos.                                        A última gota de água ou, se quisermos, um tsunami, está a ser o misterioso Corona de 2020, algo mortífero e que, gerido por forças opressivas e políticos frequentemente ineptos ou vendidos, está a enfraquecer bastante a convivialidade humana, as economias médias e muita da actividade ligada à cultura, aumentando fortemente as formas de controle, repressão e escravatura da humanidade.                                       A nova Era grandiosa que se prevera para 2000, 2005, 2011, 2015 e 2020 aparece afinal como uma nova Era orweliana, nada utópica, nada espiritual e por isso mesmo apelando à nossa luta vitoriosa, através do trabalho interior e de redes ou grupos activos.

António Paiva – Mas, apesar de tudo, não és opositor das movimentações de New Age e admites aspectos fascinantes?

Pedro Teixeira da Mota – Fascinantes não será expressão que use. Mas considero que o New Age, no seu início e nos melhores aspectos, enquanto movimento anti-mecanicista, holístico e espiritualizante de busca universal do conhecimento pode considerar-se ter raízes históricas na época do sincretismo hermetizante de Alexandria e no Renascimento e Humanismo dos séc. XV e XVI, com as suas vertentes de reunião das várias tradições (a Philosophia Perenis ou Prisca Theologia), e de valorização do estudo, da palavra e dignidade humana, tão presentes em Marsilio Ficino e Pico della Mirandola, de tal modo que a tradução da obra completa de Platão para o latim em 1487 foi considerada como abrindo uma nova Era para o Ocidente. 
                   Marsilio Ficino, o pioneiro tradutor de Platão, Plotino e dos textos Herméticos
Tais tendências e aspirações estão presentes nos rosacruzes ou rosicrucianos do séc. XVII, e no magnetismo, ocultismo, espiritismo, teosofia e vinda de mestres indianos para o Ocidente, no séc. XIX, começa a desabrochar nos anos trinta e quarenta do séc. XX, com a física moderna, e um relacionamento maior da ciência, da filosofia e da espiritualidade, com bons pensadores e mestres a fomentarem uma busca intensa de mais conhecimento sobre a consciência e a mente, a alma e o espírito. 
Nos anos 70 e 80 tal floresce em numerosos grupos, institutos e eco-comunidades, tal como Auroville, Findhorn e La Borie Noble, de Lanza del Vasto ou, mais recentemente, Taizé, e infinitos eventos, como o festival Le Monde que nous Choisissons, em 1983, na Bélgica, onde estive, entre muitos outros com valor que se realizaram nos mais diferentes domínios de procura e experimentação de uma visão e paradigma mais holístico da inter-relação da ciência, da filosofia e da religião ou espiritualidade. 
   Lanza del Vasto. discípulo de Gandhi e Vinoba. A sua Peregrinação às Fontes está traduzida.
Portanto, nos seus melhores representantes é a continuidade ou o afloramento do dinamismo ao longo dos séculos de indivíduos e grupos dentro da igrejas, das várias religiões e movimentos, ou simplesmente dos meios culturais, artísticos e científicos, que procuraram aprofundar, melhorar e diversificar o que se tinha tornado visões já não conformes à realidade, doutrinas petrificadas, ritualismos ineficazes, crenças e hábitos limitadores da expansão de consciência e da melhoria das vivências da humanidade.                                        A partir dos anos 60, ao mesmo tempo e em ligação com os hippies, com uso de drogas psicadélicas (no que se destacarão Jack Kerouac, Timothy Leary, Ram Dass e, já a um nível mais recente da psicologia transpessoal, Stanislav Grof), com os movimentos pacifistas contra a guerra do Vietname, com as buscas comunitárias, o paradigma desse livre e multidimensional conhecimento generalizou-se, democratizou-se e entrou-se bastante no campo da psique, dos estados alterados de consciência, no crescimento pessoal, este todavia por vezes mais egóico do que espiritual e libertador. De tal modo que muito do que era esotérico tornou-se exotérico, exterior, público o que se em certos aspectos é bom, todavia, inevitavelmente, sem o controle da antiga relação de mestre a discípulo, sem a qualidade verdadeiramente interior, sem provações iniciáticas e  sem grande discernimento atingido, ainda por cima com tanta quantidade de oferta e de propaganda, tal conhecimento e as pessoas que o obtêm ou alcançam superficializam-se ou são enganadas com muita frequência. A história do ocultismo, do esoterismo, dos movimentos da nova Era, de crescimento pessoal e novas seitas está cheia de mistificações...

sábado, 19 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 3ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota por António Paiva.

