A Veritas, revista de Iniciação nas Sciencias psiquicas, educação moral, intelectual e social, fundada em Abril de 1921, foi editada por Armando d'Araújo, e seu director e proprietário era Jacinto d'Assunção, publicando-se pelo menos até Agosto de 1922. No 1º número, como que em editorial ou programa dos trabalhos, sob o título Veritas, mas anonimamente, lemos: «Esta publicação é destinada a espalhar a doutrina do Bem, da Verdade e da Justiça. Vem modestamente, para expôr noções, factos e argumentos aquilo que entendemos ser a verdadeira Lei, que deve ser tida em consideração por todo o ser humano que pretender encontrar o verdadeiro caminho a seguir: o caminho da Felicidade.
Tudo quanto aqui se expuser, será feito sem sombra de pretensões dogmáticas, nem desejo de ofensa a qualquer crença estabelecida. Só rendemos culto à Verdade, mas também é certo que temos um respeito inquebrantável pelas convicções alheias. O nosso trabalho é dedicado aos que vivem no sofrimento e na desorientação, e que em busca dum destino melhor se vão afastando do verdadeiro caminho. Procuraremos fazer com que possam escutar a voz da sua
Consciência, e tentaremos reacender em suas almas imersas na Dúvida, a luz benéfica e redentora da Fé. A esses pois em especial, se dedica todo o nosso esforço, toda a nossa boa vontade e todo o auxílio que as nossas forças permitirem prestar-lhes.
Aos outros nossos irmão que, já esclarecidos com o Conhecimento, demandam a largos passos a estrada da Vida, pedimos, com o maior empenho, nos deem por sua vez os ensinamentos próprios de seus espíritos mais adiantados, ajudando assim não só a aumentar a esfera do conhecimento, mas também a auxiliar a evolução daqueles que, mais atrasados, os não podem acompanhar.»
Ora nos seus dezassete números encontramos tanto bons artigos como valiosos excertos ou máximas de grandes seres, entre os quais se destacam Jesus, Sócrates, Pitágoras, Krishna e Tolstoi, este como podemos ler logo na primeira página dos números 1º, 3º, 6º e 13º o que está de acordo com a forte aceitação e influência nos meios mais progressistas da época: socialistas e anarquistas ou libertários, naturistas, vegetarianos e espiritualistas, e destacaremos Jaime de Magalhães Lima e Antero de Quental. E como estamos a atravessar uma época muito conturbada nas relações dos povos europeus, nomeadamente muitos dos seus governos, oprimidos pela tonta e submetida da direcção da União Europeia, contra a Rússia, nada melhor que relembrar grandes almas russas e seus perenes ensinamentos, supra-nacionais e circunstancias, e assim ressuscitá-las para o nosso convívio e para a elevação da mentalidade geral, tão manipulada e limitada...
Oiçamos então Tolstoi, num excerto dos Conselhos aos Dirigidos: «Bastava unicamente que a lei:"fazei aos outros o que queres que te façam", ou "não faças aos outros o que não querias que te fizessem" fosse aceite, para que a concórdia e a felicidade tivessem uma realização efectiva.
Se as consequência do seu exacto cumprimento são benéficas e variadas, é porque ela regula todas as relações dos homens entre si e substitui por toda a parte e discórdia e a luta pela concórdia e o mútuo auxílio.
Que os homens se libertem dos embustes que lhes ocultam [este princípio do karma e do Amor], que reconheçam esta lei divina como obrigatória e decidam a sua aplicação em todas as circunstâncias da vida, e a ciência mais importante, útil a todos, mas que nos falta actualmente, surgirá em todo o seu esplendor e permitirá resolver todos os conflitos, tanto individuais como sociais. Se esta ciência estivesse fundada e elaborada, se as crianças e adultos a aprendessem, como modernamente aprendem superstições incoerentes e ciências muitas vezes inúteis e até nocivas, toda a vida
humana, e por consequência as condições aflitivas em que hoje vive a grande maioria dos homens seriam radicalmente transformadas».
No 3º número encontramos então de novo Tolstoi como mestre original e revolucionário do cristianismo, num excerto das Últimas Palavras, que já abordámos neste blogue: «Que deve fazer um faminto quando não tem que comer? Trabalhar, procurar-se alimento. Ora da mesma sorte que o alimento não vem por si só, o reino de Deus, que é como quem diz a vida moral dos homens, também por si só se não estabelecerá. É preciso trabalhar para isso. E, para tal fim, convém, antes de tudo, deixar de cometer o maior mal, causa primária da má vida dos homens, - assassínio.
Para pôr um termo a esta obra nefasta, pouco é preciso. A consciência da incompatibilidade do assassínio com a natureza humana, está já suficientemente espalhada pela maioria do mundo cristão».
No nº 6, de Setembro de 1921, novo excerto das Últimas Palavras, editada entre nós, com tradução de Francisco Barros Lobo e com grande circulação, onde Tolstoi acentua a necessidade de adoptarmos uma concepção e uma regra de vida justa, ética ou mesmo religiosas, religante de nós, com os outros em fraternidade, e em comunhão com a Natureza e o Todo:
«Admiram-se os homens de que a sua vida seja feita senão de miséria e dor: como poderia ser de outro modo? Uma organização social pode ser imperfeita numa sociedade em que os costumes se afastam do ideal indicado pela moral religiosa; pode sê-lo igualmente quando essa moral contém obscuridades ou é falsamente interpretada. Mas que vida, não direi que moral, simplesmente ordenada, pode haver numa sociedade sem religião, isto é, sem uma concepção determinada da vida e uma regra de conduta que dela derive?
