Na história que vamos ouvir, Sa'adi relembra-nos que devemos ter uma consciência não apenas do presente, mas também do passado e do futuro, para que assim possamos ter uma vivência mais harmoniosa e frutífera na peregrinação terrena. Do passado, pelos que nos ensinam e nos trazem e entregam a história e a sabedoria dos séculos. Do futuro, pelas considerações que fizermos a partir do que eles nos dizem e nós lemos e vivenciamos, pois não há separação temporal rígida e o agora está sempre a passar. Por isso alguns até tentaram cravar com uma espada esse momento sempre evanescente e clamaram Hic et nunc, aqui e agora, e com razão quando por esse meio se procura uma intensificação heróica, criativa e vencedora, de dar tudo por tudo.
No fundo, esta narrativa muito rica de expressões psico-físicas persas invulgares entre nós aconselha-nos a viver equilibradamente, se queremos verdadeiramente chegar ao fim da vida terrena em boas condições materiais, corporais, psíquicas e espirituais.
Oiçamos então Sa'adi Shirazi, isto é, natural da bela cidade de Shiraz, onde nasceu (1210) e morreu já de idade bem avançada (1292) após ter muito viajado e vivenciado, reflectido e dialogado, meditado e escrito, e amado...
«O filho de um homem piedoso,
herdando uma fortuna enorme deixada por uns tios, mergulhou
imediatamente na dissipação e libertinagem, tornando-se um perdulário
e, para resumir, não houve transgressão alguma odiosa por
perpetrar nem intoxicante por provar. Eu aconselhei-o porém, dizendo-lhe: “Meu filho, o rendimento é uma água em movimento e a
despesa um moinho a rodar; isto é, só quem tem um rendimento fixo é que pode entregar-se a despesas muito abundantes.”
Se não tens um rendimento, gasta
frugalmente
Porque os marinheiros cantam esta
canção:
Se não houver chuva nas montanhas,
O leito do rio Tigre secará num ano.
“- Segue a sabedoria e a decência,
abandona os espectáculos e o jogo pois a tua riqueza ficará exausta e depois cairás em problemas e arrepender-te-ás”. O jovem foi
porém impedido, pelas delícias da música e da bebida, de aceitar o meu
conselho, considerando-o mesmo desacertado, dizendo que era contrário à
opinião das pessoas inteligentes alguém amargar a tranquilidade do presente
com preocupações do futuro.
Porque é que os possuidores de sorte e
prazeres
Hão-de suportar a tristeza pelo medo de apreensões.
Vai, sê alegre, meu amigo de coração
alegre
A dor do amanhã não deve ser tragada já
hoje.
Como poderia eu calar-me, eu que
ocupo o mais alto assento da liberalidade, tendo dado o nó da
generosidade e de cuja beneficiência a fama se tinha tornado o tema
da conversa geral?
Aquele que se tornou conhecido pela sua
liberalidade e generosidade
Não deve pôr um cadeado sobre os seus
dinheiros.
Quando o nome de uma pessoa boa se
espalhou por uma localidade
A porta não pode ser doseada contra
a bondade da pessoa.
Quando percebi que ele não aceitara o
meu aviso e que o meu hálito quente não estava a ter efeito sobre o
seu ferro frio, deixei de o advertir e retirei a minha face da sua
companhia, agindo de acordo com os filósofos, que disseram:
“Transmite-lhes o que tu tens e, se eles não o receberem, não é
tua a falta.”
Apesar de saberes que não serás
escutado, diz
O que possas saber de bons conselhos
e avisos.
Pode ser que brevemente
contemples um infeliz companheiro
Com os seus dois pés a caírem
no cativeiro,
Batendo as suas mãos juntas, e
dizendo:”Infelizmente,
Eu não acolhi o conselho de um sábio”.
Algum tempo depois vi realizadas as
consequências que eu previra do seu comportamento dissoluto.
Quando o vi a cozer remendo sobre remendo e a recolher migalha sobre
migalha, o meu coração sentiu piedade pela sua condição empobrecida, mas como não considero humano coçar as feridas
internas com reprimendas ou derramar sal sobre elas, de
acordo com isso, disse-me apenas a mim próprio:
Um indivíduo tolo nos píncaros da sua
intoxicação
Não se preocupa com o dia que há-de
vir de aflição.
À árvore que deixa cair a sua
folhagem na Primavera
Certamente não lhe restarão folhas no
Inverno.»

Saibamos trabalhar e viver, como nos recomenda Sa'adi, pela frutificação espiritual perene, e divina até...