Avançamos para a terceira parte da entrevista contida no livro O Rosto e a Obra,  12 entrevistas pelo António Paiva, editado pela Espiral..... Pintura de Bô Yin Râ.
«António Paiva – Relacionas esse sentido de vastidão senão tanto a uma ideia de anterioridade da nossa existência mas mais à tão portuguesa saudade?

Pedro Teixeira da Mota – A saudade é um sentimento complexo, com raízes tanto inatas como possivelmente dos povos que passaram na Península Ibérica, e que, como sabes, na tradição cultural portuguesa desenvolveu-se desde os trovadores, sendo o rei D. Duarte o primeiro a especulá-la filosoficamente, e que vai encontrar depois em Camões um notável cultor pelos desterros da sua vida e amores, tendo mais tarde em Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Fernando Pessoa, teorizadores grandes, em particular Pascoaes. De certa forma eles constituíram um núcleo de filosofia e de gnose Portuguesa, a dado momento quase uma forma de religião, na qual a Saudade foi vista como a memória de um estado paradisíaco original e simultaneamente um desejo e esperança de retorno a tal.                                                                                       Todavia, na dimensão do quotidiano, seja dos seres que trilharam os Descobrimentos seja dos seres que emigram, desenvolveu-se na saudade frequentemente uma aura algo sofredora do que se perdeu, do que ficou para trás. E não há a dinâmica de aspiração e de certeza para o futuro que poderia caracterizar mais luminosa e verdadeiramente a saudade, no sentido de um fogo de amor que embora não estando realizado está-se a caminhar para ele, pode-se actualizar.                                                                                         Por exemplo, no Fado tão tipicamente português ainda que se discutam as suas origens, houve artistas de grande qualidade e sensibilidade, mas talvez 70 ou 60% das suas letras ecoam a saudade, explícita e implicitamente, e em geral com o choradinho e a tristeza e sem a dimensão da afirmação unificadora do presente com o futuro, o que deve ser realizado pelo seu nível interior da alma-espírito imortal, interconectada, confiante, aspirante.                      Ora é a saudade, enquanto memória e antevisão amorosa da ligação que transcende as distâncias do tempo e espaço ou dos seres humanos separados, que será fundamental reconhecer, sintonizar e cultivar. Assim, a falta sentida pelos que emigraram para outras terras ou que já partiram para o além, deveria ser contrabalançada por ensinamentos e práticas espirituais que permitam às pessoas não já chorarem ou sofrerem por alguém desaparecido, mas passarem ao contacto supra-físico, espiritual, pela meditação e pela comunhão no coração, algo que aliás muita gente sente subconscientemente e as pessoas mais piedosas ou místicas obtêm com regularidade no seu coração, nem que seja como gratidão a Deus...                                Parece-me ser esta uma linha importante a ser desenvolvida, essencial até para que a nossa tradição espiritual possa ser aprofundada e actualizada não só em colóquios, comunicações e livros, como tanto se têm feito, mas em esforços interiores e momentos de maior sensibilidade e unidade.  
 
A.P. Explica melhor ainda o que desejarias que fosse mais realçado e aprofundado na saudade, algo que foi tão importante na tradição portuguesa?

P.T.M. - Embora devamos relativizar os exageros sentimentalistas e tristes do saudosismo presentes em muitos poetas e escritores nos últimos duzentos anos, há que reconhecer o valor potencial do cerne mais elevado da saudade que é o desejo e eventual capacidade da unificação dos opostos, seja do passado e do futuro, seja o que foi amado e já não está presente, o que está no alto e no baixo, num sentir que aprofundado nos seus aspectos mais elevados ou expandidos pode gerar a intuição, o pressentimento, a comunhão, que unem, ou pelo menos religam, o que está separado.                    A saudade pode transformar-se assim numa capacidade de comunhão directa supra temporal e supra espacial com os seres que amamos. É um desafio à nossa mentalidade colectiva e que alguns grandes seres já trabalharam, ainda que com limitações, tais como referimos Antero de Quental, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa. Também Leonardo Coimbra, por exemplo, com a obra escrita após a morte do seu filho, Da Morte e da Imortalidade ou, nos nossos dias, Dalila Pereira da Costa, que via imagens duma memória arcaica ou de locais, a qual irrompia também em sonhos e audições e que sentia saudades dum Paraíso ou estado anterior de unidade com Deus, algo bem difícil de se conseguir... 
AP - E como vês actualmente entre nós, o esoterismo, a espiritualidade? 
 