Na China, na Índia, no Japão, entre todos os povos, que consideramos, como povos bárbaros, a vida pode organizar-se dum modo mais ou menos razoável. Se não possuem como nós, fonógrafos, automóveis, aviões, casas de muitos andares, montanhas de papel impresso e outros produtos da nossa civilização, têm em compensação uma lei religiosa reconhecida pelo maior número, uma regra de conduta que dela resulta, e que eles observam como um dever sagrado; enquanto que nós, cristãos, estamos cercados de uma quantidade de objectos inúteis, muita vezes prejudiciais, que constituem o que orgulhosamente chamamos civilização, faltando-nos a coisa sem a qual a vida não é vida, mas uma existência apenas
bestial, - a lei suprema reconhecida por todos, explicando o sentido da vida humana e indicando a regra da nossa conduta».
Os últimos pensamentos tolstoianos dados à luz pelo grupo de espiritualistas que nos anos de 1921 e 1922, partir da sua sede lisboeta na rua da Fábrica da Pólvora, 16, 1º, entre tantos artigos valiosos de estímulo moral, psíquico e espiritual, a maior parte deles anónimos ou sob pseudónimos (Glaucus, Martha, Modesta, Sirius, Gerardo, etc.) ou iniciais (tal C. T., valiosos), com excepção de José António Salgado e Maria Genoveva França, surgem após uma citação de Jesus e antes de uma de Marco Aurélio, e o que se lê fecha com chave de ouro a antologia que nos ofereceram, pois vemos Tolstoi, embora admitindo considerar-se o ser humano como um animal, reconhece nele uma parcela do universo infinito, ainda que não explique, ou não saiba exactamente, como é parcela, ou que tipo de parte ou partícula do Universo e mais ainda da Divindade, palavra esta que contudo Tolstoi não assume, seja por traumatismos com a Igreja Ortodoxa que o chegara a excomungar, seja por desilusão em relação à concepção de Deus do Cristianismo, tão limitada pela herança de tão nacionalista e vingativo Jehová, ou ainda porque nos últimos anos se abrira mais ao Extremo Oriente, talvez mesmo ao Tao, preferindo usar a palavra Todo. Há contudo concomitantemente na sua obra expressões de uma relação íntima pessoal com a Divindade, na esfera do sentir. Mas oiçamo-lo: «O ser humano pode considerar-se como um animal entre os animais, vivendo o dia de hoje; pode considerar-se como membro de uma família ou de um povo cuja vida dura séculos; pode e deve mesmo (porque a isso o arrasta fatalmente a razão) considerar-se como uma parcela do universo do universo infinito, que vive eternamente.
Eis a razão porque o ser humano pensador estabelece sempre, além das suas relações com os fenómenos imediatos da vida, a relação com o mundo infinito, no espaço e no tempo, inacessível, portanto, ao seu entendimento, mas que se lhe apresenta como um grande Todo. E esta relação entre o homem e o grande Todo insondável, de que ele se reconhece uma parcela, e que o guia nos seus actos, é o que se chama Religião. Eis porque a religião tem sempre sido, e não pode deixar de ser, a condição da vida do ser humano reflectido [ou mais consciente] e da humanidade que pensa. A verdadeira religião é o laço que une o ser humano à vida ínfima [e íntima] que o cerca, e que o liga a sua própria vida ao Todo impenetrável» [ou sempre tão insondável quão aprofundável].
Livros, Arte, Amor, Religião, Espiritualidade, Ocultismo, Meditação, Anjos, Peregrinar, Oriente, Irão, Índia, Mogois, Japão, Rússia, Brasil, Renascimento, Simbolismo, Tarot, Não-violência, Saúde natural, Ecologia, Gerês, Nuvens, Árvores, Pedras. S. António, Bocage, Antero, Fernando Leal, Wen. de Morais, Pessoa, Aug. S. Rita, Sant'Anna Dionísio, Agostinho da Silva, Dalila P. da Costa, Pina Martins, Pitágoras, Ficino, Pico, Erasmo, Bruno, Tolstoi, Tagore, Roerich, Ranade, Bô Yin Râ, Henry Corbin.
sábado, 16 de abril de 2022
Tolstoi na "Veritas", revista de Iniciação nas ciências psíquicas, educação moral, intelectual e social, de há cem anos...
quinta-feira, 14 de abril de 2022
Aum Mani Padme Hum. Mantras. Om Sri Gurabe namah. Texto e vídeo....

Há muitas propostas de tradução e sobretudo de associações psico-espirituais, nomeadamente com cores, planos ou níveis da realidade microcósmica e macrocósmica, destas quatro palavras e seis sílabas, embora a base possa ser simples e nesta minha aproximação não tanto numa linha budista: Aum ou Om, é o som, vibração e palavra mais invocadora e aproximadora da Divindade, da perfeição, do infinito, o chamado pranava, que se considera incluir a totalidade dos sons e exprime a sua vibração e passagem pelos três mundos (físico-A, subtil-U e espiritual-M), podendo ser tanto uma invocação espiritual e divina, como do divino em nós; Mani, é a jóia preciosa, o tesouro, a centelha espiritual; Padme é a flor de lótus, o vaso, o receptáculo, a alma; e Hum é um som final de completude, realização e unificação, bastante vibratório sem dúvida. Por vezes ainda se acrescenta o som semente Hrih, seja da Compaixão infinita, seja o de concretização no agora e aqui.
| Aum, em branco; Ma, verde; Ni, amarelo; Pad, azul; Me, vermelho; Hum, escuro; Hrih, claro.. |
Se o Aum é uma invocação da Realidade Primordial, dos grandes seres do mundo espiritual, do Todo ou mesmo do Ser Divino, abrindo-nos a tal, o padme pode ser sentido e visto como a tradição, ensinamento ou alma em si, ou referir-se aos chakras ou a um chakra, que acolhe ou contém mani, a jóia preciosa que simbolizara seja o ensinamento, ou o vazio, shunya, ou então a verdade ou, o que proponho, na linha do ensinamento de Bô Yin Râ e dos mestres do Dwaita Vedanta e dos Humanistas do Renascimento, o espírito, ou seja, a consciência espiritual.
