sexta-feira, 25 de março de 2022

Swami Premananda Tirtha. A alma é imortal e há uma vida depois da morte conforme o que realizarmos e fizermos... Aum...

O mestre bengali  Swami Premananda Tirtha,  naturalmente,  na vida (1871-1959) meditou bastante a morte, numa linha transversal às várias tradições espirituais da humanidade, algumas das quais  geraram mesmo  valiosas Artes de Bem Morrer, ou Livros de Mortos ou de Transição para a Luz, tais como os gregos, os egípcios e tibetanos, Entre nós, no Ocidente cristianizado, com as vivências e os ensinamentos ascéticos dos eremitas  e depois de sucessivos religiosos e religiosas (e Maria Madalena, meditando a evanescência da vida e a certeza da morte, seria erguida a musa de tais atletas asceto-espirituais), houve  aproximações libertadoras à morte e foram-se gerando artes de bem morrer, entre as quais destacaremos a de Erasmo, e  seus Adágios desenvolvida no Homo bulla.   Com a  Contra-Reforma ortodoxa católica tais linhas foram  mantrizadas e sistematizadas nas meditações dos 4 Novíssimos: Morte, Julgamento,  Céu e Inferno, os quais se podem resumir no imaginarmos que morremos hoje, no que nos sucederia se fossemos julgados ou nos avaliássemos, e em que zonas do cosmos interior e subtil estaríamos, convidando-se assim a choros, arrependimentos e conversões, certamente com algumas explorações desnecessárias ou excessivas identificações ao passado e à personalidade, em vez de se demandar a gnose do espírito, exactamente tão praticada na Índia...
                                           

Homo bulla. O ser humano é um bolha de sabão, ou é como uma criança inocente e transitória rumo à morte mas também ao além...

Em Portugal, literariamente, o século XIX foi muito rico em aproximações poéticas à morte, vindas dos românticos e ultra-românticos e mesmo já com os modernos da geração coimbrã, e cristalizou em Soares dos Passos, António Nobre e por fim Antero de Quental, este certamente o que mais meditou e poetizou filosoficamente a morte, caminhando até para ela voluntariamente, e deixando-nos alguns sonetos bem valiosos, tal o Amor-Mors, ou o Com os Mortos,  quer termina com estes dois tercetos:  

«Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.»

Depois dele, e na sua esteira de glosador também  da frase grega Morrer é ser Iniciado, encontramos Fernando Pessoa, autor de numerosos fragmentos e poemas em que afirmou ou especulou a imortalidade espiritual e a vida das almas. Em 2013 reescrevi um artigo sobre tal que está neste blogue:                           https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2013/11/da-imortalidade-na-vida-e-obra-de.html
Ora a tradição indiana tão rica nesses conhecimentos e demandas
mostra-nos que na sua evolução ao longos dos séculos brotaram e estratificaram-se alguma crenças e  ideias que foram depois sendo repetidas e assimiladas, gerando-se costumes e rituais, mitos,  doutrinas e gnoses. Pois Swami Premananda Tirtha (1871-1959, e que temos trabalhado) desde que nasceu  nesse mundo de espiritualidade milenária vai partilhar as suas vivências e compreensões ao longo da sua vida de mestre servidor da libertação das pessoas, ajudando-as a compreender melhor a sua identidade espiritual e os seus possíveis caminhos no além.
Certamente que face ao grande mistério da morte e do outros níveis da realidade, só um
louco, um convencido, um aldrabão, ou então pelo contrário um iluminado dotado de plena visão nos três mundos, é que poderá estar certo do que se passa, e assim, calmamente, Swami Premananda foi transmitindo em satsangas ou conversas e sobretudo por cartas o que viveu, recebeu, leu, ouviu, deduziu, sentiu e viu.
                                            