PTM – Modernamente, em Portugal, a busca de aprofundamento do conhecimento do ser humano psico-energético, de alternativas de vida mais holísticas, de esoterismo, de iniciação e de espiritualidade, fora das religiões tradicionais, ocidentais ora orientais, mas também dentro delas, apesar da continuidade de movimentos como os espíritas, os teósofos, os antroposóficos, os rosacrucianos, recebeu contributos de movimentos denominados da nova Era, desenvolvidos sobretudo a partir dos anos 1960 nos Estados Unidos, com uma componente maior psico-somática e de potencial humano, e na Europa, a França estando até mais próxima de nós e através das obras de Louis Pauwels, Jacques Bergier, e de revistas como a Planète, CoEvolution, 3ª Millenaire, e já nos anos 90, L'Originel, onde ainda colaborei no nº 8 de 1997.                                          Acreditou-se, em sintonia com uma era astrológica do Aquário em que se estaria a entrar, após os cerca de 2000 dos Peixes, numa nova era, que segundo alguns se caracterizaria por buscas de realização pessoal numa convergência de múltiplas metodologias sem estarem limitadas pelas religiões institucionais e pelos meios e poderes conservadores das sociedades, que permitiriam a emergência de novos paradigmas na ecologia, ciência, na educação, na política, na psicologia, na filosofia, na religião e na espiritualidade.               Com os instrutores, mestres, movimentos e investigadores que foram surgindo alargou-se bastante tanto o acesso a todas as tradições e livros como às referências cognitivas do sagrado, do subtil e do espiritual, em grande parte recorrendo-se ao Oriente e apropriando-se das suas teorias, práticas e cosmovisões mais interdependentes, a que se acrescentaram explorações no campo dos estados de consciência alterados, nos domínios parapsicológicos (de que hoje Dean Radin é um dos bons investigadores e com quem ainda dialoguei  num dos congressos da Bial, no Porto) e nos mapeamentos de estruturas arquétipas da psique humana, nomeadamente com a alquimia, a astrologia, o Tarot, o I Ching, o simbolismo da arte e dos sonhos, etc. Talvez possamos concluir que muitos se dispersaram e uns poucos verdadeiramente se realizaram mais espiritualmente.                                                                    Gerou-se então uma clara e valiosa libertação da dependência quase exclusiva do paradigma tão patriarcal, e separado da Natureza, do Catolicismo-Protestantismo, e em especial do que vinha do Antigo Testamento, onde energias muito violentas, provindas da concepção tribal e primitiva hebraica de Deus, mesmo na síntese que se foi fazendo com o ensinamento libertador do mestre Jesus, limitaram bastante a espiritualidade mais verdadeira que poderia emergir.     Tal acabou por ficar entregue ao longo dos séculos a algumas comunidades ou movimentos, a místicos e mestres espirituais, enquanto os restantes fiéis semanalmente, na missa dominical ou, no caso dos padres e religiosas, diariamente, ouviam os Salmos e outras leituras violentas de relatos de mortandades tremendas atribuídas a Deus e aos Anjos.                                                                                A missa, que deveria ser uma celebração mágica operativa, invocadora das bênçãos dos santos, anjos, Jesus e Deus, e a sua comunhão mística através da hóstia, ou simplesmente da receptividade interior, tornou-se um ritual algo monótono e repetitivo, apesar da mudança das leituras no ciclo anual, dependendo ainda e muito da qualidade da homilia e da vibração e realização espiritual do sacerdote, sendo muito raro podermos sentir e dizer: o sacerdote está a conseguir, ou conseguiu, sentir, aspirar e atrair as bênçãos espirituais e divinas.                                               Um dos aspectos fracos do Catolicismo, tanto mais que agregou a si influências do Judaísmo que, em muitos textos, negava a imortalidade espiritual, era a doutrina sobre a vida depois da morte e, por isso, sobretudo a partir do séc. XIX, houve muitas reacções, a mais conhecida sendo o espiritismo e depois a dos grupos ocultistas, teósofistas, antroposóficos, rosacrucianos, para nos nossos dias, com a livre rédea dada a todo e qualquer pseudo-instrutor da nova Era, serem ilimitados os mestres e grupos, mensagens e canalizações, que tentam com maior ou menor clarividência e verdade, clarificar (embora frequentemente seja apenas explorar), a identidade integral do ser humano e do seu caminho no post-mortem.                               