O mantra é então uma prática de yoga, de oração, de proteção e em especial de harmonização psíquica, e por isso os dois sutras iniciais de Patanjali dizem-nos Yoga citta vritti nirodha. Tadâ drastuh svarupe avasthanam, (1-Yoga é o controle das ondulações mentais. 2 - Então a consciência pura estabiliza na sua própria natureza) podendo assim aproximar-nos
ou unir-nos ao espírito que está dentro e no alto de nós e, em sintonia
e com as bênçãos dos grande seres e deidades, permitir-lhe a ele inspirar-nos
ou irradiar para os outros e o mundo. Ao ser um instrumento milenário,
ou como eu chamo um psicomorfismo, o mantra, impregnado de certas
energias subtis e despertando-as em nós, liga-nos com tais linhas ou correntes de força na alma
ou corpo místico da humanidade, e nomeadamente com algum mestre
ou deidade a que estejamos ligados por iniciação ou devoção, ou a que
se está associado familiarmente, ou a que se pode ter acesso.
A associação prevalente ou mais conhecida deste mantra é ao bodhisattva Avalokisteshvara, cultuado no Extremo Oriente como ser feminino, a grande Deusa da Compaixão infinita, denominada Kuan Yin, na China, ou Nyoirin Kannon no Japão, como vemos numa bela escultura do séc. XVII, representada (no Metropolitan Museum) como nyoirin, portadora da roda (rin) da vida e do Dharma ou Lei, e da cintamani, a jóia, ou realização, que tudo concede ou alcança.
terça-feira, 12 de abril de 2022
Nadia Baggioli reabre a galeria Novo Século, com uma exposição da 1ª parte do seu acervo pessoal
A mítica galeria Novo Século, fundada em 1985 e dinamizada durante mais de 30 anos pelo Carlos Barroco e a Nadia Baggioli, estabelecendo pontes entre a pintura tradicional, os objectos, os vídeos, a arte popular, os brinquedos e a escultura, reabriu as suas portas, após cerca de três anos encerrada. Só o grande amor à arte da Nadia é que conseguiu suplantar a partida da Terra do Carlos Barroco (1946-2015), o Covid e os seus lockdowns, a renda cara e a diminuição do poder de compra de muita gente que vai a par do novo culto super-efémero das imagens no instagram e outras redes sociais e logo a desvalorização da obra real e presencial.
E em boa hora decidiu expor nesta reabertura peças do seu acervo pessoal, e quatro pinturas de Francisco Couto, duas destas para venda, tais como também algumas do acervo.
Que obras destacaremos, dos 16 artistas, alguns bens conhecidos como a Graça Morais, o Caseirão, a Isabel Sabino, o Tschalé Figueira, o Victor Belém, a Luísa Ferreira, a Isabel Sabino, Marcia Luças, etc., nós que durante muitos anos estivemos em várias exposições animadas ou nas casas por onde passou, em luminosas convivências, das quais muitas memórias e fotografias sobreviveram, algumas ainda registadas neste blogue, tal como a exposição "O Amor é cego"?
Talvez devamos destacar e partilhar antes de tudo três obras do Carlos Barroco, sempre tão alegres, frescas, irónicas e amorosas:
Outras das obras de Carlos Barroco, em que se respira o seu amor pela comunicação, as cartas e postais, a gente amiga e que ele tanto cultivava, e contagiava, como veremos em seguida...
Em seguida destacaremos outro amigo de longa data, o Romualdo, que expôs muitas vezes na Galeria, e a sua pintura de um homem diante de um anta em algum tipo de meditação ou adoração, obra que certamente a Maria de Fátima Silva, apreciará muito já que está próxima das suas...
Um
dos grandes amigos do Carlos e da Nadia é o Leão Lopes notável artista e
ceramista de Cabo Verde, que foi mesmo ministro da Cultura. Esta
magnífica escultura em barro, qual axis mundi, destaca-se pela estrutura-textura e pelos tão
harmoniosos e rítmicos padrões tradicionais cabo-verdianos.
A sala nova da Galeria, outrora apenas escritório e depósito de muitos brinquedos, pinturas, jogos e esculturas do Carlos e da Nadia, acolhe-nos, bem rodeados, para lembranças e esperanças, tudo dinamizado pelo Amor invencível, e que mesmo cego é clarividente.
Quem está também representada na sala nova da Galeria é a Gina Martins, com um dos seus valiosos trabalhos sobre chapa de zinco, uma coroa indiana, com várias figuras desenhadas e gravadas no metal segundo uma técnica bem trabalhosa, já explicada neste blogue
A esta exposição, seguir-se a 2ª parte da coleção da Nadia, e certamente se justificará a nossa visita, de Quintas a Sábados, das 14 às 18, à rua do Século, e o diálogo sempre agradável e criativo com ela, como podemos ver nas fotografias...
terça-feira, 29 de março de 2022
Um dito de Jesus bem actual: - Vim trazer fogo, espada e divisão à Terra e quero que ela arda. O Evangelho de S. Tomé nos nossos dias.

16. «Disse Jesus: Sem dúvida pensam os homens que eu vim para deitar a paz ao mundo e não sabem que vim lançar divisões na Terra, o fogo, a espada, a guerra. Cinco, com efeito, serão numa casa, e três serão contra dois, e dois contra três, e o pai contra o filho e o filho contra o pai, e eles estarão de pé como solitários.»
As diferenças entre elas são pequenas, a versão de Tomé não inclui porém a relação discipular, pela qual a ligação ao mestre, ou ao que ele vive, incarna ou intermediariza, é mais forte que qualquer outro vínculo, provavelmente porque noutros ditos do evangelho de S. Tomé tal é de facto transmitido.
