sábado, 16 de abril de 2022

Tolstoi na "Veritas", revista de Iniciação nas ciências psíquicas, educação moral, intelectual e social, de há cem anos...

Veritas, revista de Iniciação nas Sciencias psiquicas, educação moral, intelectual e social, fundada em Abril de 1921, foi editada por Armando d'Araújo, e seu director e proprietário era Jacinto d'Assunção, e publicou-se pelo menos até Agosto de 1922. No 1º número, como que em editorial ou programa dos trabalhos, sob o título Veritas, mas anonimamente, lemos: «Esta publicação é destinada a espalhar a doutrina do Bem, da Verdade e da Justiça. Vem modestamente, para expôr noções, factos e argumentos aquilo que entendemos ser a verdadeira Lei, que deve ser tida em consideração por todo o ser humano que pretender encontrar o verdadeiro caminho a seguir: o caminho da Felicidade.
Tudo quanto aqui se expuser, será feito sem sombra de pretensões
dogmáticas, nem desejo de ofensa a qualquer crença estabelecida. Só rendemos culto à Verdade, mas também é certo que temos um respeito inquebrantável pelas convicções alheias. O nosso trabalho é dedicado aos que vivem no sofrimento e na desorientação, e que em busca dum destino melhor se vão afastando do verdadeiro caminho. Procuraremos fazer com que possam escutar a voz da sua
Consciência, e tentaremos reacender em suas almas imersas na Dúvida, a luz benéfica e redentora da Fé. A esses pois em especial, se dedica todo o nosso esforço, toda a nossa boa vontade e todo o
auxílio que as nossas forças permitirem prestar-lhes.
Aos outros nossos irmão que, já esclarecidos com o Conhecimento,
demandam a largos passos a estrada da Vida, pedimos, com o maior empenho, nos deem por sua vez os ensinamentos próprios de seus espíritos mais adiantados, ajudando assim não só a aumentar a esfera do conhecimento, mas também a auxiliar a evolução daqueles que, mais atrasados, os não podem acompanhar.»
                                                
Ora nos seus dezassete números encontramos tanto bons artigos
como valiosos excertos ou máximas de grandes seres, entre os quais se destacam Jesus, Sócrates, Pitágoras, Krishna e Tolstoi, este como podemos ler logo na primeira página dos números 1º, 3º, 6º e 13º  o que está de acordo com a forte aceitação e influência nos meios mais progressistas da época: socialistas e anarquistas ou libertários, naturistas, vegetarianos e espiritualistas, e destacaremos Jaime de Magalhães Lima e Antero de Quental. E como estamos a atravessar uma época muito conturbada nas relações dos povos europeus, nomeadamente muitos dos seus governos, oprimidos pela tonta e submetida da direcção da União Europeia, contra a Rússia, nada melhor que relembrar grandes almas russas e seus perenes ensinamentos, supra-nacionais e circunstancias, e assim ressuscitá-las para o nosso convívio e para a elevação da mentalidade geral, tão manipulada e limitada...
                                        
Oiçamos então Tolstoi, num excerto dos Conselhos aos Dirigidos: «Bastava unicamente que a lei:"fazei aos outros o que queres que te
façam", ou "não faças aos outros o que não querias que te fizessem" fosse aceite, para que a concórdia e a felicidade tivessem uma realização efectiva.
Se as consequência do seu exacto cumprimento são benéficas e variadas, é porque ela regula todas as relações dos homens entre si e substitui por toda a parte e discórdia e a luta pela concórdia e o mútuo auxílio.
Que os homens se libertem dos embustes que lhes ocultam
[este princípio do karma e do Amor], que reconheçam esta lei divina como obrigatória e decidam a sua aplicação em todas as circunstâncias da vida, e a ciência mais importante, útil a todos, mas que nos falta actualmente, surgirá em todo o seu esplendor e permitirá resolver todos os conflitos, tanto individuais como sociais. Se esta ciência estivesse fundada e elaborada, se as crianças e adultos a aprendessem, como modernamente aprendem superstições incoerentes e ciências muitas vezes inúteis e até nocivas, toda a vida
humana, e por consequência as condições aflitivas em que hoje vive a grande maioria dos homens seriam radicalmente transformadas».
                                               
No 3º número encontramos então de novo Tolstoi como mestre
original e revolucionário do cristianismo, num excerto das Últimas Palavras, que já abordámos neste blogue: «Que deve fazer um faminto quando não tem que comer? Trabalhar, procurar-se alimento. Ora da mesma sorte que o alimento não vem por si só, o reino de Deus, que é como quem diz a vida moral dos homens, também por si só se não estabelecerá. É preciso trabalhar para isso. E, para tal fim, convém, antes de tudo, deixar de cometer o maior mal, causa primária da má vida dos homens, - assassínio.
Para pôr um termo a esta obra nefasta, pouco é preciso. A consciência da incompatibilidade do assassínio com a natureza humana, está já suficientemente espalhada pela maioria do mundo cristão».
                                          
                     