Na realidade eram muito limitadas as doutrinas da vida depois da morte consagradas no Cristianismo, tal como a da crença no descansar em paz até à mistificante ressurreição final dos mortos, ainda por cima em corpos físicos, e que a ser verdade levantava a questão de que com que idade e quantidade de cabelos se apresentariam, como alguns alvitraram...                                        Neste aspecto, o Espiritismo, ainda que com muitos defeitos ou perigos, fraudes e mistificações, agitou no final do séc. XIX e começo do séc. XX um vácuo quanto à afirmação clara da sobrevivência dos seres em corpos subtis após a morte, chamando a atenção do grande público por vários meios, frequentemente enganadores mas que eram consolação para muita gente que pensava estar em contacto com os seus entes queridos desencarnados... Também a crença de se poderem receber mensagens de grandes seres, santos ou mestres, e sobretudo de Jesus, através de médiuns ou “canalizadores”, gerou receptividade a conselhos morais e fraternos, entusiasmantes e luminosos, que não eram certamente de Jesus nem de outros misteriosos mestres, mas também permitiu que muita patranhice fosse debitada ou escrita, de tal modo que se chegou gracejar, face às escritas automáticas ou às mensagens recebidas, dizendo-se que os escritores famosos perdiam as suas qualidades quando passavam para o outro lado e transmitiam mensagens.         O crescimento exponencial de pessoas em movimentos e grupos alternativos de saúde, de esoterismo, de energias, de paganismo e de religiões orientais tem-se acelerado recentemente pelo facto da crença geral nas três Religiões do Livro ter vindo a diminuir pelos acontecimentos tão violentos que se têm passado na Terra Santa e no Médio Oriente, quer com o radicalismo dos extremistas islâmicos, em grande parte fomentados pela Arábia Saudita, que tem matado barbaramente milhares de inocentes, quer pelos extremistas israelitas, particularmente por causa dos sionistas que estando à frente dos governos de Israel desenvolveram e apoiaram uma mentalidade no exército e nos colonos de total desrespeito pela vida humana, praticando fria e deliberadamente o genocídio do povo Palestiniano.                                                                                     Ora para muitas pessoas, a base cristã, ou mesmo judaico-cristã, da religião, tão visível ainda nas leituras e orações da missa católica, que já tinha tido as suas páginas negras inquisitoriais, com este acréscimo actual de mais negatividade é cada vez menos valorizada ou aceite, enfraquecendo-se assim a aceitação do catolicismo, do cristianismo ou mesmo das três religiões do Livro, tão interligadas nas suas histórias e profecias, pese a bondade, humildade, ecologia e universalidade das encíclicas mais recentes, ou os sucessos de movimentos evangelistas de cariz muito básico emocional, que tem o seu expoente máximo num enganador Edir de Macedo e a sua Igreja do Reino de Deus.                                                                      Mesmo o mestre Jesus, de uma sublimidade e amor imensos, tem sofrido com isso e já não é apenas a divindade única ou exclusiva de Jesus, abandonada pela maior parte dos grupos esotéricos, como o seu próprio acolhimento e exemplo a sofrer, algo trágico pois na realidade é como estarmos a presenciar uma segunda morte de Jesus, da qual se poderia mesmo considerar, por exemplo, o primeiro ministro israelita Benjamim Netanyahu, tão violento no genocídio palestiniano quanto agarrado corruptamente ao poder, como o Anti-Cristo principal do séc. XXI, ainda que ele seja secundado por muito sacerdote, pastor, médium, instrutor ou guru que vigariza, explora, engana seja sob o nome de Jesus, ou mesmo em seu nome ou, se quisermos ainda, ao assumir-se como porta voz de Cristo, do Logos, o que não é verdadeiramente ou com quem não está suficientemente ligado, em tal estado consciencial elevado...