Em S. Lucas, XII, 50-53, encontramos as mesmas ideias e imagens, embora antecedidas duma bela afirmação: «Eu vim trazer o fogo à Terra e quero que ele arda», realçando depois que não é a paz mas a divisão que traz. E assim aconteceu ao longo dos séculos, e até aos nossos dias a espada, seja da polémica seja da guerra, não deixou de estar em acção. O nosso Erasmo, que esteve no cerne da união da sabedoria greco-latina e cristã, e das polémicas do séc. XVI e da Reforma, escreveu nesse sentido uma obra intitulada Enchiridion Militis Christiani, que significa tanto um manual como um punhal, do cavaleiro ou militar cristão, onde ensinava a ganhar a batalha pela iluminação ou salvação da alma, sendo um sucesso grande na época. Algo desse saber publiquei na tradução comentada da sua obra Modo de Orar a Deus.
Na versão do Evangelho de Tomé, mais do que "o seguir o mestre", que será adoptado pelo catolicismo, e algo explorado até por vezes, surge antes o estar isolado, solitário, livre dos laços e manipulações familiares e sociais, e é bem compreensível no ensinamento de Jesus Cristo, se pensarmos que ele, como mestre, veio para erguer os seres verticalmente, isolá-los ou libertá-los das relações horizontais que os alienam e devolvê-los à sua consciência autónoma, ética, dinâmica e espiritual de filhos ou filhas emanados de Deus, e não só os discípulos de então, mas todos os que o acolherão, ou o seu amor libertador, num devir histórico no qual, como ele terá previsto, muitos contudo se oporão a muitos...
É um revolucionário, um despertador espiritual, quem fala e age. A História da Humanidade não será mais a mesma, tal como se passara com a vinda de Zaratustra, Krishna e Buda no Oriente, ou Maomé nos países árabes. A sua impulsão foi poderosa e ainda o é e, embora exteriormente os grandes feitos arrefecessem no Cristianismo, aqui e acolá há ainda construções e clarões na noite, tais os actos ou vidas de certos místicos, sacerdotes, santos, freiras ou fiéis, ou as manifestações mais humildes sacrificiais de tanta gente simples em vidas duras e abnegações grandes...
Mas a mensagem fermenta eternamente, porque dentro de nós se pronuncia a todo o momento, enquanto tónica ou essência do ser e do mundo espiritual e divino em cada um e na humanidade terrena, mesmo vibrando em consciências ateias ou agnósticas, apelando à justiça, à verdade e ao amor libertador.
Podemos perguntar, quem está de pé, verticalizado?
Serão os bons e dos maus, os do amor e os do ódio, ou, se quisermos, os que aspiram seja a Deus e à sua ordem e solidariedade, seja a uma humanidade natural e livre, e os que se opõem à manifestação de tal e querem uma nova ordem artificial desumana?
Talvez no fundo a mensagem do mestre Jesus tenha sido mais simples do que pensamos: descobre o teu ser espiritual e de amor e vive libertadoramente, só que a sociedade moderna consumista, mediática e tão manipulada tem-se tornado de tal forma gigantesca e absorvente, e é tal a carga que recebemos e a luta pela sobrevivência que enfrentamos, que poucos conseguem recolher-se dentro de si mesmos, ou seja, poucos conseguem esvaziar-se, desprender-se e sentirem-se a si próprios, veramente Espíritos individualizados e alinhados com a sabedoria e amor que constituem a nossa essência, potencial e meta, e assim fortificarem-se para resistir aos cinzentismos opressivos de governos, grupos e novas ordens artificiais...
Quanto ao reino do Céu na Terra (e que aliás era interior e "já estava no meio de vós", no dizer de Jesus), se o equacionamos a uma paz geral planetária isso vai demorar certamente muito a estabelecer-se, pois demasiados líderes e políticos, e os que os apoiam e manipulam, ainda estão no egoísmo, falta de visão e violência, e até com grande inconsciência e irresponsabilidade nos seus intuitos de manipularem e oprimirem a Humanidade. Tal contudo não deve impedir a nossa postura e modo de vida verticalizante, alinhado ou orientado por princípios e fins éticos e espirituais e no qual, de quando em quando, nos erguemos mais intensamente unindo Céu e a Terra, o supra-consciente e o consciente, comungando com o fogo divino do Amor que Jesus lançou ou manifestou mais na Terra, comungando-o com outro ser ou outros seres, e partilhando-o em discernimento clarificador, tão necessário face ao ocultamente ou distorcimento das causalidades dos acontecimentos e conflitos que nos rodeiam ou pesam.
sexta-feira, 25 de março de 2022
Swami Premananda Tirtha. A alma é imortal e há uma vida depois da morte conforme o que realizarmos e fizermos... Aum...
O mestre bengali Swami Premananda Tirtha, naturalmente, na vida (1871-1959) meditou bastante a morte, numa linha transversal às várias tradições espirituais da humanidade, algumas das quais geraram mesmo valiosas Artes de Bem Morrer, ou Livros de Mortos ou de Transição para a Luz, tais como os gregos, os egípcios e tibetanos, Entre nós, no Ocidente cristianizado, com as vivências e os ensinamentos ascéticos dos eremitas e depois de sucessivos religiosos e religiosas (e Maria Madalena, meditando a evanescência da vida e a certeza da morte, seria erguida a musa de tais atletas asceto-espirituais), houve aproximações libertadoras à morte e foram-se gerando artes de bem morrer, entre as quais destacaremos a de Erasmo, e seus Adágios desenvolvida no Homo bulla. Com a Contra-Reforma ortodoxa católica tais linhas foram mantrizadas e sistematizadas nas meditações dos 4 Novíssimos: Morte, Julgamento, Céu e Inferno, os quais se podem resumir no imaginarmos que morremos hoje, no que nos sucederia se fossemos julgados ou nos avaliássemos, e em que zonas do cosmos interior e subtil estaríamos, convidando-se assim a choros, arrependimentos e conversões, certamente com algumas explorações desnecessárias ou excessivas identificações ao passado e à personalidade, em vez de se demandar a gnose do espírito, exactamente tão praticada na Índia...