 No nº 6, de Setembro de 1921, novo excerto das Últimas Palavras, editada entre nós, com tradução de Francisco Barros Lobo e com grande circulação, onde Tolstoi acentua a necessidade de adoptarmos uma concepção e uma regra de vida justa, ética ou mesmo religiosas, religante de nós, com os outros em fraternidade, e em comunhão com a Natureza e o Todo:
«Admiram-se os homens de que a sua vida seja feita senão de
miséria e dor: como poderia ser de outro modo? Uma organização social pode ser imperfeita numa sociedade em que os costumes se afastam do ideal indicado pela moral religiosa; pode sê-lo igualmente quando essa moral contém obscuridades ou é falsamente interpretada. Mas que vida, não direi que moral, simplesmente ordenada, pode haver numa sociedade sem religião, isto é, sem uma concepção determinada da vida e uma regra de conduta que dela derive?
Na China, na Índia, no Japão, entre todos os povos, que consideramos, como povos bárbaros, a vida pode organizar-se dum modo mais ou menos razoável. Se não possuem como nós, fonógrafos, automóveis, aviões, casas de muitos andares, montanhas de papel impresso e outros produtos da nossa civilização, têm em compensação uma lei religiosa reconhecida pelo maior número, uma regra de conduta que dela resulta, e que eles observam como um dever sagrado; enquanto que nós, cristãos, estamos cercados de uma quantidade de objectos inúteis, muita vezes prejudiciais, que constituem o que orgulhosamente chamamos civilização, faltando-nos a coisa sem a qual a vida não é vida, mas uma existência apenas 

bestial, - a lei suprema reconhecida por todos, explicando o sentido da vida humana e indicando a regra da nossa conduta».
                                              
Os últimos pensamentos tolstoianos dados à luz pelo grupo de espiritualistas que nos anos de 1921 e 1922, partir da sua sede lisboeta na rua da Fábrica da Pólvora, 16, 1º, entre tantos artigos valiosos de estímulo moral, psíquico e espiritual, a maior parte deles anónimos ou sob pseudónimos (Glaucus, Martha, Modesta, Sirius, Gerardo, etc.) ou iniciais (tal C. T., valiosos), com excepção de José António Salgado e Maria Genoveva França, surgem após uma citação de Jesus e antes de uma de Marco Aurélio, e o que se lê fecha com chave de ouro a antologia que nos ofereceram, pois vemos Tolstoi, embora admitindo considerar-se o ser humano como um animal, reconhece nele uma parcela do universo infinito, ainda que não explique, ou não saiba exactamente, como é parcela, ou que tipo de parte ou partícula do Universo e mais ainda da Divindade, palavra esta que contudo Tolstoi não assume, seja por traumatismos com a Igreja Ortodoxa que o chegara a excomungar, seja por desilusão em relação à concepção de Deus do Cristianismo, tão limitada pela
herança de tão nacionalista e vingativo Jehová, ou ainda porque nos últimos anos se abrira mais ao Extremo Oriente, talvez mesmo ao Tao, preferindo usar a palavra Todo. Há contudo concomitantemente na sua obra expressões de uma relação íntima pessoal com a Divindade, na esfera do sentir. Mas oiçamo-lo: «O ser humano pode considerar-se como um animal entre os animais, vivendo o dia de hoje; pode considerar-se como membro de uma família ou de um povo cuja vida dura séculos; pode e deve mesmo (porque a isso o arrasta fatalmente a razão) considerar-se como uma parcela do universo do universo infinito, que vive eternamente.
Eis a razão porque o ser humano pensador estabelece sempre, além das suas relações com os fenómenos imediatos da vida, a relação com o mundo infinito, no espaço e no tempo, inacessível, portanto, ao seu entendimento, mas que se lhe apresenta como um grande Todo. E esta relação entre o homem e o grande Todo insondável, de 
que ele se reconhece uma parcela, e que o guia nos seus actos, é o que se chama Religião. Eis porque a religião tem sempre sido, e não pode deixar de ser, a condição da vida do ser humano reflectido [ou mais consciente] e da humanidade que pensa. A verdadeira religião é o laço que une o ser humano à vida ínfima [e íntima] que o cerca, e que o liga a sua própria vida ao Todo impenetrável» [ou sempre tão insondável quão aprofundável].

São pois valiosas as impulsões tolstoianas, a que acrescentei algumas orientações, para tentarmos  aprofundar a nossa religião pessoal, a nossa religação com o nosso próprio ser espiritual, e com os grandes seres ou mestres e com o Amor libertador. E mesmo com a Divindade, seja sentido como Vida no Todo, seja como Fonte e Ser Primordial de tudo e todos. Oremos e meditemos para que a paz, a justiça e a fraternidade aumentem entre todos os seres! Aum..

     
De Bô Yin Râ: aberturas espirituais no Infinito Divino.

2 comentários:

Maria de Fátima Silva disse...

Se realmente todos conseguíssemos, somente fazer ao outro aquilo que gostávamos para nós, o entendimento surgiria de forma natural. Parece-me que às vezes este pensamento não aflui, sequer...

Muitas graças, Pedro por estas sábias reflexões.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças, Fátima. Sem dúvida, pouca gente consegue estar em Amor...