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 2ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota por António Paiva.

                                          

António Paiva deu à luz, na editora  Espiral, o livro O Rosto e a Obra, com doze entrevistas a pessoas ligadas à new age, astrologia, ocultismo, esoterismo, espiritualidade. Realizadas oralmente em 2014, com limitações, os entrevistados foram convidados em 2019 a ampliá-las e eis um livro com  contributos valiosos. E como ele constatou uma venda confinada lenta, eis-me a partilhar mais algumas páginas d' O Rosto e a Obra, um bom presente de Natal...

«António Paiva – Mas tens reconhecido algumas memórias, energias ou partículas que te cumpra salientar? Uma herança ou um desafio que esteja presente nos teus dias de hoje?

Pedro Teixeira da Mota – Nós recebemos vários tipos de heranças, uma genética, familiar, mas não só de cromosomas e biológica mas também das tais forças anímicas ou psíquicas, com muitas nuances, desde tendências a aspirações e que se manifestam nos campos das actividades, gostos, cultura, religião e espiritualidade, além de uma herança ou contribuição dos campos psicomórficos, geográficos, ambientais e temporais que nos envolvem local, nacional e planetariamente.                                                                                 Embora a minha abrangência e sensibilidade tenda ao universal, e por isso (e também como resultante) peregrinei bastante, a base nacional é portuguesa, do Entre Douro e Minho e lisboeta, e religiosamente cristã. Mas familiarmente, pelos meus pais, e mais pelo lado Noronha da minha mãe, existiam ligações à Índia, pois desde a 1ª viagem de Vasco da Gama que houve antepassados a realizar tal união e a partir do começo do século XVIII houve um ramo que estabilizou na Índia, tendo a minha avó ainda nascido em Panjim. 

Portanto, é natural haver algo profundo no inconsciente, fruto de memórias genéticas e das tais forças anímicas, e que presente no meu ser terá contribuído para sentir um apelo do Oriente, o qual me levou a aprender judo, karate e depois Yoga, com o pioneiro prof. António Pedro, e a interessar-me pela sabedoria indiana. Quando terminei o curso de Direito, face a um súbito convite no centro da Europa, após umas conferências espirituais, parti para a Índia à boleia e vivi, da primeira vez, três meses, regressando por terra e, depois, fazendo o mesmo, para um novo ano. Bastante mais tarde voltei a viver outro ano na aura indiana, metade em Calcutá.              Esta afinidade com a Índia pode portanto ser genética, e também o resultado de transmissões de subtis forças anímicas e ainda das leituras (tal como em jovem a da vida ou Evangelho de Sri Ramakrishna e a Autobiografia de um Yogi, de Paramahansa Yoganananda), afinidades e ressonâncias sem que tenha de ir para o determinismo de vidas anteriores e de reencarnações pessoais.

Penso que podemos ter características provindas de passagens por outros níveis de vida no Cosmos e do tipo do nosso afastamento da ligação Divina, não sendo pois obrigatório explicar as nossas características, o nosso karma, pela reencarnação ou metempsicose na Terra.                                                                                               O Cosmos é tão multidimensional que podemos passar para outras dimensões e não termos de fazer um percurso tão prolongado como geralmente se entende no processo de reincarnações, por vezes imensas e tão mirabolantes, tal como clarividentes, ou melhor pseudo-clarividentes, têm descrito, nisso se distinguindo o teósofo Charles Leadbeatter, que arrastou atrás de si a presidente da Sociedade Teosófica Annie Besant, distinguindo-se nas fantasiadas vidas anteriores de Alcyone ou Krisnamurti, e tendo ainda hoje muitos seguidores ou imitadores mistificantes, sempre a verem reincarnações de altas personalidades, ou a canalizarem mensagens de nível fraco e contudo de autorias pomposas.                             Penso que, com humildade e aspiração, será melhor não nos deslumbrarmos com reincarnações nem nos limitarmos com o sobreviver animal mas sobretudo realizarmos o que sentimos poder fazer de melhor e de mais valioso - a nossa missão - e simultaneamente tentar atingir o máximo de evolução espiritual possível, pela vida abnegada e justa e pela abertura e comunhão com a nossa identidade real e os mestres e anjos e a Divindade.             Deste modo não nos iludiremos com as patranhas hipnotizantes dos outros que estão, ou se dizem estar no Caminho, ou dos meios de informação, e não nos agarraremos às coisas que gostamos mais na Terra, que nos interessam mais ou que gerámos, e estaremos assim mais despreendidos e livres quando chegar a altura de partir.               A procura da verdade em relação à alma e espírito mostra-nos ainda que o espírito, a centelha divina, é o observador, e está acima dos prazeres e dores, da atracção e repulsão, sendo a alternância destes pares de opostos o que caracteriza mais a vida da alma, com os seus conflitos e sucessos, e o que leva a personalidade e o corpo atrás de si.                                                                                                        Nos momentos de meditação e de desprendimento, os opostos em nós, tal como medos e desejos, serenam, acalmam e deixam vir ao de cima a tão necessária visão interior. Assim fortalecemos a nossa identidade espiritual, desidentificamo-nos das aparências e dos contrários e vamo-nos alinhando e fortalecendo para entrar mais luminosos no mundo espiritual.                                                     Embora estejamos quase todos envolvidos no que se passa mundialmente, nacionalmente, familiarmente e nas nossas vidas individuais, devemos contudo desprender-nos de tais laços e cultivar na consciência estados mais silenciosos e puros e até mais cósmicos. Isto foi chamado pela tradição perene, desde o tempo dos órficos e pitagóricos, “saber morrer em vida”, donde derivava também o dito “morrer é ser iniciado”, que entre nós Antero de Quental, Joaquim de Araújo e Fernando Pessoa glosaram, poetizaram, como tenho destacado em alguns artigos no blogue. A Arte de bem morrer, foi outra linha de trabalho interno desenvolvida a exemplo das outras religiões no Cristianismo  e que por exemplo Erasmo de Roterdão ensinou com qualidade numa ou outra obra, tal como eu refiro na tradução que fiz, com Álvaro Pereira Mendes, do Modo de Orar a Deus, acrescentando-lhe extensos comentários e uma biografia deste notável humanista, tão moderno e exemplar na sua lucidez crítica, piedade douta e independência... 