Homo bulla. O ser humano é um bolha de sabão, ou é como uma criança inocente e transitória rumo à morte mas também ao além...
Em Portugal, literariamente, o século XIX foi muito rico em aproximações poéticas à morte, vindas dos românticos e ultra-românticos e mesmo já com os modernos da geração coimbrã, e cristalizou em Soares dos Passos, António Nobre e por fim Antero de Quental, este certamente o que mais meditou e poetizou filosoficamente a morte, caminhando até para ela voluntariamente, e deixando-nos alguns sonetos bem valiosos, tal o Amor-Mors, ou o Com os Mortos, quer termina com estes dois tercetos:
«Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,
Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.»
Depois dele, e na sua esteira de glosador também da frase grega Morrer é ser Iniciado, encontramos Fernando Pessoa, autor de numerosos fragmentos e poemas em que afirmou ou especulou a imortalidade espiritual e a vida das almas. Em 2013 reescrevi um artigo sobre tal que está neste blogue: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2013/11/da-imortalidade-na-vida-e-obra-de.html
Ora a tradição indiana tão rica nesses conhecimentos e demandas mostra-nos que na sua evolução ao longos dos séculos brotaram e estratificaram-se alguma crenças e ideias que foram depois sendo repetidas e assimiladas, gerando-se costumes e rituais, mitos, doutrinas e gnoses. Pois Swami Premananda Tirtha (1871-1959, e que temos trabalhado) desde que nasceu nesse mundo de espiritualidade milenária vai partilhar as suas vivências e compreensões ao longo da sua vida de mestre servidor da libertação das pessoas, ajudando-as a compreender melhor a sua identidade espiritual e os seus possíveis caminhos no além.
Certamente que face ao grande mistério da morte e do outros níveis da realidade, só um louco, um convencido, um aldrabão, ou então pelo contrário um iluminado dotado de plena visão nos três mundos, é que poderá estar certo do que se passa, e assim, calmamente, Swami Premananda foi transmitindo em satsangas ou conversas e sobretudo por cartas o que viveu, recebeu, leu, ouviu, deduziu, sentiu e viu.
Conta-nos também que com a morte da sua mãe, quando só tinha nove anos, teve pouco depois um sonho forte de encontro com ela que lhe deu a certeza que ela era mesmo uma alma imortal, ainda que certamente não saberemos até quanto a vivência pessoal onírica depende do campo unificado energia consciência indiano e que, portanto, se tivessem nascido em Portugal não seria de outra forma mais individualizada e localizada e não tanto não-dual ou omnipresente, a vivência que teve da alma da mãe nesse sonho, já relatado por mim num dos artigos anteriores.
Sabemos que desde cedo usou os cemitérios e zonas crematórias para meditar na impermanência
da vida e vencer o medo da morte e o apego à vida, tal como faziam
muitos yogis e monges indianos. E sobre tal disse: «Os que cometeram poucos actos errados e compreendem Deus como ser compassivo e cheio de amor, abraçam a morte com alegria. Os espirituais de todos os povos sempre viram a morte como um meio de se atingir Deus e aceitaram-na com alegria. O local da prática espiritual dos yogis tântricos é o cemitério. Com a ajuda da imagem do cadáver, eles transformam o seu próprio corpo como um cadáver, para propiciar Shiva - a Deidade Primordial. O seu preceito ou regra é: " Morre antes da morte para alcançares o estado de sem morte". A essência de tudo o que disse antes é que o conjunto causal do medo da morte é ignorância, descrença em Deus e excessivo apego ao mundo ou à mundanidade.»
Também em certas cartas e em especial na sua última mensagem escrita antes de partir, lida e comentada já em vídeo, inserido no primeiro artigo que lhe consagramos, ele é adamante na consciência da sua imortalidade e mencionaremos apenas agora o primeiro dos três parágrafos, tão belo: Hoje quero dizer apenas uma coisa a todos os meus amigos e mães. A condição deste corpo tem já desde há algum tempo a ir a baixo e é possível brevemente ouvirem dizer que já não existe. Mas eu nunca morrerei. Eu nunca falei falso. Eu afirmo enfaticamente que estarei vivo mesmo depois que este corpo se for. Quem acreditar em mim, encontrar-me-á próximo de si e numa forma mais bela e doce. Mas eu estarei morto para os que pensarem que eu morri»...
Acolhamos então agora extractos de duas das suas cartas: «Na morte de uma pessoa normal, só o corpo físico é deitado fora mas na morte de pessoas já realizadas ou libertas, os três corpos físico, subtil e causal são abandonados e atinge-se a absoluta identidade com o Supremo Ser.
[Talvez esta absoluta identidade não seja tão absoluta e antes mitigada, senão a pessoa desaparecia, mas tal é a crença de algumas das filosofias e religiões indianas, pelo o que para nós Ocidentais parece um pouco de hubris (auto-avaliação exagerada) - a identidade absoluta com a Divindade, e antes admitamos ou acreditemos que haja então uma ligação, comunhão ou unidade maior com Ela - já para Swami Premananda, é natural e faz-lhe sentido tal identidade absoluta realizável e que ele aliás sentia bastante em termos de coincidência consciencial com a omnipresença do Espírito.]