Conta-nos também que com a morte da sua mãe, quando só tinha
nove anos, teve pouco depois um sonho forte de encontro com ela que lhe deu a certeza que ela era mesmo uma alma imortal, ainda que certamente não saberemos até quanto a vivência pessoal onírica depende do campo unificado energia consciência indiano e que, portanto, se tivessem nascido em Portugal não seria de outra forma  mais individualizada e localizada e não tanto não-dual ou omnipresente, a vivência que teve da alma da mãe nesse sonho, já relatado por mim num dos artigos anteriores.
Sabemos que desde cedo usou os cemitérios e zonas crematórias para
meditar na impermanência da vida e vencer o medo da morte e o apego à vida, tal como faziam muitos yogis e monges indianos. E sobre tal disse: «Os que cometeram poucos actos errados e compreendem Deus como ser compassivo e cheio de amor, abraçam a morte com alegria. Os espirituais de todos os povos sempre viram a morte como um meio de se atingir Deus e aceitaram-na com alegria. O local da prática espiritual dos yogis tântricos é o cemitério. Com a ajuda da imagem do cadáver, eles transformam o seu próprio corpo como um cadáver, para propiciar Shiva - a Deidade Primordial. O seu preceito ou regra é: " Morre antes da morte para alcançares o estado de sem morte". A essência de tudo o que disse antes é que o conjunto causal do medo da morte é ignorância, descrença em Deus e excessivo apego ao mundo ou à mundanidade.»
Também em certas cartas e em especial na sua última mensagem
escrita antes de partir, lida e comentada já em vídeo, inserido no primeiro artigo que lhe consagramos, ele é adamante na consciência da sua imortalidade e mencionaremos apenas agora o primeiro dos três parágrafos, tão belo: Hoje quero dizer apenas uma coisa a todos os meus amigos e mães. A condição deste corpo tem já desde há algum tempo a ir a baixo e é possível brevemente ouvirem dizer que já não existe. Mas eu nunca morrerei. Eu nunca falei falso. Eu afirmo enfaticamente que estarei vivo mesmo depois que este corpo se for. Quem acreditar em mim, encontrar-me-á próximo de si e numa forma mais bela e doce. Mas eu estarei morto para os que pensarem que eu morri»...
Acolhamos então agora extractos de duas das suas cartas: «Na morte
de uma pessoa normal,  só o corpo físico é deitado fora mas na morte de pessoas já realizadas ou libertas, os três corpos físico, subtil e causal são abandonados e atinge-se a absoluta identidade com o Supremo Ser. 

[Talvez esta absoluta identidade não seja tão absoluta e antes mitigada, senão a pessoa desaparecia, mas tal é a crença de algumas das filosofias e religiões indianas, pelo o que para nós Ocidentais parece um pouco de hubris (auto-avaliação exagerada) - a identidade absoluta com a Divindade, e antes admitamos ou acreditemos que haja então uma ligação, comunhão ou unidade maior com Ela - já para Swami Premananda, é natural e faz-lhe sentido tal identidade absoluta realizável e que ele aliás sentia bastante em termos de coincidência consciencial com a omnipresença do Espírito.]

O Anjo guiando a alma rumo aos planos mais luminosos e divinos...

Desejos propensões, apegos, associações mentais, violência e ódio são as características da mente e residem no corpo subtil. Assim quando o corpo físico é abandonado, as características mentais não o são nem sofrem qualquer mudança. Quanto ao estado em que a alma desencorporada estará e o que fará, tudo depende do que foi ela atingindo em terra. Aqui o atingir é usado no sentido de que moldou em vida, elevando-se a si mesma, tentando chegar à perfeição e estar animado por boa vontade ou benevolência. Assim uma pessoa sóbria, benevolente, sábia e devota desfrutará de beatitude depois da morte e uma pessoa que não se conseguia conter, cruel e maliciosa sofrerá dores. Não pode haver dúvidas quanto a isto. O Vishnu Purana diz que depois da morte as pessoas justas vão para o céu e as que não foram justas para o inferno.  A definição de céu e inferno foi assim dada: o estado alegre ou beatífico da alma é o céu, e o estado contrário, quando uma pessoa se sente infeliz, é chamado o mal ou inferno. Na Bhagavad Gita, XVI-21, kama, luxúria, krodha, iritação e lobha, ganância, foram descritos como os três portões do Inferno. São os impedimentos à manifestação da alma e foi recomendado que devem ser descartados, ou seja o desejo sexual violento,  a irritação, e a ambição gananciosa  devem ser mantidos sobre controle rigoroso.»
Finalmente, numa carta a uma mãe a quem o filho pequeno morrera,
depois lhe explicar como somos seres imortais e que deixamos o corpo chegada a hora para passar para planos subtis e que apenas nos agarramos demasiado ao que é transitório e de lhe contar, como exemplo, uma história de Krishna  com o seu irmão Balaram, pede-lhe para tentar compreender que «quem parte  está presente subtilmente algures e em mais paz, embora para entrar em contacto com ele o poder da visão subtil tem de ser desenvolvido, e sem esforço, não se consegue obter o fruto do esforço. Ao chorarmos e lamentar-nos, tornamos as nossas nervosas mentes ainda mais inquietas e causamos dor à alma que partiu».
                                            