                                    
Somos todos peregrinos de um cosmos divino, do qual sabemos pela ciência dos níveis infinitesimais de partículas, ondas e anti-matéria, ou pela astrofísica das suas dimensões galácticas, mas que  graças às meditações, às intuições e ao que os grandes seres nos dizem ou transmitem poderemos sentir, intuir e contemplar nos níveis psico-espirituais, interiores e subtis.»

                                         Pintura de Bô Yin Râ

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

A noite de Rumi e da sua união divina. Aniversário da sua morte 17-XII-1273. Com música.

 O grande mestre espiritual Mawlana Jallaludin Muhammad Balkhi Rumi, na noite de 17 de Dezembro, mas de 1273, deixou o corpo e a terra física, em Konya, e elevou-se para os mundos espirituais, onde certamente Sham de Tabriz e outros mestres e sábios o esperavam e saudaram, na fraternidade dos Irradiantes da Luz Primordial e na comunhão com a Divindade.


Nascera em Balk na Pérsia, em 30 de Setembro de 1207, duma família já de seres dedicados à busca espiritual e religiosa, pois o seu pai era discípulo da linha do mestre Najm al Kubra (grande teorizador das cores vistas na meditação), e é considerado um dos maiores mestres sufis de sempre, tendo deixado uma vasta obra de poesia amorosa-espiritual, o Masnavi, em persa, que atravessará os séculos. Fora inspirado fortemente pelos poetas espirituais Attar e Sanai e depois pelo discípulo-irmão de coração de Shams de Tabriz, de tal encontro e amizade resultando vários ghazals, poemas, reunidos no Diwan Shams Tabrizi. 
 
Viajou ou peregrinou bastante pelo seu país natal o Irão, e também  Iraque,  Síria e Turquia (actuais...), encontrando-se, dialogando e meditando com muitos sufis, e fundou a Ordem Mevlana, de derviches, em Konya, na Turquia, onde ainda hoje o seu ensinamento se perpetua e celebra, bem como em várias partes do mundo. E muito da sua vibração e bênção está  no fabuloso mausoléu dele e dos seus discípulos, aonde eu peregrinei e meditei há já uns anos, vindo por terra da Índia, e sentindo bem fortemente o infinito e invencível Amor divino que o animou e em nós pode também ser vivenciado...
Oiçamos um dos seus poemas no vídeo final, que pode pôr já a tocar, bem cantado por Sina, e leiamos este excerto do Masnavi, numa  tentativa de tradução minha:

              «Tu cansas-te com as dez prostrações na oração
enquanto eu faço quinhentas.

Uma pessoa peregrina descalça até à Ka'aba
Enquanto outra desfalece para chegar a mesquita próxima.
O estado unificado espiritual eleva a pessoa acima da lei
 
Por vezes o meu estado assemelha-se a um sonho,
E este meu sonhar parece a outros infidelidade.
Sabe que embora os meus olhos estejam semicerrados, o meu coração está desperto.
O meu corpo, apesar de descontraído, está pleno de energia.