| O Anjo guiando a alma rumo aos planos mais luminosos e divinos... |
Desejos propensões, apegos, associações mentais, violência e ódio são as características da mente e residem no corpo subtil. Assim quando o corpo físico é abandonado, as características mentais não o são nem sofrem qualquer mudança. Quanto ao estado em que a alma desencorporada estará e o que fará, tudo depende do que foi ela atingindo em terra. Aqui o atingir é usado no sentido de que moldou em vida, elevando-se a si mesma, tentando chegar à perfeição e estar animado por boa vontade ou benevolência. Assim uma pessoa sóbria, benevolente, sábia e devota desfrutará de beatitude depois da morte e uma pessoa que não se conseguia conter, cruel e maliciosa sofrerá dores. Não pode haver dúvidas quanto a isto. O Vishnu Purana diz que depois da morte as pessoas justas vão para o céu e as que não foram justas para o inferno. A definição de céu e inferno foi assim dada: o estado alegre ou beatífico da alma é o céu, e o estado contrário, quando uma pessoa se sente infeliz, é chamado o mal ou inferno. Na Bhagavad Gita, XVI-21, kama, luxúria, krodha, iritação e lobha, ganância, foram descritos como os três portões do Inferno. São os impedimentos à manifestação da alma e foi recomendado que devem ser descartados, ou seja o desejo sexual violento, a irritação, e a ambição gananciosa devem ser mantidos sobre controle rigoroso.»
Finalmente, numa carta a uma mãe a quem o filho pequeno morrera, depois lhe explicar como somos seres imortais e que deixamos o corpo chegada a hora para passar para planos subtis e que apenas nos agarramos demasiado ao que é transitório e de lhe contar, como exemplo, uma história de Krishna com o seu irmão Balaram, pede-lhe para tentar compreender que «quem parte está presente subtilmente algures e em mais paz, embora para entrar em contacto com ele o poder da visão subtil tem de ser desenvolvido, e sem esforço, não se consegue obter o fruto do esforço. Ao chorarmos e lamentar-nos, tornamos as nossas nervosas mentes ainda mais inquietas e causamos dor à alma que partiu».
Explicando-lhe depois como antigamente, desde a infância se ensinava às crianças «para imaginarem ou conceberem o divino sem forma que está representado numa imagem, ou para pensarem que a alma está dentro do corpo», e como outros ensinamentos eram dados quanto ao casamento, nomeadamente como Krishna e Radha, estão em nós ou o somos, de modo a que tal auto-consciência acontecesse nas almas, e frutificasse na firme consciência de que o corpo físico era apenas um revestimento exterior, e a alma o mais essencial, vai afirmar a essa mãe, reiterando a compaixão pela a dor imensa que ela sente, que ele pede «na sua oração à Divindade misericordiosa que lhe abra a visão subtil interior e que lhe acalme o coração desfeito» e lhe dê paz. E logo a seguir, e terminaremos este texto com tal parágrafo da carta de Premamanda Tirtha, longo mas bem actual, já que fala das mortes inesperadas, diz-lhe e diz-nos:«Talvez a mãe me diga que não tem nada contra a morte, mas que não deveria haver mortes prematuras. Eu acredito firmemente que se vivêssemos de acordo com as leis Divinas, se não tivéssemos tornado as nossas vidas tão não-naturais e artificiais, se o nosso país e sociedade não tivessem sido toados pela ausência de sobriedade e de semelhança divina, não haveria tantas mortes prematuras. (...) Nos tempos antigos não aconteciam tantas mortes extemporâneas na Índia. Se os Ocidentais praticassem mais controle da energia sexual e rectidão, em simultâneo com as regras de saúde, então não ocorreriam tantas mortes prematuras como agora. O tipo de vida que muitos indianos levam hoje e o facto de haver ainda muitos com longas vidas, deve ser provavelmente o fruto de modos de vida luminosos ou feitos gloriosos dos nossos antepassados, pois de outro modo, face a tanta vida desequilibrada ou depravada, já deveríamos estar destruídos...»
Agradecendo e saudando luminosamente no corpo místico da humanidade ao Swami Premananda Tirtha, concluamos com o último parágrafo das suas "Últimas Palavras" : As pessoas que me limitam a um corpo, não sentirão a minha existência quando este corpo tiver acabado. Mas eu nunca estarei longe daqueles que, acreditando que eu sou uma alma sem corpo, focarão a sua mente nas minhas ideias intimas e moldarão as suas vidas de acordo com elas Eles sentirão sempre a minha proximidade e depois da dissolução do corpo, sentir-me-ão ainda mais próximo». Aum, Amen. Saibamos assim comungar mais no ser espiritual que somos, Sat Chit Ananda...
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| Ornamento de Bô Yin Râ, o Espírito.... |
quinta-feira, 24 de março de 2022
Swami Premamanda Tirtha. Sri Krishna, Avatar, o amor de Deus. Uma carta de Hardwar, 13.7.1903, levemente comentada por Pedro Teixeira da Mota
As aproximações de Swami Premananda Tirtha (1871-1959) à religião e espiritualidade indiana, e em especial a Krishna, Radha, Rama, etc., são bastantes e valiosas, e merecem ser traduzidas e meditadas. Vamos traduzir uma carta escrita em Hardwar, em 1903, com certa originalidade, sobre o conceito hindu de avatara, algo não dos tempos dos Vedas mas já das Purana, e que significa descida ou manifestação divina, e que swami Premananda amplia e estende aos princípios e ideias que passam ou descem dos mundos subtis e se concretizam nos actos e vidas:
| Dois avatares de Vishnu: Krishna e Radha. Amor Divino neles, em nós e na polaridade... |
«No Universo encontramos duas linhas de força ou estados: Abstracto ou espiritual, e concreto ou físico. Na criação ou emanação Divina, no código da Natureza, há uma perfeita congruência ou harmonia entre estas duas correntes. O que originalmente estava no pensamento, manifesta-se correspondentemente na forma e na acção. Os princípios abstractos mencionados nos Vedas concretizaram-se nas vidas concordantes dos Rishis. Aquele ser, através do qual um conceito particular ou princípio desenvolvia-se plenamente, era considerado como um avatar, a personificação de tal princípio. "É melhor sacrificar a sua vida por causa da verdade, de que difamá-la ou ignorá-la" - este princípio espiritual concretizou-se na vida de Sócrates. [Noutras cartas swami Premananda também designa Sócrates como um avatar, uma manifestação divina. Também eu nos meus estudos da Grécia, do Pitagorismo, do Platonismo e do Humanismo cheguei a uma conclusão próxima: Sócrates foi um Cristo, um ungido pelo Alto, e viveu e morreu pelo amor e a verdade lúcida e abnegadamente. Neste sentido iam até os humanistas da Academia Platónica de Florença, que oravam mesmo a Sócrates, sob estas palavras que Marsilio Ficino e Erasmo nos transmitiram: Sancte Socrate, ora pro nobis!]