Explicando-lhe depois como antigamente, desde a infância se
ensinava às crianças «para imaginarem ou conceberem o divino sem forma que está representado numa imagem, ou para pensarem que a alma está dentro do corpo», e como outros ensinamentos eram dados quanto ao casamento, nomeadamente como Krishna e Radha, estão em nós ou o somos, de modo a que tal auto-consciência acontecesse nas almas, e frutificasse na firme consciência de que o corpo físico era apenas um revestimento exterior, e a alma o mais essencial, vai afirmar a essa mãe, reiterando a compaixão pela a dor imensa que ela sente, que ele pede «na sua oração à Divindade misericordiosa que lhe abra a visão subtil interior e que lhe acalme o coração desfeito» e lhe dê paz. E logo a seguir, e terminaremos este texto com tal parágrafo da carta de Premamanda Tirtha, longo mas bem actual, já que fala das mortes inesperadas, diz-lhe e diz-nos:«Talvez a mãe me diga que não tem nada contra a morte, mas que não deveria haver mortes prematuras. Eu acredito firmemente que se vivêssemos de acordo com as leis Divinas, se não tivéssemos tornado as nossas vidas tão não-naturais e artificiais, se o nosso país e sociedade não tivessem sido toados pela ausência de sobriedade e de semelhança divina, não haveria tantas mortes prematuras. (...) Nos tempos antigos não aconteciam tantas mortes extemporâneas na Índia. Se os Ocidentais praticassem mais controle da energia sexual e  rectidão, em simultâneo com as regras de saúde, então não ocorreriam tantas mortes prematuras como agora. O tipo de vida que muitos indianos levam hoje e o facto de haver ainda muitos com longas vidas, deve ser provavelmente o fruto de modos de vida luminosos ou feitos gloriosos dos nossos antepassados, pois de outro modo, face a tanta vida desequilibrada ou depravada, já deveríamos estar destruídos...»
                                        
Agradecendo e saudando luminosamente no corpo místico da
humanidade ao Swami Premananda Tirtha, concluamos com o último parágrafo das suas "Últimas Palavras" : As pessoas que me limitam a um corpo, não sentirão a minha existência quando este corpo  tiver acabado. Mas eu nunca estarei longe daqueles que, acreditando que eu sou uma alma sem corpo, focarão a sua mente nas minhas ideias intimas e moldarão as suas vidas de acordo com elas Eles sentirão sempre a minha proximidade e depois da dissolução do corpo, sentir-me-ão ainda mais próximo». Aum, Amen. Saibamos assim comungar mais no ser espiritual que somos,  Sat Chit Ananda...

Ornamento de Bô Yin Râ, o Espírito....

2 comentários:

Maria de Fátima Silva disse...

Ensinamentos muito fortes e explícitos, que motivam reflexões e meditações sobre crenças que mantenho e que posso pôr em causa dando lugar a verdades ...muitas graças, Pedro

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças muitas, Fátima, pela leitura interessada e que se tornou questionadora e clarificadora....