O Profeta disse: "Os meus olhos dormem
Mas o meu coração está desperto com a Divindade."
Os vossos olhos estão abertos mas o vosso coração está demasiado adormecido.
Os meus olhos estão fechados, mas o meu coração é uma porta aberta.
O meu coração tem cinco sentidos por si mesmo.
Estes sentidos do meu coração vêem os dois mundos.

Que uma pessoa
como tu cheia de dúvidas não me censure:
O que que é uma noite para ti é um dia pleno para mim,
O que é para ti uma prisão é para mim um jardim.
O que é uma trabalheira para ti é uma alegria imensa para mim.
Os teus pés estão na mirra, enquanto que para mim a mirra é rosa.»


Eis uma escolha final de alguns dos seus ditos perenes ou imortais:

«É no campo de batalha que dançam e rodopiam os homens. É no seu próprio sangue que eles rodopiam». 
 

«O ser de Deus está para além da infidelidade e da religião. / Para o ser de Deus o certo e o errado são iguais».
    «O peixe que conhece a água não volta à terra».
                  «Olha para a face do Amor, para que possas ser verdadeiramente um ser humano». 
 
 Saibamos então meditar e sentir mais em nós o fogo do Amor divino em que Mawlana Rumi e seu amigo Sham de Tabriz tanto arderam, deixando-nos uma vidas, obras e correntes tão límpidas, intensas e luminosas...

                 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Bede Griffiths, um dos mestres da aproximação do Hinduísmo e Cristianismo e da metafísica do Ocidente e Oriente. Com um filme da sua vida, "A Human Search".

Bede Griffiths, nasceu em 1906, no Surrey, Inglaterra e, após algumas dificuldades familiares mas já com grande abertura ao Divino na Natureza, impulsionado até pela leitura dos poetas românticos, tal William Wordsworth e a religião cósmica, conseguiu entrar na universidade de Oxford em Literatura e Filosofia, tenho estabelecido uma boa relação com o importante filósofo católico C. S. Lewis. Saiu licenciado em jornalismo, mas na época da grande recessão entrou antes num ano de regresso à natureza em comunidade com dois amigos, com vacas leiteiras e a leitura da Bíblia e literatura cristã, sentindo forte o chamamento à vida religiosa. Enviaram-no para uma missão de trabalho nos bairros mais pobres, que se tornou tão difícil  que o levou a ter uma experiência de conversão forte ao Amor divino.      
Nascido numa família protestante e algo anti-católica, encontrou apoio na obra do cardeal Newman, que se convertera de protestante em católico, para vencer a oposição da mãe e e as suas dúvidas e entrar em 1931 na Ordem Beneditina, atraído também pelos seus suaves cânticos gregorianos e os ritmos das sete vezes de oração diária, sendo ordenado como sacerdote  beneditino em 1940.                        De 1947 a 1955 orientou alguns mosteiros e foi o mestre hospedeiro de um deles onde encontrou um psicoterapeuta discípulo de Carl G. Jung que conhecia bem a literatura espiritual indiana e a meditação, introduzindo-o nesse mundo. Será porém através do padre  europeu Appalat, descendente duma família de Kerala, e que queria abrir um mosteiro na Índia, que decidiu entrar na aventura indiana. 

                 Jules Monchanin e o "jovem" Bede Griffith ladeando um bispo

              Três beneditinos pioneiros do diálogo e síntese vivencial e interior hindu-cristã: Monchanin, Abhshikananda e Bede Griffiths.

Após as tentativas em três lugares do sul da Índia, em zonas outrora evangelizadas pelos portugueses, e tendo  já assumido o estatuto de sannyasi, de monge renunciante a todas as identificações, e vestido à indiana de ocre, tal como os da época dos Descobrimentos Roberto da Nobili e  S. João de Brito,  em 1968 entra no ashram Sat Chit Ananda (Ser Consciência Felicidade), fundado em 1950 por dois monges beneditinos, os franceses Dom Henri Le Saux, que tomou o nome de Abhshiktananda (Ungido na Felicidade), e o abade Jules Monchanin (swami Parama Arubi Anandam),  e manterá vivo esse ashram cristão, também denominado como local Shantivanam (Abóbada de paz), perto de Tiruchirapalli, que se tornará um ponto de peregrinação e vivência comunitária para muita gente: quando lá passei o Natal, estava também a secretária do cardeal D. Helder da Câmara, bem como alguns peregrinos ou yogis ocidentais. Anote-se contudo que já em 1941 havia mais de uma dúzia de ashrams cristãos importantes, a partir da acção de Sadu Sundhar Sing, Rev. C. F. Andrews e do "Rethinking Group of Madras".                          Escreveu mais de uma dúzia de livros sobre as semelhanças e a unidade entre o Cristianismo e Hinduísmo (em especial a Vedanta), e destacarei os que li quando estava no seu ashram: Return to the Centre, de 1976, e New Vision of Reality. Western Science, Eastern Mysticism and Christian Faith, de 1992 (em cujo prefácio agradece a influência maior de Fritjof Capra, e ainda de Ken Wilber, Rupert Sheldrake e Michael von Brück). Foi bastante longe (na linha dos seus dois predecessores) na realização e compreensão da unidade espiritual e científica subjacente às religiões e à realidade, colaborando no crescente diálogo inter-religioso mundial na sua longa vida de 86 anos, estando bastante gravado e preservado em vídeos, e poderá vê-lo no final deste texto no filme que lhe foi dedicado e que é uma autobiografia e testamento espiritual. 