Os princípios espirituais mencionados na literatura Vaishnava foram personificados plenamente na vida de Krishna. A palavra Krishna significa aqui o estado mais elevado da Divindade concebido e não uma pessoa particular.
Krishna [Aquele que atrai] significa o Espírito supremo (Paramatman), e Radha [a Amada-Adorada] o espírito individual (Jivataman); as Gopi [ou pastoras], as correntes de pensamento. Manjari [a devota principal ou o estado mais devoto] as vibrações da respiração [e nisto valoriza bem a respiração psico-espiritual consciente]. Asuras [os demónios], as más tendências, Devatas [os anjos ou deidades], as tendências correctas, Vrindavan [a cidade onde nasceu Krishna], o estado de identidade máxima com a Divindade. [Anote-se que noutras cartas deu mais interpretações valiosas sobre Krishna, nomeadamente significando, pela raiz krish, atrair, aquele supremo Ser que está constantemente atraindo a Si e aos seus planos espirituais maravilhosos todos os seres vivos, nomeadamente pelos cinco sentidos e, claro, a meditação e a devoção amorosa.]
Os rishis [sábios videntes] captaram na realidade estes segredos antes do advento de Krishna e ficaram felicíssimos de verem a manifestação concreta das verdades abstractas, que já tinham antes realizado, na vida de Krishna.
O Deus dos hindus é omnipresente. Um verdadeiro hindu está como que obrigado a aceitar Cristo, Maomé, Buda, e todas as almas libertas ou emancipadas de todos os países, como incarnações de Deus. Um devoto de Deus, sem se ter em conta as castas ou as religiões, é merecedor da veneração dos hindus. O mais alto objectivo da vida humana é dar o máximo de possibilidade a Deus de se manifestar através de si. O próprio Deus é dinâmico em manifestar-se a Si próprio; o dever do ser humano é remover, através de esforços-sacrifícios e propiciações os obstáculos à sua Manifestação. Se Deus não quisesse manifestar-se, quem ousaria manifestá-lo? Os rishis, os sábios videntes antigos, disseram-nos que Deus está um milhão de vezes mais desejoso que nos aproximemos dele, de que o ser humano deseja aproximar-se dele.
[Mais uma afirmação bastante original ou pelo menos pouco conhecida, e que swami Premamananda fundamenta nos rishis, provavelmente já da época das Puranas, mas que nos abre a uma visão-dimensão mais intensa de como deveremos querer manifestar mais Deus e amá-lo...]
Resumindo, por detrás de cada fenómeno físico há uma subtil emoção mental que se configura no momento oportuno. A acção começa primeiro no plano mental e subsequentemente atinge a forma física exterior. O princípio subtil espiritual é tão verdadeiro como a sua manifestação física exterior. A composição da epopeia do Ramayana pelo sábio Valmiki, antes mesmo do advento terrestre de Rama Chandra, revela esta verdade. Aos rishis videntes da essência, o conceito espiritual era revelado primeiro e, subsequentemente, vendo o aspecto físico deste princípio na vida dos avatares, eles exprimiram-no com força na linguagem. Não é difícil a um sábio discernir a vida futura de uma criança pela observação das suas acções em criança.
É extremamente difícil captar uma ideia apenas pela leitura de livros, a não ser que isso se tenha desenvolvido previamente, de algum modo, dentro de si mesmo. Por esta razão os que procuram a verdade tentam primeiro desenvolver os princípios espirituais nas suas vidas.
A manifestação exterior da Deus é o universo e o espírito ou a alma íntima do universo é Deus. Assim, o que existe no estado causal ou subtil é espiritual, e o seu estado concretizado na forma da criação ou da acção é físico. A mente estando entre Deus e o universo, entre o espírito e a matéria, estabelece uma relação entre os dois. A actuação interior da mente é espiritual e a exterior é material ou física.» Hardwar, nas margens do Ganges, 13 de Julho de 1903.
| Hardwar,
uma cidade santa para os peregrinos do rio Ganges, quando ele entra nas
planícies, logo após Rishikesh, locais por onde também peregrinei na sadhana ou via yogi. |
Neste último parágrafo Swamiji realça a necessidade de cuidarmos e controlarmos bem a mente, já que é ela que estabelece e concretiza as pontes entre o mundo espiritual e o físico. Neste sentido Patanjali, no seus clássicos Yoga Sutras, definiu mesmo Yoga como citta vritti nirodha, controlar, dominar, ou mesmo extinguir as vagas de pensamento, pois então a natureza essencial ou íntima nossa pode despontar luminosamente.
Perseveremos nas nossas orações e meditações para conseguirmos manifestar ou avatarizar os princípios e valores espirituais e divinos!
quarta-feira, 23 de março de 2022
Swami Premananda Tirtha (1871-1959). Mais ensinamentos espirituais valiosos...