Foi após um ataque cardíaco forte em Janeiro de 1990, e uma cura-recuperação algo miraculosa num mês (entregando-se à Mãe Divina, como ele narra, após ter ouvido interiormente...), que fez a sua última viajem pela Europa e pela USA. Quando regressou em Outubro de 1992 tinha a equipa de realização do filme, que pode ver no fim, à sua espera. Uns dias depois de findarem as filmagens teve outro ataque de coração e pouco depois, significativamente a 13 de Maio de 1993, deixava a Terra. E digo significativamente porque ele se abriu e entregou bastante ao princípio Feminino Divino, que tem em Maria uma das suas manifestações mais veneradas, e que em Portugal e no mundo é celebrado fortemente a 13 de Maio, acrescentando por curiosidade, que num  anoitecer no ashram cabendo-me partilhar alguma canção portuguesa, lá consegui entoar a parte inicial do "a 13 de Maio na cova de Iria..."
Baseado
no precededente do neo-platonismo de Plotino adaptado pelos cristão S. Gregório de Niza e Dionísio Aeropagita, Bede Griffiths considerava que seria bom desenvolver-se uma espiritualidade cristã-indiana, recorrendo à imensa sabedoria indiana, que considerava de uma profundidade superior à grega, tendo a estudado bastante e citando-a constantemente em todas as suas obras, em especial extractos dos Upanishads e da Bhagavad Gita. Valorizava, como dissemos, o aspecto feminino de Deus, que considerava faltar na religião católica e tentando ultrapassar a oposição da vida activa e vida contemplativa, simbolizada nos Evangelhos nas duas irmãs e discípulas próximas de Jesus, Marta e Maria, dir-nos-á: «A contemplação é um hábito da mente que permite à alma manter-se num estado de recolhimento na presença de Deus qualquer que seja o trabalho em que está ocupado». E assim havia todos os dias, além das meditações, orações e cantos em comum, o Karma Yoga para os visitantes do ashram. Entre os trabalhos que me couberam, um deles foi pôr sal em covas junto às palmeiras que se tinham plantado junto a um frondoso e invulgar eucaliptal, nas margens do  belo e inspirador rio Kavery...                                                                         Com ele dialoguei algumas vezes, quando passei esse mês no seu ashram, em que tanto as actividades do dia a dia, como as leituras religiosas na missa e as celebrações  e canções diárias combinavam bem o cristianismo e os contributos indianos, que ele com grande sinceridade estudava e demandava na sua busca ou já mesmo apenas partilha da sua síntese e realização filosófica, religiosa e espiritual... 

Já em Portugal recebi um postal dele, no belo portal do ashram, no qual dá valiosas respostas a algumas perguntas minhas: «Querido Pedro. Obrigado pelo seu postal. Estamos mantendo-nos aqui todos bem, e muitos visitantes, como o Pedro, tanto chegam como vão. Sim, eu veria em Jesus a suprema manifestação de Deus no ser humano, mas reconheço outras manifestações em Budha, Rama e Krishna e noutros homens santos. De facto, há na manifestação - uma imagem- de Deus em cada ser humano e Cristo é a perfeita imagem de Deus nos seres humanos na qual todos encontram satisfação ou realização (fulfilment). Com os melhores votos para os anos que vêm, seu sinceramente em Cristo, P. Bede...» 

O filme, embora em inglês para quem não o saiba, tem imagens muito belas da vida rural e religiosa ainda típica, e da fusão do hinduísmo e cristianismo, no sul da Índia...            Aum Amen Hum!