Swami Premananda Tirtha, que temos divulgado pioneiramente em português, vai ainda ser evocado neste terceiro, e para já, último texto, pois a sua vida, ser e ensinamentos são bem valiosos. Quanto à brevíssima biografia que partilhei, haurida no livro Swami Premananda Tirtha, Life, Sketch & Letters, publicada pela Sri Krishna Sangha, Calcutta, em 1973, talvez lhe deva acrescentar a sua corajosa independência perante algumas altas personalidades inglesas que o visitaram ou que queriam mesmo que ele diminuísse o brilho de Gandhi, recusando-se a tal e não os recebendo. E ainda a sua capacidade e amor de peregrinar muito a pé, sem ter um cêntimo no bolso, como é habitual nos yogis, sadhus e sannyasins, ou seja os ascetas e monges indianos, apoiados pela ordem do Universo, os seus seres e, sobretudo, a Divindade omnipresente em subtis modos. Não teve um ashram ou centro seu, e não estava muito tempo nos locais para onde os seus devotos oonvidavam.
Um yogi do tempo de Premananda Tirtha e amigo de Paramahansa Yogananda.
Oiçamo-lo num primeiro ensinamento psico-espiritual valioso: «Cada um tem tanto Deus como o Diabo dentro de si. Quem quer que ele chame, esse mesmo virá ter com ele. Recebereis dos outros o tratamento que derdes a eles. "Faz aos outros o que gostarias que te fizessem". Quando se lhes dá confiança, mesmo ladrões e malfeitores podem tornar-se seres correctos. Vi isto acontecer muitas vezes. Se temos as tonalidades do mal na nossa mente, veremos o mal em toda a parte. Orai humildemente a Deus para vos dar o poder de compreenderem os mistérios da mente. Gradualmente pela graça de Deus, o vosso poder de ver, pensar, compreender e prestar serviço crescerão. Crede que ele é Omnipresente; chamai-o pelo nome de Senhor do Universo: tentai servi-lo como o Ser omnipresente e gradualmente a vossa visão interior abrir-se-á. Uma vez aberta a visão interior as dúvidas e percepções incorrectas desvanecer-se-ão. Uma cobra permanece uma cobra mesmo quando a imaginamos que é uma serpente, pois o defeito está na nossa visão mental. Na realidade última há Um só e nem um segundo neste mundo. É um grande erro tomarmos como a Realidade verdadeira este mundo mutável, e fugirmos dele com medo pensando que a corda é uma cobra. É de facto pela majestade da Grande ilusão (mahamayashakti) que o impossível se torna possível. A shakti ou energia divina em nós está dormente sob a forma de uma corrente nervosa, sushuma. Tentai despertá-la através das práticas espirituais. Se considerarmos alguém como uma pessoa má, a nossa mente torna-se má, independentemente de tal pessoa sê-lo ou não. Quem sabe como amar, receberá amor. Os sábios antigos, rishis, costumavam ficar amigos das aves e dos animais. Nos seus eremitérios tigres e gazelas, cobras e mangustos brincam juntos. Isto não é invenção. Eu tive uma experiência de tal na minha vida», e que foi quando ele era eremita na zona montanhosa de Simla quando se familiarizou com um tigre a que dera o nome de Mastram e quando o chamava vinha brincar com ele, e um dia que o tigre estava sobre ele, um caçador britânico que passou pensando que o tigre o queria matar, apontou a espingarda, mas o Swamiji viu e teve a inspiração de pôr a mão dentro da boca do tigre, fazendo com o caçador percebesse o que se passava, e logo tirasse uma fotografia que na época foi muito divulgada.»
Acerca da graça divina: «Não se consegue receber ou realizar a graça Divina, enquanto uma pessoa vive fácil e confortavelmente. Ninguém precisa de fazer o que quer que seja por alguém que satisfaz, ou pode satisfazer, ou pelo menos acredita que pode por si mesmo realizar tudo o que quer.»
Da omnipresença divina: «Eu sinto a presença de todos os meus amigos e de todo o universo dentro de mim. Como é que eu posso descrever esta felicidade (ananda)? Pode alguém, a quem Deu ama tanto e que toma conta dos seus requerimentos básicos, ter alguma vez uma dificuldade? Aquele cujo pensamento é puro e calmo, realiza a Divindade omnipresente e está sempre em felicidade».
«Se a mente está impura e irrequieta, é impossível reconhecer-se Deus mesmo que ele fosse visto, ou segurá-Lo se fosse encontrado. Um crente em Deus tenta terminar em dez anos o sofrimento inútil que um não crente levará 100 anos para terminar. O crente tenta assim obter o direito de entrar no Céu o mais cedo possível. Ele não aguenta o atraso e é por esta razão que devotos e pessoas bondosas aceitam de boa vontade a dor e o sofrimento. No meio de toda a calamidade e dor, mantém a atenção fixa Nele e continua a avançar para Ele. Faz os teus deveres terrestres com o corpo, mas a tua mente ou alma deve estar incessantemente virada ou absorta para a contemplação da Sua identidade e dos Seus atributos. A tua mente não deve aceitar ou deixar entrar ideias que não estejam relacionadas ou afins com o Divino. A fé é a raiz da religião, é como o sexto sentido.»
«Somos os filhos e filhas do Ser Primordial Imortal. Coragem, brilho e majestade da energia primordial divina (mahashakti) estão latentes em nós. Os filhos da Bravura em si mesmo devem ser bravos. Presentemente uma ignorância estúpida espalhou-se sobre o país inteiro. Quase toda a Índia terá de ser desperta e restaurada à sua pristina glória. Muitas das nossas práticas religiosas e adoradoras tornaram-se rituais sem vida. Verdade, amor, pureza, fé, coragem e o serviço da humanidade constituem a essência da religião. Rituais e cerimónias são apenas úteis secundariamente. A nossa atenção deve centrar-se na essência da religião e todos devem ter plena liberdade quanto [à escolha e prática] dos aspectos secundários. Não se deve dizer nada contra um santo, ou mesmo um devoto. E o nosso comportamento ou modo de vida deve ser tal modo que atrairá os outros a terem fé em Deus e a adorarem-No».
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| Te Deum Laudamus. De Bô Yin Râ. |






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